O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
CAPÍTULO
17
O homem de bem • Os bons espíritas • Parábola do semeador
Instruções dos Espíritos: O dever • A virtude Os superiores e os inferiores • O homem no
mundo Cuidar do corpo e do Espírito
CARACTERÍSTICAS
DA PERFEIÇÃO
1. Amai aos vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos
odeiam eorai por aqueles que vos perseguem e vos caluniam; pois, se amais apenas
àqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também não fazem
isso? E se apenas saudardes vossos irmãos, o que fazeis mais que os outros? Os
pagãos não fazem o mesmo? Sede, pois, perfeitos, como vosso Pai Celestial é
perfeito. (Mateus, 5:44, 46 a 48)
2 Deus possui a
perfeição infinita em todas as coisas; assim, este ensinamento moral: Sede
perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito, tomado ao pé da letra, dá a
entender a possibilidade de se atingir a perfeição absoluta. Se fosse dado à
criatura ser tão perfeita quanto o Criador, ela O igualaria, o que é inadmissível.
Mas os homens aos quais Jesus se dirigia não teriam compreendido essa questão;
por isso, Ele se limitou a apresentar-lhes um modelo e dizer que se esforçassem
para atingi-lo.
É preciso entender por estas palavras a perfeição relativa
que a Humanidade é capaz de compreender e que mais a aproxima da Divindade.
Em que consiste essa perfeição? Jesus o diz: Amar aos
inimigos, fazer o bem àqueles que nos odeiam, orar por aqueles que nos
perseguem.
Ele mostra que a essência da perfeição é a caridade em sua
mais ampla significação, porque define a prática de todas as outras virtudes.
De fato, se observarmos as conseqüências de todos os vícios
e até mesmo dos pequenos defeitos, reconheceremos que não há nenhum que não
altere de alguma forma, um pouco mais, um pouco menos, o sentimento da
caridade, porque todos têm o seu princípio no egoísmo e no orgulho, que são sua
negação; visto que o que estimula exageradamente o sentimento da personalidade
destrói, ou pelo menos enfraquece, os princípios da verdadeira caridade, que
são: a benevolência, a indulgência, a abnegação e o devotamento. O amor ao
próximo, levado até o amar aos inimigos, não podendo se aliar a nenhum defeito contrário
à caridade, é, por isso mesmo, sempre o indício de uma maior ou menor
superioridade moral; de onde resulta que o grau de perfeição se dá em razão da
extensão desse amor. Eis porque Jesus, após ter dado a seus discípulos as
regras da caridade, no que ela tem de mais sublime, disse: Sede, pois,
perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito.
O HOMEM DE
BEM
3 O verdadeiro
homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e de caridade, na
sua maior pureza. Questiona sua consciência sobre seus próprios atos,
perguntará se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que
podia, se negligenciou voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém
tem queixa dele, enfim, se fez aos outros tudo o que gostaria que lhe fizessem.
Tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria
divina. Sabe que nada acontece sem a sua permissão e submete-se, em todas as
coisas, à sua vontade.
Tem fé no futuro; por isso coloca os bens espirituais acima
dos bens temporais.
Sabe que todas as alternativas da vida, todas as dores,
todas as decepções são provas ou expiações, e as aceita sem lamentações.
O homem de bem que tem o sentimento de caridade e de amor ao
próximo faz o bem pelo bem, sem esperar retorno, retribui o mal com o bem, toma
a defesa do fraco contra o forte e sempre sacrifica seus interesses à justiça.
Encontra satisfação nos benefícios que distribui, nos
serviços que presta, nas alegrias que proporciona aos seus semelhantes, nas lágrimas
que seca, nas consolações que leva aos aflitos. Seu primeiro impulso é o de
pensar nos outros antes de si, acudir aos interesses dos outros antes de
procurar os seus. O egoísta, ao contrário, calcula os ganhos e as perdas de
toda ação generosa.
É bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de
raças nem de crenças, pois vê irmãos em todos os homens.
Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não amaldiçoa
quem não pensa como ele.
Em todos os momentos, a caridade é o seu guia; tendo como certo
que aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que agride os
sentimentos de alguém com seu orgulho e seu desdém, que não recua perante a
idéia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando
poderia evitá-la, falta ao dever do amor ao próximo e não merece a clemência do
Senhor.
Não tem nem ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; a exemplo
de Jesus, perdoa e esquece as ofensas e apenas se recorda dos benefícios, pois
sabe que será perdoado conforme perdoou.
É indulgente para com as fraquezas dos outros, porque sabe
que ele mesmo precisa de indulgência, e se recorda das palavras do Cristo:
Que aquele que estiver sem pecado lhe atire a primeira pedra.
Não se satisfaz em procurar defeitos nos outros, nem
colocá-los em evidência. Se a necessidade o obriga a fazer isso, procura sempre
o bem que possa atenuar o mal.
Estuda suas próprias imperfeições e trabalha sem cessar para
combatê-las. Emprega todos os seus esforços para poder dizer no dia seguinte
que há nele algo de melhor do que no dia anterior.
Não se exalta a si mesmo nem seus talentos à custa de
outrem, ao contrário, aproveita todas as ocasiões para ressaltar as qualidades dos
outros.
Não se envaidece de sua riqueza, nem de suas vantagens
pessoais, pois sabe que tudo o que lhe foi dado pode ser retirado.
Usa, sem exagero, dos bens que lhe são concedidos, pois sabe
que se trata de um depósito do qual deverá prestar contas, e que o emprego, que
resultaria mais prejudicial para si mesmo, seria o de fazê-los servir à
satisfação de suas paixões.
Se, na ordem social, alguns homens estão sob seu mando,
dependem dele, trata-os com bondade e benevolência, pois são seus semelhantes
perante Deus; usa da sua autoridade para erguer-lhes o moral, e não para
esmagá-los com seu orgulho; evita tudo o que poderia dificultar-lhes a posição
subalterna.
O subordinado, por sua vez, compreende os deveres de sua
posição e se empenha em cumpri-los conscientemente. (Veja Cap. 17:9.)
Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que as
leis da Natureza dão aos seus semelhantes, como gosta que os seus sejam
respeitados.
Esta não é a relação completa de todas as qualidades que
distinguem o homem de bem, mas quem quer que se esforce para possuí-las está no
caminho que conduz a todas as outras.
OS BONS
ESPÍRITAS
4 O Espiritismo
bem compreendido e bem sentido leva o homem naturalmente às qualidades
mencionadas, que caracterizam o verdadeiro espírita, o verdadeiro cristão, pois
um e outro são a mesma coisa.
O Espiritismo não estabelece nenhuma nova ordem moral, mas
facilita aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, dando a fé
inabalável e esclarecida àqueles que duvidam ou vacilam.
Muitos daqueles que acreditam nos fatos das manifestações
espíritas não compreendem nem suas conseqüências, nem seu alcance moral, ou, se
os compreendem, não os aplicam a si mesmos. Por que isso acontece? Será falta
de clareza da Doutrina? Não. A Doutrina
* N. E. - Alegorias e figuras: linguagem ou pensamento
figurado, simbólico, fantasias, conjunto de figuras, de metáforas.
Espírita não contém nem alegorias*, nem figuras* que possam
dar lugar a falsas interpretações. A clareza é sua própria essência, e é de onde
vem a sua força, pois vai diretamente à inteligência. Ela não tem nada de
misteriosa, e seus seguidores não estão de posse de nenhum segredo oculto ao
povo.
