Adilton Pugliese
Identificar as origens da terapia espírita
conhecida como passes é realizar longa viagem aos tempos imemoriais, aos
horizontes primitivos da pré-história, porquanto essa técnica de cura está
presente em toda a história do homem. "Desde essa época remota, o homem e
os animais já conviviam com o acidente e com a doença. Pesquisas destacam que
os dinossauros eram afetados' por tumores na sua estrutura óssea; no homem do
período paleolítico e da era neolítica há evidência de tuberculose da espinha e
de crises epilépticas".
"Herculano Pires diz que o passe nasceu
nas civilizações antigas, como um ritual das crenças primitivas. A agilidade
das mãos sugeria a existência de poderes misteriosos, praticamente comprovados
pelas ações cotidianas da fricção que acalmava a dor. As bênçãos foram as
primeiras manifestações típicas dos passes. O selvagem não teorizava, mas
experimentava, instintivamente, e aprendia a fazer e a desfazer as ações, com o
poder das mãos".
No Antigo Testamento, em II Reis , encontramos a
expectativa de Naamá: "pensava eu que ele sairia a ter comigo, por-se-ia
de pé, invocaria o nome do Senhor seu Deus, moveria a mão sobre o lugar da
lepra, e restauraria o leproso".
Na Caldéia e na Índia, os magos e brâmanes,
respectivamente, curavam pela aplicação do olhar, estimulando a letargia e o
sono. No Egito, no templo da deusa Isis, as multidões aí acorriam, procurando o
alívio dos sofrimentos junto aos sacerdotes, que lhes aplicavam a imposição das
mãos.
Dos egípcios, os gregos aprenderam a arte de
curar. O historiador Heródoto destaca, em suas obras, os santuários que
existiam nessa época para a realização das fricções magnéticas.
Em Roma, a saúde era recuperada através de
operações magnéticas. Galeno, um dos pais da medicina moderna, devia sua
experiência na supressão de certas doenças de seus pacientes à inspiração que
recebia durante o sono. Hipócrates também vivenciou esses momentos
transcendentais, bem como outros nomes famosos, como Avicena, Paracelso...
Baixos relevos descobertos na Caldéia e no
Egito, apresentam sacerdotes e crentes em atitudes que sugerem a prática da
hipnose nos templos antigos, com finalidades certamente terapêuticas.
"Com o passar dos tempos, curandeiros,
bruxas, mágicos, faquires e, até mesmo, reis (Eduardo, O Confessor; Olavo,
Santo Rei da Noruega e vários outros) utilizavam os toques reais".
Depreendemos, a partir desses breves
registros, que a arte de curar através da influência magnética era prática
normal desde os tempos antigos, sobretudo no tempo de Jesus, quando os seus
seguidores exercitavam a técnica da cura fluídica através das mãos. Em o Novo Testamento
vamos encontrar o momento histórico do próprio Mestre em ação: E Jesus,
estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! E imediatamente ele
ficou limpo da lepra. "Os processos energéticos utilizados pelo Grande
Mestre da Galiléia são ainda uma incógnita. O talita kume! ecoando através dos
séculos, causa espanto e admiração. A uma ordem do Mestre, levanta-se a menina
dada como morta, pranteada por parentes e amigos".
Todos esses fatos longínquos pertencem ao
período anterior a Franz Anton Mesmer, nascido a 23.05.1733 em Weil, Áustria.
Educado em colégio religioso, estudou Filosofia, Teologia, Direito e Medicina,
dedicando-se também à Astrologia.
"No século XVIII, Mesmer, após estudar a
cura mineral magnética do astrônomo jesuíta Maximiliano Hell, professor da
Universidade de Viena, bem como os trabalhos de cura magnética de J.J. Gassner,
divulgou uma série de técnicas relativas à utilização do magnetismo humano,
instrumentalizado pela imposição das mãos. Tais estudos levaram-no a elaborar a
sua tese de doutorado - De Planetarium Inflexu, em 1766 - de cujos princípios
jamais se afastou. Mais tarde, assumiram destaque as experiências do Barão de
Reichenbach e do Coronel Alberto de Rochas".
