O AVISO OPORTUNO
Não há maior alegria que a de doutrinar os Espíritos perturbados dizia Noé Silva, austero orientador de antiga instituição destinada à caridade , e não existe para mim lição maior que a dos campeões da mentira e da treva, quando desferem gritos de dor, ante a realidade. Com a volúpia do pescador que recolhe o peixe, depois de longa expectativa, exclamava, gritante: Afinal de contas, outro destino não poderiam esperar os sacripantas do mundo, agarrados ao ouro e aos prazeres, senão os padecimentos atrozes da incompreensão, além da morte. Sorrindo, triunfante, rematava: E, acima de tudo, devem agradecer a Deus a possibilidade de encontrarem a minha palavra sincera e clara. Tenho bastante paciência para aturá-los e conduzi-los para a luz.
Era assim o rígido mentor das sessões. Alma franca e rude, demasiadamente convencido quanto aos próprios méritos. Mas, na vida comum, Noé Silva transformava a lealdade em vestimenta agressiva. Junto dele, respirava-se uma atmosfera pesada, como se estivesse repleta de espinhos invisíveis. Analfabeto da gentileza, atirava os pensamentos que lhe vinham à cabeça qual se houvera recebido do Céu a triste missão de salientar os defeitos do próximo. A palavra dele era uma chuva de seixos. Se um companheiro demorava-se para a reunião, clamava, colérico: Que estará fazendo esse hipócrita retardatário? Se um médium não conseguia recursos para interpretar, com segurança, as tarefas que lhe cabiam nos trabalhos de assistência, indagava, irritadiço: Que faltas terá cometido esse infeliz? Se o condutor do ônibus parecia vacilar em certos momentos, bradava, impulsivo: Desgraçado, cumpra o seu dever! Se o rapaz de serviço, no café, cometia qualquer leve deslize, protestava, exigente: Moço, veja lá onde tem a cabeça!... O senhor permanece aqui para servir...
Se alguém lhe trazia alguma confidência dolorosa, buscando entendimento e consolo, repetia, severo: Meu irmão, quem planta, colhe. Você não estaria sofrendo se não houvesse praticado o mal. Na via pública, não hesitava. Se algum transeunte lhe impedia o passo rápido, dava serviço aos cotovelos e em seus trabalhos profissional era sobejamente conhecido pelas frases fortes com que despejava a sua vocação de fazer inimigos. Se um irmão de ideal lhe exprobrava o procedimento, respondia, célere: Se essa gente não puder entender-me as boas intenções, esperá-la-ei nas minhas preces. Depois da morte, todas as pessoas compreendem a verdade... O tempo rolava, infatigável, quando, no vigésimo aniversário do agrupamento que dirigia, um dos orientadores desencarnados se manifesta, em sinal de regozijo, felicitando a todos. Um carinho aqui, um abraço ali, o amigo espiritual confortava os presentes, mas, em se despedindo sem dizer palavra ao mentor da casa, Noé, desapontado, perguntou, ansiosamente: E para mim, meu irmão, não há qualquer mensagem? O visitante sorriu e falou, bem humorado: Tenho sim, tenho um recado para o seu coração. Não espere a morte para extinguir os desafetos. Cultive a plantação da simpatia, desde hoje. A nossa fé representa a Doutrina do Amor e a cordialidade é o princípio dela. Não se esqueça do verbo silencioso do bom exemplo, das lições de renúncia e dos ensinamentos vivos com adequadas demonstrações. Se você estima o Espiritismo prático, não olvide o Espiritismo praticado. Você está sempre disposto a doutrinar os ignorantes e os infelizes do Espaço, mas está superlotando o seu espaço mental com adversários que esperam gostosamente o tempo de doutriná-lo. Um carinho aqui, um abraço ali, o amigo espiritual confortava os presentes, mas, em se despedindo sem dizer palavra ao mentor da E num gesto de carinhosa fraternidade, rematou em seguida a pequena pausa: Noé, esvazie o cálice de fel, desde agora; diminua a reprovação e reduza a extensão do espinheiral... O nosso problema, meu caro, é o de não encher... A sessão foi encerrada. E enquanto os companheiros permutavam expressões de Júbilo, o arrojado doutrinador, com a cabeça mergulhada nas mãos, permaneceu sozinho, sentado á mesa, pensando, pensando...
Pelo Espírito Irmão X - Do livro: Contos e Apólogos, Médium: Francisco Cândido Xavier.
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