quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

SEDE PERFEITOS Características da perfeição

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO

CAPÍTULO
17

O homem de bem • Os bons espíritas • Parábola do semeador
Instruções dos Espíritos: O dever • A virtude Os superiores e os inferiores • O homem no mundo Cuidar do corpo e do Espírito
CARACTERÍSTICAS DA PERFEIÇÃO
1. Amai aos vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos odeiam eorai por aqueles que vos perseguem e vos caluniam; pois, se amais apenas àqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também não fazem isso? E se apenas saudardes vossos irmãos, o que fazeis mais que os outros? Os pagãos não fazem o mesmo? Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito. (Mateus, 5:44, 46 a 48)
2 Deus possui a perfeição infinita em todas as coisas; assim, este ensinamento moral: Sede perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito, tomado ao pé da letra, dá a entender a possibilidade de se atingir a perfeição absoluta. Se fosse dado à criatura ser tão perfeita quanto o Criador, ela O igualaria, o que é inadmissível. Mas os homens aos quais Jesus se dirigia não teriam compreendido essa questão; por isso, Ele se limitou a apresentar-lhes um modelo e dizer que se esforçassem para atingi-lo.
É preciso entender por estas palavras a perfeição relativa que a Humanidade é capaz de compreender e que mais a aproxima da Divindade.
Em que consiste essa perfeição? Jesus o diz: Amar aos inimigos, fazer o bem àqueles que nos odeiam, orar por aqueles que nos perseguem.
Ele mostra que a essência da perfeição é a caridade em sua mais ampla significação, porque define a prática de todas as outras virtudes.
De fato, se observarmos as conseqüências de todos os vícios e até mesmo dos pequenos defeitos, reconheceremos que não há nenhum que não altere de alguma forma, um pouco mais, um pouco menos, o sentimento da caridade, porque todos têm o seu princípio no egoísmo e no orgulho, que são sua negação; visto que o que estimula exageradamente o sentimento da personalidade destrói, ou pelo menos enfraquece, os princípios da verdadeira caridade, que são: a benevolência, a indulgência, a abnegação e o devotamento. O amor ao próximo, levado até o amar aos inimigos, não podendo se aliar a nenhum defeito contrário à caridade, é, por isso mesmo, sempre o indício de uma maior ou menor superioridade moral; de onde resulta que o grau de perfeição se dá em razão da extensão desse amor. Eis porque Jesus, após ter dado a seus discípulos as regras da caridade, no que ela tem de mais sublime, disse: Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito.
O HOMEM DE BEM
3 O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Questiona sua consciência sobre seus próprios atos, perguntará se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se negligenciou voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém tem queixa dele, enfim, se fez aos outros tudo o que gostaria que lhe fizessem.
Tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria divina. Sabe que nada acontece sem a sua permissão e submete-se, em todas as coisas, à sua vontade.
Tem fé no futuro; por isso coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.
Sabe que todas as alternativas da vida, todas as dores, todas as decepções são provas ou expiações, e as aceita sem lamentações.
O homem de bem que tem o sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperar retorno, retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sempre sacrifica seus interesses à justiça.
Encontra satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, nas alegrias que proporciona aos seus semelhantes, nas lágrimas que seca, nas consolações que leva aos aflitos. Seu primeiro impulso é o de pensar nos outros antes de si, acudir aos interesses dos outros antes de procurar os seus. O egoísta, ao contrário, calcula os ganhos e as perdas de toda ação generosa.
É bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças nem de crenças, pois vê irmãos em todos os homens.
Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não amaldiçoa quem não pensa como ele.
Em todos os momentos, a caridade é o seu guia; tendo como certo que aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que agride os sentimentos de alguém com seu orgulho e seu desdém, que não recua perante a idéia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando poderia evitá-la, falta ao dever do amor ao próximo e não merece a clemência do Senhor.
Não tem nem ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas e apenas se recorda dos benefícios, pois sabe que será perdoado conforme perdoou.
É indulgente para com as fraquezas dos outros, porque sabe que ele mesmo precisa de indulgência, e se recorda das palavras do Cristo:
Que aquele que estiver sem pecado lhe atire a primeira pedra.
Não se satisfaz em procurar defeitos nos outros, nem colocá-los em evidência. Se a necessidade o obriga a fazer isso, procura sempre o bem que possa atenuar o mal.
