quinta-feira, 5 de março de 2015

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS ESPÍRITAS - SBEE
PROTO-ESPIRITISMO
A FASE PRÉ-HISTÓRICA
Horizonte tribal e mediunismo primitivo
Rui Simon Paz
A mediunidade é uma condição natural da espécie humana e os fatos espíritas, ou manifestações mediúnicas, são de todos os tempos. A Doutrina dos Espíritos é uma interpretação racional das manifestações mediúnicas (A. Kardec).
O horizonte tribal caracteriza-se pelo mediunismo primitivo; são as práticas empíricas da mediunidade.
A crença na sobrevivência da alma é universal, manifesta-se em todas as culturas chamadas primitivas.
Os povos primitivos afirmavam a existência de uma FORÇA, que impregna os objetos, podendo atuar sobre criaturas humanas, chamada MANA ou ORENDA, que corresponde ao ECTOPLASMA. Os curandeiros polinésios consideravam três formas de existência dessa força: a mais baixa era transmitida pelos corpos materiais; a média provinha da mente humana; e, a superior de uma espécie de centro espiritual da mente humana. Por exemplo, permitia ao homem prever o futuro, materializar e desmaterializar coisas.
Outra ocorrência universal é a existência dos próprios espíritos e de sua manifestação entre os humanos encarnados.
As primeiras fases são do ANTROPOMORFISMO, quando ainda interpreta as coisas em termos exclusivamente humanos. No entanto, a adoração - diferente de cultura para cultura - é um sentimento inato no homem. Todo ser humano têm sinalizado em si a idéia de Deus.
Num primeiro momento temos a LITOLATRIA, ou adoração de pedras; no segundo, a FITOLATRIA, ou adoração de plantas, flores, árvores, bosques; no terceiro, a ZOOLATRIA, que se refere a animais; e, somente, depois num grau mais elevado temos a MITOLOGIA, com sua forma clássica de POLITEÍSMO.
Herbert Spencer, apesar do enfoque materialista próprio do Século XIX, enxergou que a crença na sobrevivência decorre de experiências concretas do homem chamado primitivo, e não de cogitações filosóficas que podem ser encaradas como crendices.
Os sonhos premonitórios, por exemplo, inerentes ao seres humanos, demonstram por si sós a transcendência de determinados fenômenos; levam o ser primitivo a deduzir a existência de algo além da matéria tangível.
Da selva à chamada civilização, as evidências antropológicas e históricas afirmam a crença universal na sobrevivência do homem após a morte e na possibilidade de comunicação entre encarnados e desencarnados.
HORIZONTE AGRÍCOLA:
ANIMISMO E CULTO DOS ANCESTRAIS
As formas sedentárias de vida social impõem uma racionalização ao animismo tribal. Animais são domesticados, instrumentos são fabricados, plantas são cultivadas, cria-se riqueza.
A racionalização aprofunda a crença nos espíritos, personalizando-os e envolvendo os aspectos e os elementos da natureza. O Universo é encarado de duas formas: a Terra-Mãe e o Céu-Pai. Esta é a fase da personalização da natureza, denominada de FETICHISMO; depois, funde-se experiência e imaginação, e temos o mediunismo, a mitologia popular impregnada de magia. Finalmente, a religião antropomórfica, através do culto aos ancestrais. Nascem assim os deuses-lares, deuses-locais, etc.
A teogamia egípcia, por exemplo, influenciou a doutrina cristã da trindade divina (Osíris, Isis e Hórus). Os Faraós eram portadores de dupla natureza, a humana e a divina, porque eram filhos da rainha e do deus solar. Este sistema vigorou até o IV século a.C., tendo seu auge em 1.500 a.C., com a rainha Hatsepshut.
É interessante notar a alegoria de Osíris, filho da Terra e do Céu, que cresce, viceja, esplende e, então, é ceifado, retalhado ou moído e, por fim, enterrado. O mesmo ocorre com o trigo. Esse processo dá a idéia de renovação permanente da natureza, através de forças divinas, algo que está por trás desse movimento cíclico. (perma)
O mito agrário é essencialmente analógico, nasce do poder comparativo da razão. Daí a idéia de ressurreição, de que tudo nasce, vive, morre e torna a renascer.
A idéia de DEUS é de PRIMEIRA-MÃO. O deus Jeová, Osíris, e outros constituem, em essência, o mesmo Deus que conhecemos hoje como INTELIGÊNCIA SUPREMA. Apenas era encarado em cada horizonte cultural da maneira que os homens percebiam a experiência humana associada ao mediunismo.