É preciso, então, para compreendê-la, uma inteligência fora
do comum? Não. Há homens de uma reconhecida capacidade que não a compreendem,
enquanto inteligências simples, até mesmo jovens, mal saídos da adolescência,
apreendem-na com uma admirável exatidão, nos seus mais delicados detalhes. Isso
acontece porque a parte por assim dizer material da Ciência não requer
mais do que olhos para ser observada. Enquanto a parte essencial do
Espiritismo exige um certo grau de sensibilidade, que independe da idade ou
do grau de instrução da criatura, ao qual podemos chamar de maturidade do
senso moral, essa maturidade lhe é própria porque, de certa forma,
corresponde ao grau de desenvolvimento que o Espírito encarnado já possui.
Os laços da matéria, em alguns, estão ainda muito fortes
para permitir ao Espírito libertar-se das coisas da Terra; o nevoeiro que o
envolve impede-lhe a visão do infinito. Eis porque ele não rompe facilmente nem
com seus gostos, nem com seus hábitos, não percebendo que possa haver qualquer
coisa de melhor do que aquilo que possui. A crença nos Espíritos é, para eles,
um simples fato, que modifica muito pouco, ou quase nada, suas tendências
instintivas.
Numa palavra: vêem apenas um raio de luz, insuficiente para orientá-los
e lhes dar uma vontade determinada, capaz de vencer suas tendências. Eles
prendem-se mais aos fenômenos do que à moral, que lhes parece banal e monótona;
pedem aos Espíritos para ter acesso de imediato aos novos mistérios, sem
perguntar a si mesmos se são dignos para penetrar nas vontades e mistérios do Criador.
São espíritas imperfeitos, alguns deles estacionam no caminho ou se distanciam
de seus irmãos em crença, pois recuam diante da obrigação de se reformarem, ou
então reservam suas simpatias para aqueles que compartilham das suas fraquezas
e prevenções. Entretanto, a aceitação dos princípios da Doutrina Espírita é um
primeiro passo que lhes permitirá um segundo mais fácil numa outra existência.
Aquele que pode, com razão, ser qualificado como verdadeiro e
sincero espírita está num grau superior de adiantamento moral; o Espírito, já
dominando mais completamente a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do
futuro; os princípios da Doutrina Espírita fazem nele vibrar os sentimentos,
que permanecem adormecidos nos outros; em uma palavra, foi tocado no coração
e a sua fé é inabalável. Um é como o músico que se comove com os acordes, enquanto
o outro ouve apenas sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua
transformação moral e pelos esforços que faz para dominar suas más tendências; enquanto
um se satisfaz em seu horizonte limitado, o outro, que compreende um pouco
mais, esforça-se para se libertar dele e sempre o consegue, quando tem uma
vontade firme.
PARÁBOLA DO
SEMEADOR
5. Nesse mesmo dia, Jesus, ao sair de casa, sentou-se à
beira do mar; reuniu-se ao seu redor uma grande multidão de pessoas; foi por isso
que subiu numa barca e todo o povo ficou em pé na margem; e Ele lhes disse,
então, muitas coisas em parábolas:
Saiu aquele que semeia a semear; e enquanto semeava, caiu ao
longo do caminho um pouco de semente, e os pássaros do céu vieram e comeram-na.
Uma outra quantidade caiu nas pedras, onde não havia muita
terra; e logo germinou, pois a terra onde estava não era muito profunda. Mas queimou-se
com o sol, pois tinha acabado de nascer; e, como não tinha raízes, secou.
Outra igualmente caiu nos espinhos, e os espinhos cresceram
e afogaram-na. Uma outra, enfim, caiu na boa terra que dava frutos, havendo
grãos que rendiam cem por um, outros sessenta e outros trinta.
Que ouça aquele que tem ouvidos para ouvir. (Mateus, 13:1 a
9)
Escutai, pois, vós outros, a parábola do semeador.
Todo aquele que ouve a palavra do reino e não presta a menor
atenção,surge o Espírito mau e arrebata o que se havia semeado em seu coração;
este é aquele que recebeu a semente ao longo da estrada.
Aquele que recebeu a semente junto às pedras, é o que ouve a
palavra e que a recebe na mesma hora com alegria; mas não tem raiz e sem si, e
isso dura pouco tempo; e quando lhe sobrevêm tribulações e perseguições por
causa da palavra, logo se escandaliza.
