- Sinto muito, Valdo, mas
não há condições para o pagamento do décimo terceiro salário. Temos, no banco,
apenas vinte por cento do necessário.
O presidente da Creche
Discípulos de Jesus, nobre entidade protestante que atendia cento e vinte crianças,
desligou o telefone amargurado. A informação de Justino, o tesoureiro,
afligia-o duplamente: uma disposição da lei trabalhista deixaria de ser
cumprida ao mesmo tempo em que ficariam frustradas as expectativas das
funcionárias, mulheres pobres que contavam com aquele dinheiro para o Natal.
Há muito sedimentara-se em
seu espírito penosa dúvida: valeriam os sacrifícios, preocupações e noites
insones para manter a creche, sem o devido apoio? Numa cidade tão grande, raros
tomavam conhecimento do que se realizava ali. Nem mesmo
na comunidade religiosa da qual participava existia interesse maior pelo
serviço. Se seus irmãos em crença se dispusessem a “arregaçar as mangas” e
“abrir a bolsa”, tudo seria mais fácil. Jesus definira com propriedade a
questão ao proclamar que a Seara é grande e os trabalhadores são poucos. A
dificuldade presente parecia-lhe a gota d’água a transbordar o cálice de suas
sofridas perquirições íntimas, quebrantando-lhe o ânimo, sugerindo desistência.
Como ocorria
habitualmente, sempre que problemas o afligiam, Valdo buscou inspiração no
Evangelho. Abriu-o ao acaso e leu, em Mateus, capítulo quinze:
“Ao sair dali, Jesus veio
costeando o mar da Galiléia e, tendo subido ao monte, lá se sentou. Logo dele
se acercou grande multidão, trazendo mudos, cegos, coxos, aleijados e outros
muitos que foram colocados a seus pés; e ele a todos curou, de sorte que a
multidão se mostrava maravilhada ao ver que os mudos falavam, os coxos andavam,
os cegos enxergavam e os aleijados ficavam sãos; e todos glorificavam o Deus de
Israel.
Jesus chamou os seus
discípulos e lhes disse:
- Tenho compaixão destas
criaturas, porque há três dias que estão sempre comigo e nada têm que comer.
Não quero despedi-las em jejum para que não desfaleçam no caminho.
Disseram-lhe os
discípulos:
Donde receberíamos neste
deserto tantos pães para fartar tão grande multidão?
Perguntou-lhes Jesus:
- Quantos pães tendes?
- Sete e alguns peixinhos.
Jesus ordenou então ao
povo que se sentasse no chão e, tomando os sete pães e rendendo graças, os
partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem pelo povo. Tinham também
alguns peixinhos; e ele, abençoando-os, mandou que estes igualmente fossem
distribuídos. Todos comeram, ficaram saciados e ainda encheram sete cestos com
os pedaços que sobraram. Ora, os que comeram eram em número de quatro mil
homens, além de mulheres e crianças. Despedido o povo, Jesus entrou na barca e
foi para o território de Magadã.”
Como ocorria,
invariavelmente, a leitura do texto evangélico revigorou o ânimo de Valdo que,
possuído por inquebrantável resolução, tomou o telefone e discou:
- Alô...
- Justino?
- Oi, Valdo.
- Pode soltar os cheques
do décimo terceiro.
- Conseguiu o dinheiro?
- Não, mas com a ajuda de
Jesus ele virá!
- Não quero parecer
cético. Devo lembrar- lhe, todavia, que não se trata de valor pequeno e teremos
apenas vinte e quatro horas para providenciar a cobertura.
- Tenhamos fé,
companheiro! Jesus dispunha de apenas sete pães e alguns peixes e alimentou uma
multidão de quatro mil pessoas!
- Valdo, sejamos práticos.
O tempo dos milagres passou. Dinheiro não se multiplica no banco do dia para a
noite!
- Pague! Assumo a
responsabilidade!
- Tudo bem, profeta. Seja
o que Deus quiser!
No dia seguinte o
tesoureiro lhe telefona:
- Recebi um comunicado do
banco.
- Quanto devemos
depositar?
- Nada.
- Nada?!
- Informaram que houve um
depósito ontem, feito por um irmão que se propôs a ofertar um donativo de
natal. Deu exatamente para completar as despesas com o décimo terceiro!...
Valdo desligou o telefone
de olhos úmidos. Incontida emoção revigorava seu espírito valoroso. Não havia
motivos para desânimo. Jesus velava, sempre pronto a socorrer seus seguidores,
conforme prometera.
Assim como o Cristo
multiplicou pães e peixes para atender a multidão faminta e sofredora, a boa
vontade multiplica indefinidamente os recursos com os quais podemos e devemos
ajudar nossos irmãos.
Que o digam os dirigentes
de organizações assistenciais. Raramente há dinheiro suficiente, mas os
recursos chegam invariavelmente, sustentando o serviço, enquanto persistem a
boa vontade e a disposição de servir.
03.
SIMONETTI, Richard. Pães e peixes. In.: Endereço certo. 6. ed. Araras:IDE,
1993. cap. 11.
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