Mesmer admitia a existência de uma força
magnética que se manifestava através da atuação de um "fluido
universalmente distribuído, que se insinuava na substância dos nervos e dava,
ao corpo humano, propriedades análogas ao do imã. Esse fluido, sob controle,
poderia ser usado como finalidade terapêutica".
Grande foi a repercussão da Doutrina de
Mesmer, desde a publicação, em 1779, das suas proposições: A memória sobre a
descoberta do Magnetismo Animal, passando, em seguida, a ser alvo de
hostilidades e, em face das surpreendentes experiências práticas de terapia,
conseguindo curas consideráveis, na época vistas como maravilhosas,
transformar-se em tema de discussões e estudos.
"Em breve, formaram-se dois campos: os
que negavam obstinadamente todos os fatos, e os que, pelo contrário,
admitiam-nos com fé cega, levada, algumas vezes até à exageração".
Enquanto a Faculdade de Medicina de Paris
"proibia qualquer médico declarar-se partidário do Magnetismo Animal, sob
pena de ser excluído do quadro dos doutores da época", um movimento
favorável às idéias de Mesmer levava à formação das Sociedades Magnéticas, sob
a denominação de Sociedades de Harmonia, que tinham por fim o tratamento das
moléstias.
Em França, por toda a parte, curava-se pelo
novo método. "Nunca, diria Du Potet, a medicina ordinária ofereceu ao
público o exemplo de tantas garantias", em face dos relatórios confirmando
as curas, que eram impressos e distribuídos em grande quantidade para
esclarecimento do povo.
Como destacamos, o Magnetismo era tema
principal de observação e estudos, sendo designadas Comissões para estudar a
realidade das técnicas mesmerianas, atraindo a atenção de leigos e sábios. Em 1831, a Academia de
Ciências de Paris, reestudando os fenômenos, reconhece os fluidos magnéticos
como realidade científica. Em 1837, porém, retrata-se da decisão anterior, e
nega a existência dos fluidos.
Deduz-se que essa atitude dos relatores teria
sido provocada pela forma adotada pelos magnetizadores para tornar popular a
novel Doutrina: explorando o que se chamou A Magia do Magnetismo, utilizando
pacientes sonambúlicos, teatralizando a série de fenômenos que ocorriam durante
as sessões, e as encenações ruidosas, que ficaram conhecidas como a Câmara das
Crises ou O Inferno das Convulsões, tendo como destaque central a Tina de
Mesmer - uma grande caixa redonda feita de carvalho, cheia de água, vidro moído
e limalha de ferro, em torno da qual os doentes, em silêncio, davam-se as mãos,
e apoiavam as hastes de ferro, que saiam pela tampa perfurada, sobre a parte do
corpo que causava a dor. Todos eram rodeados por uma corda comprida que partia
do reservatório, formando a corrente magnética.
Todo esse aparato, porém, não era apropriado
para convencer os observadores do efeito eficaz e positivo das imposições e dos
passes.
Ipso facto, as Comissões se inclinaram pela
condenação do Magnetismo, considerando que as virtudes do tratamento ficavam
ocultas, enquanto os processos empregados estimulavam desconfiança e
descrédito.
Os seguidores de Mesmer, entretanto,
continuaram a pesquisar e a experimentar.
"O Marquês de Puységur descobre, à custa
de sugestões tranquilizadoras aos magnetizados; o estado sonambúlico do
hipnotismo; seguem os seus passos Du Potet e Charles Lafontaine".
No sul da Alemanha, o padre Gassner leva os
seus pacientes ao estado cataléptico, usando fórmulas e rituais, admitindo a
influência espiritual.
Em 1841, um médico inglês, o Dr.James Braid,
de Manchester, surpreendeu-se com a singularidade dos resultados produzidos
pelo conhecido magnetizador Lafontaine, assistindo uma de suas sessões
públicas, ao agir sobre os seus pacientes, fixando-lhes os olhos e
segurando-lhes os polegares.
Braid, em seus trabalhos e escritos
científicos, procurou explicar o estado psíquico especial, que era comum nos
fenômenos ditos magnéticos, sonambúlicos e sugestivos. Em seus derradeiros
trabalhos passou a admitir a hipótese de dois fenômenos de efeitos semelhantes:
um hipnótico, normal, devido a causas conhecidas e um magnético, paranormal, a
exemplo da visão a distância e a previsão do futuro.