Estuda suas próprias imperfeições e trabalha sem cessar para combatê-las. Emprega todos os seus esforços para poder dizer no dia seguinte que há nele algo de melhor do que no dia anterior.
Não se exalta a si mesmo nem seus talentos à custa de outrem, ao contrário, aproveita todas as ocasiões para ressaltar as qualidades dos outros.
Não se envaidece de sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais, pois sabe que tudo o que lhe foi dado pode ser retirado.
Usa, sem exagero, dos bens que lhe são concedidos, pois sabe que se trata de um depósito do qual deverá prestar contas, e que o emprego, que resultaria mais prejudicial para si mesmo, seria o de fazê-los servir à satisfação de suas paixões.
Se, na ordem social, alguns homens estão sob seu mando, dependem dele, trata-os com bondade e benevolência, pois são seus semelhantes perante Deus; usa da sua autoridade para erguer-lhes o moral, e não para esmagá-los com seu orgulho; evita tudo o que poderia dificultar-lhes a posição subalterna.
O subordinado, por sua vez, compreende os deveres de sua posição e se empenha em cumpri-los conscientemente. (Veja Cap. 17:9.)
Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que as leis da Natureza dão aos seus semelhantes, como gosta que os seus sejam respeitados.
Esta não é a relação completa de todas as qualidades que distinguem o homem de bem, mas quem quer que se esforce para possuí-las está no caminho que conduz a todas as outras.
OS BONS ESPÍRITAS
4 O Espiritismo bem compreendido e bem sentido leva o homem naturalmente às qualidades mencionadas, que caracterizam o verdadeiro espírita, o verdadeiro cristão, pois um e outro são a mesma coisa.
O Espiritismo não estabelece nenhuma nova ordem moral, mas facilita aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, dando a fé inabalável e esclarecida àqueles que duvidam ou vacilam.
Muitos daqueles que acreditam nos fatos das manifestações espíritas não compreendem nem suas conseqüências, nem seu alcance moral, ou, se os compreendem, não os aplicam a si mesmos. Por que isso acontece? Será falta de clareza da Doutrina? Não. A Doutrina
* N. E. - Alegorias e figuras: linguagem ou pensamento figurado, simbólico, fantasias, conjunto de figuras, de metáforas.
Espírita não contém nem alegorias*, nem figuras* que possam dar lugar a falsas interpretações. A clareza é sua própria essência, e é de onde vem a sua força, pois vai diretamente à inteligência. Ela não tem nada de misteriosa, e seus seguidores não estão de posse de nenhum segredo oculto ao povo.
É preciso, então, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não. Há homens de uma reconhecida capacidade que não a compreendem, enquanto inteligências simples, até mesmo jovens, mal saídos da adolescência, apreendem-na com uma admirável exatidão, nos seus mais delicados detalhes. Isso acontece porque a parte por assim dizer material da Ciência não requer mais do que olhos para ser observada. Enquanto a parte essencial do Espiritismo exige um certo grau de sensibilidade, que independe da idade ou do grau de instrução da criatura, ao qual podemos chamar de maturidade do senso moral, essa maturidade lhe é própria porque, de certa forma, corresponde ao grau de desenvolvimento que o Espírito encarnado já possui.
Os laços da matéria, em alguns, estão ainda muito fortes para permitir ao Espírito libertar-se das coisas da Terra; o nevoeiro que o envolve impede-lhe a visão do infinito. Eis porque ele não rompe facilmente nem com seus gostos, nem com seus hábitos, não percebendo que possa haver qualquer coisa de melhor do que aquilo que possui. A crença nos Espíritos é, para eles, um simples fato, que modifica muito pouco, ou quase nada, suas tendências instintivas.
Numa palavra: vêem apenas um raio de luz, insuficiente para orientá-los e lhes dar uma vontade determinada, capaz de vencer suas tendências. Eles prendem-se mais aos fenômenos do que à moral, que lhes parece banal e monótona; pedem aos Espíritos para ter acesso de imediato aos novos mistérios, sem perguntar a si mesmos se são dignos para penetrar nas vontades e mistérios do Criador. São espíritas imperfeitos, alguns deles estacionam no caminho ou se distanciam de seus irmãos em crença, pois recuam diante da obrigação de se reformarem, ou então reservam suas simpatias para aqueles que compartilham das suas fraquezas e prevenções. Entretanto, a aceitação dos princípios da Doutrina Espírita é um primeiro passo que lhes permitirá um segundo mais fácil numa outra existência.
