Fé, Esperança e Caridade
Sérgio Biagi Gregório
SUMARIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Fé: 4.1. Fé Cega ou Raciocinada, Divina ou Humana; 4.2. Tópicos sobre a Fé; 4.3. Fé e Incerteza. 5. Esperança: 5.1. Niilismo; 5.2. Desespero e Presunção; 5.3. Paulo e a Esperança. 6. Caridade: 6.1. Noção de Caridade; 6.2. Tópicos acerca da caridade; 6.3. Caridade Teórica versus Caridade Prática. 7. Fé, Esperança e Caridade: 7.1. Por que Juntar Fé, Esperança e Caridade? 7.2. Revisando as Noções de Fé, Esperança e Caridade; 7.3. Fé: Mãe da Esperança e da Caridade. 8. Conclusão. 9. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
Podemos praticar atos de caridade sem sermos caridosos? Que relação há entre fé, esperança e caridade? Qual dos termos tem mais importância? Por que é aconselhável estudá-los conjuntamente? Com essas perguntas, damos início ao nosso trabalho, que se desenvolverá em cima dos tópicos fé, esperança e caridade -, no sentido de unificá-los.
2. CONCEITO
Fé É atitude própria, convicção ou crença que relaciona o homem ao Deus Supremo na expectativa da salvação da alma.
Esperança É, genericamente falando, toda a tendência para com o bem futuro e possível, mas incerto.
Caridade É a virtude que, com a justiça, regula o procedimento moral dos homens para com os outros seres e, especialmente para com os outros homens. Baseia-se na frase: "Fazermos aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito".
3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para uma compreensão mais ampla do tema, convém buscarmos alguns esclarecimentos acerca da virtude, principalmente no que diz respeito às virtudes morais. As virtudes morais são potências racionais que inclinam o homem para o bem, quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente. Há duas ordens de moralidade, a natural e a infusa. Por isso, temos duas espécies de virtudes: adquiridas e infusas. Entre as virtudes adquiridas, distinguem-se principalmente quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Cognominadas de cardeais (de cardo, gonzo), por ser em redor delas que giram todas as outras, tais como a paciência, a tolerância, a brandura etc. Entre as virtudes infusas estão a fé, a esperança e a caridade, cognominadas de teologais, porque não são o produto de uma prática, mas um dom infuso de Deus nos seus filhos.
4. FÉ
4.1. FÉ CEGA OU RACIOCINADA, DIVINA OU HUMANA
A Fé é um sentimento inato no indivíduo. A direção desse sentimento pode ser cego ou raciocinado. A Fé cega, não examinando nada, aceita sem controle o falso como o verdadeiro, e se choca, a cada passo, contra a evidência e a razão; levado ao excesso produz o fanatismo. A Fé raciocinada, a que se apóia sobre os fatos e a lógica, não deixa atrás de si nenhuma obscuridade; crê-se porque se está certo, e não se está certo senão quando se compreendeu; eis porque ela não se dobra; porque não há Fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade (Kardec, 1984, cap. XIX, item 6).
A Fé é humana e divina. É o sentimento inato, no homem, de sua destinação futura, cujo germe foi depositado nele, primeiro em estado latente, o qual deve crescer por sua vontade ativa. Assim, unindo sua força humana à Vontade Divina poderá realizar os "prodígios" e que não é senão o desenvolvimento das faculdades humanas (Kardec, 1984, cap. XIX, item 12).
4.2. TÓPICOS SOBRE A FÉ
Folheando O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontraremos diversos temas relacionados com a fé. Entre eles, encontram-se: "A fé que transporta montanhas", "A tua fé te curou", "O poder da fé", "A fé religiosa", "A fé e a caridade" etc. Para cada um desses tópicos, tanto Allan Kardec como os Espíritos superiores, dão-nos informações valiosas. No caso da montanha, por exemplo, sabemos que não é a montanha física, mas os nossos erros, os nossos defeitos. Na cura pela fé, Allan Kardec faz menção do uso do fluido vital (magnetismo), que se encontra em todos os seres humanos e que, se bem manipulado, pode provocar curas, que muitos chamam de "milagres".