Aquele que recebeu a semente entre os espinhos, é o que ouve
apalavra; mas, em seguida, as solicitudes deste século e a ilusão das riquezas sufocam
nele essa palavra e a tornam infrutífera.
Mas aquele que recebeu a semente em uma boa terra, é aquele que
ouve a palavra, que lhe dá atenção e ela frutifica, e rende cem ou sessenta, ou
trinta por um. (Mateus, 13:18 a 23)
* N. E. - Aguilhão: estimulante, incitador, provocador.
6 A parábola do
semeador representa perfeitamente as várias faces que existem na maneira de se
pôr em prática os ensinamentos do Evangelho. Quantas pessoas há, de fato, para
as quais os ensinamentos não passam de letra morta e, semelhantes às sementes caídas
sobre as pedras, nada produzem, nada frutificam!
A parábola encontra aplicação igualmente justa nas
diferentes categorias de espíritas. Não é o símbolo daqueles que apenas se apegam
aos fenômenos materiais, e deles não tiram nenhuma conseqüência?
Que apenas os vêem como objeto de curiosidade? Não simboliza
os que procuram o lado brilhante nas comunicações dos Espíritos,
interessando-se somente enquanto lhes satisfazem a imaginação, mas que, após
ouvi-las, continuam frios e indiferentes como antes? Daqueles que acham os
conselhos muito bons e os admiram, aplicados a outrem e não a si mesmos? E,
finalmente, daqueles para quem os ensinamentos são como a semente que caiu em
terra boa e produz frutos?
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS
O DEVER
Lázaro - Paris, 1863
7 O dever é a
obrigação moral, primeiro para consigo mesmo e, em seguida, para com os outros.
O dever é a lei da vida: encontra-se desde os menores detalhes, assim como nos
mais elevados atos. Refiro-me apenas ao dever moral e não ao dever que as
profissões impõem.
Na ordem dos sentimentos o dever é muito difícil de ser
cumprido, pois se encontra em antagonismo com as seduções do interesse e do
coração. Suas vitórias não têm testemunhos e suas derrotas não estão sujeitas à
repressão. O dever íntimo do homem é governado pelo seu livre-arbítrio•, este
aguilhão* da consciência, guardião da integridade interior, o adverte e o sustenta,
mas permanece, muitas vezes, impotente perante os enganos da paixão. O dever do
coração, fielmente observado, eleva o homem, mas, como este dever pode ser
determinado? Onde ele começa? Onde termina? O dever começa precisamente no
ponto onde ameaçais a felicidade ou a tranqüilidade de vosso próximo, e termina
no limite em que não desejaríeis vê-lo transposto em relação a vós mesmos.
Deus criou todos os homens iguais perante a dor; pequenos ou
grandes, incultos ou esclarecidos, sofrem todos pelas mesmas causas, a fim de
que cada um avalie com sensatez o mal que pôde fazer. O critério para o bem,
infinitamente mais variado em suas expressões, não é o mesmo. A igualdade
perante a dor é uma sublime providência de Deus, que quer que seus filhos,
instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando a ignorância de
seus efeitos.
O dever reflete, na prática, todas as virtude morais; é uma
fortaleza da alma que enfrenta as angústias da luta; é severo e dócil; pronto
para dobrar-se às diversas complicações, mas permanece inflexível perante suas
tentações. O homem que cumpre seu dever ama mais a Deus do que às criaturas,
e às criaturas mais do que a si mesmo. É, ao mesmo tempo, juiz e escravo em
sua própria causa.
O dever é o mais belo laurel* da razão; provém dela, como um
filho nasce de sua mãe. O homem deve amar o dever, não porque o preserve dos
males da vida, aos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas sim por dar à
alma o vigor necessário ao seu desenvolvimento.