Aquele que pode, com razão, ser qualificado como verdadeiro e sincero espírita está num grau superior de adiantamento moral; o Espírito, já dominando mais completamente a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da Doutrina Espírita fazem nele vibrar os sentimentos, que permanecem adormecidos nos outros; em uma palavra, foi tocado no coração e a sua fé é inabalável. Um é como o músico que se comove com os acordes, enquanto o outro ouve apenas sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que faz para dominar suas más tendências; enquanto um se satisfaz em seu horizonte limitado, o outro, que compreende um pouco mais, esforça-se para se libertar dele e sempre o consegue, quando tem uma vontade firme.
PARÁBOLA DO SEMEADOR
5. Nesse mesmo dia, Jesus, ao sair de casa, sentou-se à beira do mar; reuniu-se ao seu redor uma grande multidão de pessoas; foi por isso que subiu numa barca e todo o povo ficou em pé na margem; e Ele lhes disse, então, muitas coisas em parábolas:
Saiu aquele que semeia a semear; e enquanto semeava, caiu ao longo do caminho um pouco de semente, e os pássaros do céu vieram e comeram-na.
Uma outra quantidade caiu nas pedras, onde não havia muita terra; e logo germinou, pois a terra onde estava não era muito profunda. Mas queimou-se com o sol, pois tinha acabado de nascer; e, como não tinha raízes, secou.
Outra igualmente caiu nos espinhos, e os espinhos cresceram e afogaram-na. Uma outra, enfim, caiu na boa terra que dava frutos, havendo grãos que rendiam cem por um, outros sessenta e outros trinta.
Que ouça aquele que tem ouvidos para ouvir. (Mateus, 13:1 a 9)
Escutai, pois, vós outros, a parábola do semeador.
Todo aquele que ouve a palavra do reino e não presta a menor atenção,surge o Espírito mau e arrebata o que se havia semeado em seu coração; este é aquele que recebeu a semente ao longo da estrada.
Aquele que recebeu a semente junto às pedras, é o que ouve a palavra e que a recebe na mesma hora com alegria; mas não tem raiz e sem si, e isso dura pouco tempo; e quando lhe sobrevêm tribulações e perseguições por causa da palavra, logo se escandaliza.
Aquele que recebeu a semente entre os espinhos, é o que ouve apalavra; mas, em seguida, as solicitudes deste século e a ilusão das riquezas sufocam nele essa palavra e a tornam infrutífera.
Mas aquele que recebeu a semente em uma boa terra, é aquele que ouve a palavra, que lhe dá atenção e ela frutifica, e rende cem ou sessenta, ou trinta por um. (Mateus, 13:18 a 23)
* N. E. - Aguilhão: estimulante, incitador, provocador.
6 A parábola do semeador representa perfeitamente as várias faces que existem na maneira de se pôr em prática os ensinamentos do Evangelho. Quantas pessoas há, de fato, para as quais os ensinamentos não passam de letra morta e, semelhantes às sementes caídas sobre as pedras, nada produzem, nada frutificam!
A parábola encontra aplicação igualmente justa nas diferentes categorias de espíritas. Não é o símbolo daqueles que apenas se apegam aos fenômenos materiais, e deles não tiram nenhuma conseqüência?
Que apenas os vêem como objeto de curiosidade? Não simboliza os que procuram o lado brilhante nas comunicações dos Espíritos, interessando-se somente enquanto lhes satisfazem a imaginação, mas que, após ouvi-las, continuam frios e indiferentes como antes? Daqueles que acham os conselhos muito bons e os admiram, aplicados a outrem e não a si mesmos? E, finalmente, daqueles para quem os ensinamentos são como a semente que caiu em terra boa e produz frutos?
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS
O DEVER
Lázaro - Paris, 1863
7 O dever é a obrigação moral, primeiro para consigo mesmo e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida: encontra-se desde os menores detalhes, assim como nos mais elevados atos. Refiro-me apenas ao dever moral e não ao dever que as profissões impõem.
