domingo, 6 de novembro de 2016

5 O CEU E O INFERNO

*5 - O CÉU E O INFERNO*

OU
A JUSTIÇA DIVINA SEGUNDO O ESPIRITISMO
Exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas, etc., seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois da morte
ALLAN KARDEC

*Século Vinte e Um: construindo a tolerância...*

“14. - (...) A unificação feita relativamente à sorte futura das almas será o primeiro passo de contato dos diversos cultos, um passo imenso para a tolerância religiosa em primeiro lugar e, mais tarde, para a completa fusão.”

Mencionávamos no artigo passado sobre a variedade das expressões da verdade, propostas pelo pensamento do homem, adequadas às visões de mundo e de si mesmo que ele já logrou atingir. À primeira vista essa observação pode parecer incoerente com a afirmação de Kardec acima, acerca da tolerância religiosa. Pois, se a verdade é relativa ao grau de amadurecimento do senso moral, então, como ficamos em relação às diferentes interpretações sobre o que comumente chamamos verdade? Nesse presente artigo, vamos, pois, explorar um pouco mais essa questão, i.e., tratemos da *verdade*. segundo as idéias que podemos colher na doutrina espírita. Antes, porém, façamos uma incursão sobre os significados que pode assumir a palavra verdade.

*Três concepções da verdade [1]*

            Quando escutamos alguém mencionar a palavra verdade não nos ocorre que ela possa ter vários significados conforme o contexto. Em português a palavra verdade possui algumas variações quanto à significação, mas podemos agrupá-las em três grandes grupos.

            Nossa idéia da verdade foi construída a partir de três concepções vindas do grego, do latim e do hebraico.

            *Aletheia*, do grego, quer dizer não-oculto, não dissimulado. Verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que *é* ou *existe* tal como é. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão. As *coisas*, os *fatos* ou são reais ou imaginários. Surge aqui a dimensão das nossas *experiências objetivas.*

            *Veritas*, do latim, refere-se á  precisão, à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes e fidelidade o que *aconteceu.* O enunciado corresponde aos fatos acontecidos. Os relatos e enunciados sobre as coisas e os fatos são verdadeiros ou falsos. Trata-se aqui da coerência lógica das idéias e das cadeias de idéias que formam um raciocínio. A marca do verdadeiro é a validade *lógica* de seus argumentos. Surge, então, a dimensão do *pensamento*, uma vez que a linguagem é sempre a expressão do pensamento para o Espírito.

            *Emunah*, do hebraico, significa confiança. Um Deus verdadeiro ou um amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são fiéis à palavra dada, ou seja, não traem a confiança. Aqui a verdade é uma crença fundada na esperança e na confiança, referidas ao futuro. Aqui percebemos surgir o *outro* no contexto de nossas experiências. A dimensão *ética* toma vulto no campo da *compreensão mútua*, da imparcialidade necessária para tal compreensão.

            Assim, a verdade estará ligada ao ver, ao perceber; ao falar, às palavras (e, por conseqüência, ao pensar); por último, ao crer, ao acreditar. Teríamos, então:

•   ver-perceber

•   falar-dizer

•   crer-confiar

            Por fim, a nossa concepção da verdade é uma síntese dessas três fontes, referindo-se, portanto, à realidade, à linguagem e à confiança-esperança.

            Agora surge, então, uma questão interessante. Quando podemos saber se *o que conhecemos* é *verdadeiro*?

             Tomemos três casos a título de exemplo. Um cientista, um juiz e uma mãe cuidadosa na relação com seu filho. Para um cientista, por exemplo, a marca do conhecimento verdadeiro é a *evidência*, isto é. a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma e alcançada pela nossa razão (uma idéia é verdadeira quando *corresponde* à coisa que é seu seu conteúdo). Para um juiz, ela vai depender da precisão e do rigor na criação e no uso de regras que devem exprimir o nosso pensamento ou nossas idéias, como também os fatos exteriores a nós e que nossas idéias relatam (*coerência* interna ou lógica). Finalmente, para uma mãe, a verdade depende de um *consenso* ou de um pacto de *confiança* entre ela e o filho, definindo um conjunto de *convenções universais* sobre o que é verdadeiro e que deve ser respeitado por ambos.

            Qual das três concepções deveríamos adotar, então, em relação às nossas experiências? Pode parecer elas  são  independentes entre si, mas é justamente aqui que devemos examinar com mais cuidado essa questão. Qualquer que seja a concepção que tomemos como critério de validade para o que conhecemos, ela estará sempre incompleta. Vejamos. Há coisas que existem e nem sempre são percebidas diretamente, como a *influênciação espiritual*, entre outros. Por outro lado, por mais completa que seja uma linguagem, por melhor que procure descrever, simbolizar alguma coisa, há sempre o fato de que *o exemplo vale por mil palavras*, recurso sobejamente conhecido na educação. Por fim, a própria história mostra que nem sempre consensos levaram à verdade dos fatos, como no *julgamento do Cristo* levando-o à crucificação inocente.

            Como ficamos, então, em relação ao tipo de verdade com que lidamos na Doutrina Espírita? Ela se caracteriza pela multidimensionalidade acima: é precisoperceber os fatos, dentro de um contexto lógico, racional, onde somos levados a "pensar por nós mesmos", animado de espírito de confiança-esperança, sem prevenções. Ou seja, trata-se de um amadurecimento espiritual acontecendo, propiciando-nos maior abertura, receptividade à Vida. Diante de cada experiência, somos convidados a dilatar a capacidade de ver o essencial (somos Espíritos em manifestações humanas), enquadrando essa experiência dentro da razoabilidade que conseguimos desenvolver (a nossa vida tem um propósito dentro de um planejamento realizado por nós), sem perdermos de vista o sentimento de compreensão cada vez maior a vitalizar a nossa própria manifestação (conseguido através do relacionamento de qualidade com o próximo pela segurança que a compreensão do Evangelho do Cristo nos dá).
            