O dever cresce e se irradia, sob forma mais elevada, em cada
uma das etapas superiores da Humanidade; a obrigação moral da criatura para com
Deus nunca cessa; ela deve refletir as virtudes do Eterno, que não aceita um
esboço imperfeito, pois quer que a beleza de sua obra resplandeça perante Ele.
A VIRTUDE
François, Nicolas, Madeleine, Cardeal Morlot - Paris,
1863
8 A virtude, no
seu mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que
constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso, laborioso, sóbrio, modesto, são
qualidades do homem virtuoso. Infelizmente são acompanhadas quase sempre de
pequenas falhas morais que as desmerecem e as enfraquecem. Aquele que faz
alarde de sua virtude não é virtuoso, pois lhe falta a principal qualidade: a
modéstia. E tem o vício mais oposto: o orgulho. A virtude realmente digna desse
nome não gosta de se exibir; ela é sentida, mas se esconde no anonimato e foge
da admiração das multidões. São Vicente de Paulo era virtuoso; o digno Cura de
Ars era virtuoso, e muitos outros não muito conhecidos do mundo, mas conhecidos
de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que eram virtuosos; deixavam-se ir
pela corrente de suas santas inspirações e praticavam o bem com total
desinteresse e completo esquecimento de si mesmos.
À virtude, assim compreendida e praticada, é que eu vos convido,
meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita
que eu vos convido a consagrar-vos. Afastai de vossos corações o sentimento do
orgulho, da vaidade, do amor-próprio, que sempre desvalorizam as mais belas
qualidades. Não imiteis o homem que se coloca como um modelo e se gaba de suas
próprias qualidades para todos os ouvidos tolerantes. Essa virtude com
ostentação esconde, muitas vezes, uma multidão de pequenas mesquinharias e odiosas
fraquezas.
* N. E. - Laurel: prêmio, distintivo, galardão.
Em princípio, o homem que exalta a si mesmo, que ergue uma estátua
à sua própria virtude, aniquila, por essa única razão, todo mérito efetivo que
possa ter. Mas o que direi daquele que dá valor em parecer aquilo que não é?
Compreendo muito bem que o homem que faz o bem sinta no fundo do coração uma
satisfação íntima, mas, uma vez que essa satisfação se exteriorize para
provocar elogios, degenera em amor-próprio.
Vós todos, a quem a fé espírita reanimou com seus raios, e
que sabeis o quanto o homem está longe da perfeição, não façais nunca uma
tolice dessas. A virtude é uma graça que eu desejo a todos os espíritas
sinceros, mas advirto: Mais vale poucas virtudes com modéstia do que muitas com
orgulho. Foi pelo orgulho que as humanidades se perderam sucessivamente, e será
pela humildade que deverão um dia redimir-se.
OS
SUPERIORES E OS INFERIORES
François, Nicolas, Madeleine, Cardeal Morlot - Paris,
1863
9 A autoridade,
assim como a riqueza, é uma delegação da qual terá que prestar contas aquele
que dela estiver investido. Não acrediteis que ela seja dada para satisfazer o
vão prazer de mandar, nem tampouco, conforme acredita falsamente a maior parte
dos poderosos da Terra, como um direito ou uma propriedade.
Deus tem lhes provado constantemente que não é nem uma coisa
nem outra, pois as retira deles quando quer. Se fosse um privilégio ligado à
pessoa, seria intransferível. Ninguém pode dizer que uma coisa lhe pertence,
quando ela pode lhe ser tirada sem o seu consentimento.
Deus concede a autoridade a título de missão ou de
prova, quando quer, e a retira do mesmo modo.
Todo aquele que é depositário da autoridade, seja qual for
em grau de importância, desde um senhor para com seu servidor até o soberano
para com seu povo, não deve esquecer-se de que é um encarregado de almas e
responderá pela boa ou a má orientação que der a seus subordinados. Vai arcar
com as culpas das faltas que estes poderão cometer, dos vícios aos quais serão
arrastados em conseqüência dessa orientação ou dos maus exemplos recebidos; mas,
também, colherá os frutos do seu esforço por conduzi-los ao bem. Todo homem
tem, na Terra, uma missão pequena ou grande; seja qual for, sempre lhe é dada
para o bem; desviá-la do seu verdadeiro sentido é fracassar no seu cumprimento.