Na ordem dos sentimentos o dever é muito difícil de ser cumprido, pois se encontra em antagonismo com as seduções do interesse e do coração. Suas vitórias não têm testemunhos e suas derrotas não estão sujeitas à repressão. O dever íntimo do homem é governado pelo seu livre-arbítrio•, este aguilhão* da consciência, guardião da integridade interior, o adverte e o sustenta, mas permanece, muitas vezes, impotente perante os enganos da paixão. O dever do coração, fielmente observado, eleva o homem, mas, como este dever pode ser determinado? Onde ele começa? Onde termina? O dever começa precisamente no ponto onde ameaçais a felicidade ou a tranqüilidade de vosso próximo, e termina no limite em que não desejaríeis vê-lo transposto em relação a vós mesmos.
Deus criou todos os homens iguais perante a dor; pequenos ou grandes, incultos ou esclarecidos, sofrem todos pelas mesmas causas, a fim de que cada um avalie com sensatez o mal que pôde fazer. O critério para o bem, infinitamente mais variado em suas expressões, não é o mesmo. A igualdade perante a dor é uma sublime providência de Deus, que quer que seus filhos, instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando a ignorância de seus efeitos.
O dever reflete, na prática, todas as virtude morais; é uma fortaleza da alma que enfrenta as angústias da luta; é severo e dócil; pronto para dobrar-se às diversas complicações, mas permanece inflexível perante suas tentações. O homem que cumpre seu dever ama mais a Deus do que às criaturas, e às criaturas mais do que a si mesmo. É, ao mesmo tempo, juiz e escravo em sua própria causa.
O dever é o mais belo laurel* da razão; provém dela, como um filho nasce de sua mãe. O homem deve amar o dever, não porque o preserve dos males da vida, aos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas sim por dar à alma o vigor necessário ao seu desenvolvimento.
O dever cresce e se irradia, sob forma mais elevada, em cada uma das etapas superiores da Humanidade; a obrigação moral da criatura para com Deus nunca cessa; ela deve refletir as virtudes do Eterno, que não aceita um esboço imperfeito, pois quer que a beleza de sua obra resplandeça perante Ele.
A VIRTUDE
François, Nicolas, Madeleine, Cardeal Morlot - Paris, 1863
8 A virtude, no seu mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso, laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades do homem virtuoso. Infelizmente são acompanhadas quase sempre de pequenas falhas morais que as desmerecem e as enfraquecem. Aquele que faz alarde de sua virtude não é virtuoso, pois lhe falta a principal qualidade: a modéstia. E tem o vício mais oposto: o orgulho. A virtude realmente digna desse nome não gosta de se exibir; ela é sentida, mas se esconde no anonimato e foge da admiração das multidões. São Vicente de Paulo era virtuoso; o digno Cura de Ars era virtuoso, e muitos outros não muito conhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que eram virtuosos; deixavam-se ir pela corrente de suas santas inspirações e praticavam o bem com total desinteresse e completo esquecimento de si mesmos.
À virtude, assim compreendida e praticada, é que eu vos convido, meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita que eu vos convido a consagrar-vos. Afastai de vossos corações o sentimento do orgulho, da vaidade, do amor-próprio, que sempre desvalorizam as mais belas qualidades. Não imiteis o homem que se coloca como um modelo e se gaba de suas próprias qualidades para todos os ouvidos tolerantes. Essa virtude com ostentação esconde, muitas vezes, uma multidão de pequenas mesquinharias e odiosas fraquezas.
* N. E. - Laurel: prêmio, distintivo, galardão.
Em princípio, o homem que exalta a si mesmo, que ergue uma estátua à sua própria virtude, aniquila, por essa única razão, todo mérito efetivo que possa ter. Mas o que direi daquele que dá valor em parecer aquilo que não é? Compreendo muito bem que o homem que faz o bem sinta no fundo do coração uma satisfação íntima, mas, uma vez que essa satisfação se exteriorize para provocar elogios, degenera em amor-próprio.
Vós todos, a quem a fé espírita reanimou com seus raios, e que sabeis o quanto o homem está longe da perfeição, não façais nunca uma tolice dessas. A virtude é uma graça que eu desejo a todos os espíritas sinceros, mas advirto: Mais vale poucas virtudes com modéstia do que muitas com orgulho. Foi pelo orgulho que as humanidades se perderam sucessivamente, e será pela humildade que deverão um dia redimir-se.