Outros pesquisadores seguiram-no: Charcot,
Janet, Myers, Ochorowicz, Binet, Alphonse Búe e outros.
Em 1875, Charles Richet, então ainda
estudante, busca provar a autenticidade científica do estado hipnótico, que
segundo ele, mais não era que um estado fisiológico normal, no qual a
inteligência se encontrava, apenas, exaltada".
Antes, porém, em Paris, o Magnetismo também
atrairá a atenção do pedagogo, homem de ciências, Professor Hippolyte Léon
Denizard Rivail. Consoante o Prof. Canuto Abreu, em sua célebre obra O Livro
dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, Rivail integrava o grupo de
pesquisadores formado pelo Barão Du Potet (1796-1881), adepto de Mesmer, editor
do Journal du Magnétisme e dirigente da Sociedade Mesmeriana. À página 139
dessa elucidativa obra, depreende-se que o Prof. Rivail freqüentava, até 1850,
sessões sonambúlicas, onde buscava solução para os casos de enfermidades a ele
confiados, embora se considerasse modesto magnetizador.
Os vínculos, do futuro Codificador da
Doutrina Espírita, com o Magnetismo, ficam evidenciados nas suas anotações intimas
constantes de Obras Póstumas, relatando a sua iniciação no Espiritismo, quando
em 1854 interessa-se pelas informações que lhe são transmitidas pelo
magnetizador Fortier, sobre as mesas girantes, que lhe diz: "parece que já
não são somente as pessoas que se podem magnetizar"..., sentindo-se à
vontade nesse diálogo com o então pedagogista Rivail. São dois magnetizadores,
ou passistas, que se encontram e abordam questões do seu íntimo e imediato
interesse.
Mais tarde, ao escrever a edição de março de
1858 da Revista Espírita, quase um ano após o lançamento de O Livro dos
Espíritos em 18.04.1857, Kardec destacaria: “O Magnetismo preparou o caminho do
Espiritismo (...). Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase às
manifestações espíritas (...) sua conexão é tal que, por assim dizer, é
impossível falar de um sem falar de outro". E conclui, no seu artigo:
"Devíamos aos nossos leitores esta profissão de fé, que terminamos com uma
justa homenagem aos homens de convicção que, enfrentando o ridículo, o sarcasmo
e os dissabores, dedicaram-se corajosamente à defesa de uma causa tão
humanitária
É o depoimento inconteste do valor e da
profunda importância da terapia através dos passes, e, mais tarde, em 1868, ao
escrever a quinta e última obra da Codificação, A Gênese, abordaria ele a
"momentosa questão das curas através da ação fluídica", destacando
que todas as curas desse gênero são variedades do Magnetismo, diferindo apenas
pela potência e rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que
desempenha o papel de agente terapêutico, e o efeito está subordinado à sua
qualidade e circunstâncias especiais.
Os passes têm percorrido um longo caminho
desde as origens da humanidade, como prática terapêutica eficiente, e,
modernamente, estão inseridos no universo das chamadas Terapêuticas Espiritualistas .
Tem sido exitosa, em muitos casos, a sua
aplicação no tratamento das perturbações mentais e de origem patológica.
Praticado, estudado, observado sob variáveis nomenclaturas, a exemplo de
magnoterapia, fluidoterapia, bioenergia, imposição das mãos, tratamento magnético,
transfusão de energia-psi, o passe vem notabilizando a sua qualidade
terapêutica, destacando-se seus desdobramentos em Passe Espiritual
(energias dos Espíritos), Passe Magnético (energias do médium) e Passe
Mediúnico (energias dos Espíritos e do médium), constituindo-se, na atualidade,
em excelente terapia praticada largamente nas Instituições Espíritas.
Amparado por um suporte científico, graças,
sobretudo, às experiências da Kirliangrafia ou efeito Kirlian, de que se têm
ocupado investigadores da área da Parapsicologia, e às novas descobertas da
Física no campo da energia, vem obtendo a aceitação e a prescrição de
profissionais dos quadros da Medicina, sobretudo da psiquiátrica, confirmando a
excelência do Espiritismo, que explica a etiologia das enfermidades mentais e
oferece amplas possibilidades de cura desses distúrbios psíquicos, ampliando a
ação terapêutica da Psicoterapia moderna.
FIM
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