A RELIGIÃO DOS ÍNDIOS BRASILEIROS
De um modo geral, em todas as tribos indígenas há a crença de que todo homem possui uma alma. Embora a noção de alma difira de uma tribo para a outra, bem como da noção cristã de alma.
Para os índios Krahó (Timbira), por exemplo, todos os seres, sejam animais, vegetais ou minerais, possuem alma. Cada ente compreende uma parte material e outra espiritual. Chamam a alma de KARÕ. Ela pode separar-se do corpo, vagar quando o homem dorme, ir aos lugares onde sonha, etc. A morte vem quando a alma se afasta definitivamente do corpo.
Os índios Bororos denominam a alma de AROE. Acreditam que, depois da morte, a alma vai para outra morada. Acreditam que depois de algum tempo migram (transmigram) para corpos de animais.
Existe uma categoria de médicos feiticeiros, denominados xamãs, que entram em estado de êxtase e se retiram do corpo ou encarnam espíritos. Os xamãs entram em contato com espíritos chamados MAEREBOE, que são xamãs desencarnados.
Os Tupinambás sentiam-se rodeados por uma multidão de espíritos, que perambulam por toda parte. Alguns eram considerados benévolos, outros não. Para afastar os maus colocavam mourões nas entradas das aldeias. Talvez por isso tenha sido fácil a adesão dos Tupinambás ao Cristianismo, pois os padres prometiam afastar os maus espíritos com a cruz de madeira na entrada das aldeias.

Para os Tupinambás a alma permanecia após a morte. Deslocava-se apara além das montanhas, onde encontraria seus antepassados. Durante os funerais eram feitas recomendações ao morto para que tomasse cuidado para não atravessar terreno inimigo, nem esquecer seus instrumentos onde dormisse, durante a viagem para a terra dos seus ancestrais.

HORIZONTE CIVILIZADO:
MEDIUNISMO ORACULAR

O horizonte civilizado começa com a separação entre política e religião, particularmente com os Persas. Esparta e Atenas herdam essa tradição persa. Esparta muito mais, pois submete a religião ao Estado. Atenas ainda mantém o Estado Teológico. A separação, em Atenas, se acentuará com o advento da democracia.
No horizonte civilizado, a religião reflete o sistema político e social: é politeísta como um senado republicano. Os deuses representam forças da natureza, mas mais personalizados e dramáticos.
Um novo espírito marcará esse horizonte: o espírito de civilização. Caracteriza-se por três funções especiais: a formulação de conceitos abstratos, de juízos éticos e morais, e de princípios jurídicos. Daí começa a surgir o INDIVÍDUO, como sua mais bela afirmação. Se na organização tribal, o homem se libertou da condição animal, na agrícola aprendeu a dominar a natureza e submete-la. No horizonte civilizado, ele começa a romper os liames da organização social que o aprisionara no agrícola, para descobrir-se a si mesmo, tornar-se indivíduo.
A organização social permite ao homem superar a natureza, transformar-se em um ser moral que supera o ser social. A humanidade deixa de ser uma espécie para tornar-se um devir. O mediunismo primitivo, o animismo e o culto aos ancestrais se refundem e forjam o MEDIUNISMO ORACULAR.
Os oráculos podiam ser as matas, as cavernas, um lugar sagrado. O importante é que, no mediunismo oracular, acontece a transição para o culto individual dos espíritos. Há sempre a intermediação de alguém no oráculo (o médium), na figura da pitonisa, por exemplo.

HORIZONTE PROFÉTICO:
MEDIUNISMO BÍBLICO
A organização social, a individualização do homem, a capacidade de abstração e formulação de juízos éticos e religiosos, permitiram a INDIVIDUALIZAÇÃO DO PROFETA. Assim, vemos aflorarem a filosofia grega, o profetismo hebraico, o misticismo hindu e o moralismo chinês.
Nesse período temos Moisés, Abrão, etc. A culminância desse horizonte se deve: 1.o) aceitação popular do monoteísmo, pela primeira vez na história; 2.o) acentuação dos atributos éticos de Deus; e, 3o) estabelecimento de ligações diretas do Deus individual com o indivíduo humano, através do Profeta.
A individualização social produziu a individualização mediúnica e esta, por sua vez, produziu a individualização espiritual, através dos atributos éticos do Profeta.

BIBLIOGRAFIA
MELATI, Julio César. Índios do Brasil. Coordenada  editora de Brasília Ltda. Brasília, 1970.
MÉTRAUX, Alfred. A Religião dos Tupinambás. Cia. Editora Nacional. São Paulo: 1979. 2a. Edição.
PIRES, J. Herculano. O Espírito e o Tempo: Introdução Antropológica ao Espiritismo. Edicel. São Paulo : 1979. 3a. Edição.
MALINOWSKI. Bronislau. Os Argonautas do Pacífico. Col. Os Pensadores. Ed. Abril : São Paulo, 1980.
KARDEC. Alan. O Livro dos Espíritos. Lake ; São Paulo, 1980.

Curitiba (PR), março de 2.001.

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