OS SUPERIORES E OS INFERIORES
François, Nicolas, Madeleine, Cardeal Morlot - Paris, 1863
9 A autoridade, assim como a riqueza, é uma delegação da qual terá que prestar contas aquele que dela estiver investido. Não acrediteis que ela seja dada para satisfazer o vão prazer de mandar, nem tampouco, conforme acredita falsamente a maior parte dos poderosos da Terra, como um direito ou uma propriedade.
Deus tem lhes provado constantemente que não é nem uma coisa nem outra, pois as retira deles quando quer. Se fosse um privilégio ligado à pessoa, seria intransferível. Ninguém pode dizer que uma coisa lhe pertence, quando ela pode lhe ser tirada sem o seu consentimento.
Deus concede a autoridade a título de missão ou de prova, quando quer, e a retira do mesmo modo.
Todo aquele que é depositário da autoridade, seja qual for em grau de importância, desde um senhor para com seu servidor até o soberano para com seu povo, não deve esquecer-se de que é um encarregado de almas e responderá pela boa ou a má orientação que der a seus subordinados. Vai arcar com as culpas das faltas que estes poderão cometer, dos vícios aos quais serão arrastados em conseqüência dessa orientação ou dos maus exemplos recebidos; mas, também, colherá os frutos do seu esforço por conduzi-los ao bem. Todo homem tem, na Terra, uma missão pequena ou grande; seja qual for, sempre lhe é dada para o bem; desviá-la do seu verdadeiro sentido é fracassar no seu cumprimento.
Se Deus pergunta ao rico: Que fizeste da riqueza que deveria ser nas tuas mãos uma fonte espalhando fecundidade ao seu redor?
Também perguntará àquele que dispõe de alguma autoridade: Que uso fizeste dessa autoridade? Que mal impediste? Que progresso promoveste? Se te dei subordinados, não foi para fazer deles escravos de tua vontade, nem instrumentos dóceis dos teus caprichos ou de tua ambição; te fiz forte e te confiei os fracos para que, amparando-os, os ajudasses a subir até mim.
Aquele que, investido de autoridade, segue as palavras do Cristo não despreza nenhum dos que estão abaixo dele, porque sabe que as diferenças sociais não existem perante Deus. O Espiritismo lhe ensina que, se hoje eles lhe obedecem, já puderam tê-lo comandado, ou poderão vir a comandá-lo mais tarde e, então, será tratado como os tratou.
Se o superior tem deveres a cumprir, o subordinado também os tem por sua vez e não menos sagrados. Se este último é espírita, sua consciência lhe dirá, melhor ainda, que não está dispensado de os cumprir, mesmo que seu chefe não cumpra os que lhe competem, pois sabe que não se deve pagar o mal com o mal, e que as faltas de um não justificam as faltas de outros. Se sofre na sua condição de subalterno, sabe que é merecido, porque ele mesmo pode já ter também abusado da autoridade que tinha, e agora deve sentir, por sua vez, os inconvenientes daquilo que fez os outros sofrerem. Se é obrigado a suportar essa situação, na falta de encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignar-se a isso, como uma prova para sua humildade, necessária a seu adiantamento. Sua crença o guia na sua conduta; ele age como gostaria que seus subordinados agissem para com ele, se fosse o chefe.
Por isso mesmo, é mais cuidadoso no cumprimento de suas obrigações, pois compreende que toda negligência no trabalho que lhe é confiado é um prejuízo para aquele que o remunera, a quem deve seu tempo e seus esforços. Em resumo, é guiado pelo sentimento do dever, que lhe advém de sua fé, e a certeza de que todo desvio do caminho correto é uma dívida que deverá pagar cedo ou tarde.
O HOMEM NO MUNDO
Um Espírito Protetor - Bordeaux, 1863
10 Um sentimento de piedade deve sempre orientar o coração daqueles que se reúnem sob os olhos do Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purificai, vossos corações; não vos deixeis perturbar por nenhum pensamento fútil ou de prazeres materiais; elevai vosso Espírito em direção àqueles que vós chamais, a fim de que, encontrando em vós as necessárias condições, possam lançar em quantidade a semente que deve germinar em vossos corações, e nele produzir os frutos da caridade e da justiça. Não acrediteis, contudo, que, incentivando vossa dedicação à prece e à evocação mental, desejamos vos levar a viver uma vida mística, que vos coloque fora das leis da sociedade, onde estais obrigados a viver. Não; vivei com os homens de vossa época, como devem viver os homens. Mas se renunciardes às necessidades, ou mesmo às banalidades do dia-a-dia, fazei-o com um sentimento de pureza que possa santificá-las.