Se Deus pergunta ao rico: Que fizeste da riqueza que deveria
ser nas tuas mãos uma fonte espalhando fecundidade ao seu redor?
Também perguntará àquele que dispõe de alguma autoridade:
Que uso fizeste dessa autoridade? Que mal impediste? Que progresso promoveste?
Se te dei subordinados, não foi para fazer deles escravos de tua vontade, nem
instrumentos dóceis dos teus caprichos ou de tua ambição; te fiz forte e te
confiei os fracos para que, amparando-os, os ajudasses a subir até mim.
Aquele que, investido de autoridade, segue as palavras do
Cristo não despreza nenhum dos que estão abaixo dele, porque sabe que as diferenças
sociais não existem perante Deus. O Espiritismo lhe ensina que, se hoje eles
lhe obedecem, já puderam tê-lo comandado, ou poderão vir a comandá-lo mais
tarde e, então, será tratado como os tratou.
Se o superior tem deveres a cumprir, o subordinado também os
tem por sua vez e não menos sagrados. Se este último é espírita, sua consciência
lhe dirá, melhor ainda, que não está dispensado de os cumprir, mesmo que seu
chefe não cumpra os que lhe competem, pois sabe que não se deve pagar o mal com
o mal, e que as faltas de um não justificam as faltas de outros. Se sofre na
sua condição de subalterno, sabe que é merecido, porque ele mesmo pode já ter
também abusado da autoridade que tinha, e agora deve sentir, por sua vez, os
inconvenientes daquilo que fez os outros sofrerem. Se é obrigado a suportar
essa situação, na falta de encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignar-se
a isso, como uma prova para sua humildade, necessária a seu adiantamento. Sua
crença o guia na sua conduta; ele age como gostaria que seus subordinados
agissem para com ele, se fosse o chefe.
Por isso mesmo, é mais cuidadoso no cumprimento de suas obrigações,
pois compreende que toda negligência no trabalho que lhe é confiado é um
prejuízo para aquele que o remunera, a quem deve seu tempo e seus esforços. Em
resumo, é guiado pelo sentimento do dever, que lhe advém de sua fé, e a certeza
de que todo desvio do caminho correto é uma dívida que deverá pagar cedo ou
tarde.
O HOMEM NO
MUNDO
Um Espírito Protetor - Bordeaux, 1863
10 Um sentimento de
piedade deve sempre orientar o coração daqueles que se reúnem sob os olhos do
Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purificai, vossos corações;
não vos deixeis perturbar por nenhum pensamento fútil ou de prazeres materiais;
elevai vosso Espírito em direção àqueles que vós chamais, a fim de que,
encontrando em vós as necessárias condições, possam lançar em quantidade a
semente que deve germinar em vossos corações, e nele produzir os frutos da
caridade e da justiça. Não acrediteis, contudo, que, incentivando vossa
dedicação à prece e à evocação mental, desejamos vos levar a viver uma vida
mística, que vos coloque fora das leis da sociedade, onde estais obrigados a
viver. Não; vivei com os homens de vossa época, como devem viver os homens. Mas
se renunciardes às necessidades, ou mesmo às banalidades do dia-a-dia, fazei-o com
um sentimento de pureza que possa santificá-las.
Se sois obrigados a estar em contato com homens cujos
espíritos são de natureza diferente da vossa e de caracteres opostos, não deveis
afrontá-los; não os contrarieis. Sede alegres, felizes, mas com a alegria que
provém da consciência limpa da felicidade de um herdeiro do Céu que conta os
dias que o aproximam de sua herança.
A virtude não consiste em assumir um aspecto severo e
sombrio, em rejeitar os prazeres que a vossa condição humana permite; basta reger
todos os vossos atos pela lei do Criador, que vos deu a vida.