Repensemos, então, a título de exercício do entendimento, no sentido que damos a colocações como:

• a verdade das comunicações mediúnicas;

• a verdade da vida após a morte;

• a verdade da lei de progresso, da lei de ação e reação;

• etc.

            É interessante destacar que ocorre com o Espiritismo o mesmo que se dá com as concepções de caráter integral, holístico: não é possível classificar em um único critério ou grupo suas concepções básicas. Pelo menos com os instrumentos de percepção de que dispomos no momento (capacidade intelecto-moral), pois, sempre
           
            *“Cada um vive nas dimensões do entendimento e na altura da visão espiritual que já conquistou*.” [2]

            Que grande apelo ao espírito de tolerância! Onde vemos que somente pela educação do caráter, das tendências passionais da animalidade ancestral, será possível dilatar as dimensões do entendimento e a própria visão espiritual. Eis aí a nossa grande contribuição aos dias do novo século. Somos chamados a educar educando-nos dentro das três dimensões da verdade:

         viver o fato de sermos Espíritos, e não apenas dele falar,

         explicando a vida com racionalidade, como a "prova buscada" [3] , por nós mesmos, sem as muletas das aparências e fantasias, dos mitos e das místicas,

         tudo dentro de um clima emocional fraterno, de solidariedade, construtivo, no respeito à liberdade de pensar, e de gratidão e otimismo – numa "reverência à  Vida", no dizer de Albert Schweitzer.

            Os dias de hoje pedem-nos, então, visão integral para a validação daquilo que conhecemos acerca do espírito humano, como afirma Ken Wilber, num dos seus inúmeros livros [4] . Em outras palavras, uma coalizão multicolor ou uma visão de muitos níveis, integrando diversos aspectos do espírito humano: arte, moral e ciência; eu, ética e meio-ambiente; o belo, o bem e o verdadeiro. E é segundo essa visão de ampla perspectiva (vision-logic) que encontraremos no Espiritismo os três aspectos mencionados integrados numa sinergia, numa coerência proposital por haver uma finalidade em tudo isso: o progresso espiritual, percebido como quota de maior felicidade para o Espírito.

            Assim, a verdade na Doutrina Espirita pode ser compreendida pelas palavras de Kardec no nosso livro de estudo (capítulo I, item 13 – grifos nossos),

“*O espiritismo dá coisa melhor* (pois, *apresenta um futuro condicionalmente lógico,* digno em tudo da grandeza, da justiça da infinita bondade de Deus); *eis porque é acolhido pressurosamente  por todos os atormentados da dúvida...O Espiritismo tem por si a lógica do raciocínio e a sanção dos fatos*...“

            O que vemos aqui? Aletheia (“fatos materias que se desdobram à nossa vista” sobre o futuro), veritas (coerência lógica na composição do seu corpo de princípios – não há contradição interna) e emunah (esperança-confiança na crença sobre o futuro condicionado à nossa capacidade de amar ao nosso irmão como a nós mesmos). Três raízes a sustentar a nossa experiência na Terra durante a encarnação e além dela! Mas há que fixá-las no solo das experiências reais, vividas, para que  possam ser sorvidos os nutrientes adequados ao nosso amadurecimento espiritual, firmando-nos no campo das nossas realizações. Em outras palavras, três nutrientes são necessários para validar nosso aprendizado no campo das *verdades do espírito*: o da *ação* no bem, o da *reflexão* em torno do que é o bem e o do *sentimento de caridade* que será sempre o nosso próprio bem em marcha triunfante. Nas palavras de João Lustosa, para nossa reflexão final,

“*Por isso mesmo, se nos afeiçoamos ao trato com a verdade, é muito fácil reconhecer que há acontecimentos de fundo espírita, conversas de feição espírita, referências de caráter espírita, e realizações de inspiração espírita, mas o de que necessitamos, sobretudo, é de orientação espírita no sentimento e na experiência individual, de conformidade com o Espiritismo, porque o espírita que aceitou a supervisão do Cristo já não pode agir como quer e, sim, agir como deve querer*.” [5]

[1] CHAUÍ, Marilena, “Convite à Filosofia”, Unidade 3 – A Verdade, Cap. 3 – As concepções da verdade. Editora Ática. 5ª ed. São Paulo. 1995.

[2] BATUÍRA (Espírito), Lourdes Catherine (Espírito),[psicografado por] Francisco do Espírito Santo Neto. “Conviver e Melhorar”,  Boa Nova Editora, 1ª ed. Catanduva, SP,1999.

[3] KARDEC, Allan – "O Evangelho Segundo o Espiritismo", Capitulo VI – O Cristo Consolador. FEB

[4] WILBER, Ken. “O Olho do Espírito”, Introdução A Visão Integral. Editora Cultrix., 10ª ed.  São Paulo. 2001.

[5] VIEIRA, Waldo, [psicografia de]. “Seareiros de Volta”, Estados da Consciência. FEB. 4ª ed. Rio, RJ. 1987.

*Vanderlei Luiz Daneluz Miranda*

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