Se sois obrigados a estar em contato com homens cujos espíritos são de natureza diferente da vossa e de caracteres opostos, não deveis afrontá-los; não os contrarieis. Sede alegres, felizes, mas com a alegria que provém da consciência limpa da felicidade de um herdeiro do Céu que conta os dias que o aproximam de sua herança.
A virtude não consiste em assumir um aspecto severo e sombrio, em rejeitar os prazeres que a vossa condição humana permite; basta reger todos os vossos atos pela lei do Criador, que vos deu a vida.
Quando se começa ou termina uma obra, deveis elevar o pensamento a Ele e pedir-Lhe, num impulso da alma, a proteção para nela ter êxito ou sua bênção para a obra acabada. O que quer que façais, ligai vosso pensamento à fonte suprema de todas as coisas e não façais nada sem que a lembrança de Deus purifique e santifique vossos atos.
A perfeição encontra-se inteiramente, como disse o Cristo, na prática da caridade sem limites, porém, os deveres da caridade se estendem a todas as posições sociais, desde a mais elevada à mais simples. O homem, se vivesse só, não teria como exercitar a caridade, e, somente no contato com seus semelhantes, nas lutas mais difíceis é que ele encontra a ocasião de exercê-la. Aquele que se isola, priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de aperfeiçoar-se e, pensando apenas nele, sua vida é a de um egoísta. (Veja nesta obra Cap. 5:26.)
Não imagineis que, para viver em comunicação constante conosco, para viver sob a observação do Senhor, seja preciso entregar-se ao martírio e cobrir-se de cinzas. Não; mais uma vez não! Sede felizes, de acordo com as necessidades humanas, mas que na vossa felicidade nunca entre um pensamento ou um ato que possa ofender a Deus, ou entristecer a face daqueles que vos amam e vos dirigem.
Deus é amor e abençoa aqueles que amam com pureza.
CUIDAR DO CORPO E DO ESPÍRITO
Georges, Espírito Protetor - Paris, 1863
11 Será que a perfeição moral consiste na martirização do corpo?
Para resolver essa questão apóio-me nos princípios elementares e começo por demonstrar a necessidade de cuidar do corpo que, conforme esteja sadio ou doente, influi de uma maneira muito importante sobre a alma, que é considerada prisioneira da carne. Para que ela vibre, se movimente e até mesmo conceba as ilusões de liberdade, o corpo deve estar são, disposto e vigoroso. Estabeleçamos uma situação: eis que ambos se encontram em perfeito estado; o que devem fazer para manter o equilíbrio entre suas aptidões e suas necessidades tão diferentes? Dessa confrontação torna-se inevitável buscar seu ajuste equilibrado entre ambos, sendo que o segredo está em achar esse equilíbrio.
Aqui, dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que querem aniquilar o corpo, e o dos materialistas, que negam a alma. Dois sistemas igualmente constrangedores, tão insensatos, tanto um quanto o outro. Ao lado destas grandes correntes de pensamento, há um grande número de indiferentes que, sem convicção e sem afeições, amam com frieza e não sabem se divertir. Onde, pois, está a sabedoria? E a ciência de viver? Em nenhum lugar. Este problema ficaria inteiramente sem ser resolvido se o Espiritismo não viesse em ajuda dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma, comprovando que são necessários um ao outro e é preciso cuidar de ambos. Amai, pois, vossa alma, mas cuidai também do corpo, instrumento da alma. Desconhecer as necessidades que a própria Natureza indica é desconhecer a Lei de Deus. Não castigueis vosso corpo pelas faltas que o vosso livre-arbítrio o induziu a cometer, e das quais é tão responsável quanto um cavalo mal guiado o é pelos acidentes que causa. Sereis, por acaso, mais perfeitos se, ao martirizar o vosso corpo, continuardes egoístas, orgulhosos e sem caridade para com o vosso próximo? Não, a perfeição não está nisso.
Ela se encontra nas reformas a que submeterdes o vosso Espírito: dobrai-o, subjugai-o, humilhai-o, dominai-o, este é o meio de torná-lo dócil à vontade de Deus e o único que conduz à perfeição*.
* N. E. - Esta mensagem foi transcrita e traduzida do original da primeira edição de Imitation de L'Évangile Selon le Spiritisme, por nele estar completa.


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