4.3. FÉ E INCERTEZA
A dificuldade maior na questão da fé é esperar algo que é incerto. Temos a intuição de que este é o caminho, mas a demora na obtenção do necessário incrusta-nos o desespero. A intuição afirma que devemos perseverar, contudo a espera é difícil. De qualquer forma, temos de continuar, pois desistir no meio do combate, é ficar sem ponto de apoio e sem perspectiva de um futuro mais promissor.
A fé é o nosso grande sustentáculo. Que seria de nossa incerteza, de nossas tribulações sem esse ponto de apoio para sermos reconfortados? Aquele que tem fé vigorosa aceita de bom grado qualquer extremo, pois, embora esteja no meio da incerteza momentânea, espera que o tempo, o grande arquiteto do universo, possa oferecer as oportunidades para que os seus ideais sejam concretizados.
5. ESPERANÇA
5.1. NIILISMO
Na Filosofia Moderna, as injunções dos pensamentos, a busca pela racionalidade e a supremacia da razão levam os indivíduos a decretar a morte de Deus. É a doutrina do nada além desta miserável vida. Esse sistema mata toda a Esperança. Como esperar algo se nada há o que se esperar? É por isso que Paul Sartre falava da náusea e do desespero, antíteses da esperança.
5.2. DESESPERO E PRESUNÇÃO
Santo Tomás de Aquino classifica o desespero e a presunção como pecado, e por isso, o oposto da esperança. O desespero é a pouca confiança em Deus, o amor próprio, o orgulho pessoal. A presunção é achar-se alguém digno de uma posição religiosa vantajosa, sem de fato o ser. Tanto um quanto o outro é contrário ou opõem-se à esperança. Acrescenta ainda que as causas do desespero são os nossos vícios, os quais nos obnubilam. A presunção, por outro lado, está ligada à vaidade. Por fim, diz que a esperança não é uma atitude passiva, mas cheia de vitalidade e de amor. (Lain Entralgo, 1984)
5.3. PAULO E A ESPERANÇA
Nas Epístolas de Paulo encontramos diversas frases sobre a esperança. Eis algumas delas: "Porque tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança". (Romanos, 15, 4); "Ora o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito Santo". (Romanos, 15, 13); "Tendo por capacete a esperança na salvação". (I Tessalonicenses, 5, 8); "E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa." (Hebreus, 6, 15); Em I Coríntios 13, Paulo discorre sobre a suprema excelência da caridade. Depois de tecer comentários sobre a parte e o todo, ele diz: "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior destas é a caridade." (I Coríntios, 13, 13)
6. CARIDADE
6.1. NOÇÃO DE CARIDADE
A noção de caridade está posta na parábola do bom samaritano. (Lucas cap. 10, 25 a 37)
Nela narra-se que "Um homem, que descia de Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de ladrões que o despojaram, cobriram-no de feridas e se foram, deixando-o semimorto. Aconteceu, em seguida, que um sacerdote descia pelo mesmo caminho e tendo-o percebido passou do outro lado. Um levita, que veio também para o mesmo lugar, tendo-o considerado, passou ainda do outro lado. Mas um Samaritano que viajava, chegando ao lugar onde estava esse homem, e tendo-o visto, foi tocado de compaixão por ele. Aproximou-se, pois, dele, derramou óleo e vinho em suas feridas e as enfaixou; e tendo-o colocado sobre seu cavalo, conduziu-o a uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, tirou duas moedas e as deu ao hospedeiro, dizendo: Tende bastante cuidado com este homem, e tudo o que despenderdes a mais, eu vos restituirei no meu regresso".
A caridade está simbolizada na ação do samaritano que, embora menos esclarecido que os outros, quanto à lei de Deus, concretiza o auxílio.
6.2. TÓPICOS ACERCA DA CARIDADE
No Evangelho segundo o Espiritismo encontramos diversos assuntos sobre a caridade. Eis alguns deles: "Fora da caridade não há salvação", "Necessidade de caridade segundo Paulo", "Caridade moral e caridade material", "Caridade para com os criminosos", "Fazer o bem sem ostentação", "As práticas da caridade" e "O óbolo da viúva". Nessas e em outras passagens encontramos os subsídios necessários para bem praticarmos a caridade. Elas espelham a orientação dos Espíritos superiores, que sempre pugnam pela verdade das coisas, independentemente do ser humano gostar ou não.