Quando se começa ou termina uma obra, deveis elevar o
pensamento a Ele e pedir-Lhe, num impulso da alma, a proteção para nela ter êxito
ou sua bênção para a obra acabada. O que quer que façais, ligai vosso
pensamento à fonte suprema de todas as coisas e não façais nada sem que a
lembrança de Deus purifique e santifique vossos atos.
A perfeição encontra-se inteiramente, como disse o Cristo,
na prática da caridade sem limites, porém, os deveres da caridade se estendem a
todas as posições sociais, desde a mais elevada à mais simples. O homem, se
vivesse só, não teria como exercitar a caridade, e, somente no contato com seus
semelhantes, nas lutas mais difíceis é que ele encontra a ocasião de exercê-la.
Aquele que se isola, priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de
aperfeiçoar-se e, pensando apenas nele, sua vida é a de um egoísta. (Veja nesta
obra Cap. 5:26.)
Não imagineis que, para viver em comunicação constante
conosco, para viver sob a observação do Senhor, seja preciso entregar-se ao
martírio e cobrir-se de cinzas. Não; mais uma vez não! Sede felizes, de acordo
com as necessidades humanas, mas que na vossa felicidade nunca entre um
pensamento ou um ato que possa ofender a Deus, ou entristecer a face daqueles
que vos amam e vos dirigem.
Deus é amor e abençoa aqueles que amam com pureza.
CUIDAR DO
CORPO E DO ESPÍRITO
Georges, Espírito Protetor - Paris, 1863
11 Será que a
perfeição moral consiste na martirização do corpo?
Para resolver essa questão apóio-me nos princípios elementares
e começo por demonstrar a necessidade de cuidar do corpo que, conforme esteja
sadio ou doente, influi de uma maneira muito importante sobre a alma, que é
considerada prisioneira da carne. Para que ela vibre, se movimente e até mesmo
conceba as ilusões de liberdade, o corpo deve estar são, disposto e vigoroso.
Estabeleçamos uma situação: eis que ambos se encontram em perfeito estado; o
que devem fazer para manter o equilíbrio entre suas aptidões e suas necessidades
tão diferentes? Dessa confrontação torna-se inevitável buscar seu ajuste
equilibrado entre ambos, sendo que o segredo está em achar esse equilíbrio.
Aqui, dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que querem aniquilar
o corpo, e o dos materialistas, que negam a alma. Dois sistemas igualmente
constrangedores, tão insensatos, tanto um quanto o outro. Ao lado destas
grandes correntes de pensamento, há um grande número de indiferentes que, sem
convicção e sem afeições, amam com frieza e não sabem se divertir. Onde, pois,
está a sabedoria? E a ciência de viver? Em nenhum lugar. Este problema ficaria
inteiramente sem ser resolvido se o Espiritismo não viesse em ajuda dos pesquisadores,
demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma, comprovando
que são necessários um ao outro e é preciso cuidar de ambos. Amai, pois, vossa
alma, mas cuidai também do corpo, instrumento da alma. Desconhecer as
necessidades que a própria Natureza indica é desconhecer a Lei de Deus. Não
castigueis vosso corpo pelas faltas que o vosso livre-arbítrio o induziu a
cometer, e das quais é tão responsável quanto um cavalo mal guiado o é pelos
acidentes que causa. Sereis, por acaso, mais perfeitos se, ao martirizar o
vosso corpo, continuardes egoístas, orgulhosos e sem caridade para com o vosso
próximo? Não, a perfeição não está nisso.
Ela se encontra nas reformas a que submeterdes o vosso
Espírito: dobrai-o, subjugai-o, humilhai-o, dominai-o, este é o meio de
torná-lo dócil à vontade de Deus e o único que conduz à perfeição*.
* N. E. - Esta mensagem foi transcrita e traduzida do
original da primeira edição de Imitation de L'Évangile Selon le Spiritisme,
por nele estar completa.
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