6.3. CARIDADE TEÓRICA VERSUS CARIDADE PRÁTICA
O Espírito Irmão X, no capítulo 28 de Contos e Apólogos, narra o caso do conferencista que estava preparando a sua palestra. Os seus escritos exaltavam o amor ao próximo, dando a entender que o caluniador é um teste de paciência, os vitimados pela ofensa estavam recebendo de Jesus o bendito ensejo de auxiliar, a desesperação é chuva de veneno invisível etc. No meio dessa preparação, a velha criada veio trazer-lhe o chocolate que, sem o perceber, deixara cair uma mosca. O conferencista, tão logo toma consciência fato, fica deveras irritado com a serviçal. Depois, um condutor de caminhão arrojara o veículo sobre um dos muros da residência. O dono da casa foi à rua como que atingido por um raio, chamando o motorista de criminoso. O condutor se prontificou a pagar todas as despesas, mas assim mesmo quis chamar a polícia. Enquanto estava ao telefone, algumas crianças entraram no terreno e pisaram os cravos que tinha cuidado no dia anterior. Exasperado, falou para as crianças: vagabundos, larápios, já para a rua. Voltando para a sua escrivaninha, leu o seguinte texto, grafado por ele mesmo: - "Quando Jesus domina o coração, a vida está em paz". Reconheceu quão fácil é ensinar com as palavras e quão difícil é instruir com os exemplos e, envergonhado, passou a refletir... (Xavier, 1974)
7. FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE
7.1. POR QUE JUNTAR FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE?
De acordo com a religião, esses tópicos fazem parte das virtudes teologais. Sendo assim, eles estão relacionados, ou seja, um depende do outro para que o ser humano possa se expressar no mundo. A separação didática é apenas para estudar com mais detalhes um dos tópicos. Mas, na prática, não temos condições de os separar, porque estão unidos pelos laços da razão e do sentimento.
7.2. REVISANDO AS NOÇÕES DE FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE
A fé é o assentimento do intelecto que crê, com constância e certeza em alguma coisa. Isso nos dá confiança de que seremos capazes de realizar alguma ação, seja ela qual for. É o tipo de confiança que tem o médico de que irá terminar a sua operação.
A esperança é a expectação de algo superior e perfeito. A esperança diz respeito à nossa transcendência, à nossa comunhão com o Ser supremo. Por que, mesmo nas situações mais difíceis, há sempre a expectativa de possuir o bem desejado? Alguns mesmos chegam a dizer que "a esperança é a última que morre".
Caridade está mais ligada a uma ação concreta. Ela é presente, é uma prática. Enquanto as duas primeiras dizem respeito ao futuro, esta diz respeito ao presente, à ação. Nesse sentido, podemos diferenciar os atos de caridade da caridade propriamente dita, ou seja, podemos perfeitamente auxiliar o próximo, sem que esse sentimento faça parte de nosso passivo espiritual.
7.3. FÉ: MÃE DA ESPERANÇA E DA CARIDADE
A fé, mãe da esperança e da caridade, é filha do sentimento e da razão. Quer dizer, a fé, ao ser movida pelo livre-arbítrio, tem o suporte do sentimento e da razão, que lhe dão garantia de obter o esperado, desde que aja caritativamente. Nesse sentido, o Espírito Emmanuel diz-nos: "A fé é guardar no coração a certeza iluminada de Deus, com todos os valores da razão tocados pelo perfume do sentimento".
A esperança e a caridade, como vimos, são filhas da fé. Esta deve velar pelas filhas que tem. Para isso, convém construir a base do edifício em fundações sólidas. A nossa fé tem de ser mais forte do que os sofismas e as zombarias dos incrédulos, porque a fé que não afronta o ridículo dos homens não é a verdadeira fé. Além disso, para que a fé seja proveitosa, deve ser ativa, ou seja, não se deve entorpecer.
8. CONCLUSÃO
O relacionamento entre fé, esperança e caridade abre a nossa mente para as profundas reflexões sobre a vida religiosa. Essas três virtudes descortinam horizontes vastíssimos. É aconselhável, contudo, que sejamos humildes e simples de coração a fim de absorver todo o seu conteúdo doutrinal.
9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.
LAIN ENTRALGO, P. La Espera y la Esperanza: Historia y Teoría del Esperar Humano. 2. ed., Alianza Editorial Madrid, 1984.
XAVIER, F. C. Contos e Apólogos, pelo Espírito Irmão X. 3. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1974.
São Paulo, abril de 2000
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