sábado, 20 de dezembro de 2014

SE PISAM NO MEU CALO!...

Gebaldo José de Sousa

É comum ouvirmos, em tom de ameaça, a expressão: “Sou muito bom, mas, se pisam no meu calo!...”, dita jactanciosamente, como se fosse qualidade a preservar, e de que se orgulha o autor, sempre com os brios à flor da pele.
Contudo, à luz do Evangelho, devíamos nos envergonhar de emiti-la, e de, por dá cá aquela palha, praticar a violência que expressa, eis que revela desequilíbrio e o orgulho que nos cumpre erradicar de nossas almas enfermas.
Quando o sangue nos ferve, por qualquer ofensa ao orgulho ferido e nos sentimos impelidos ao ódio e ao revide, sem medir conseqüências, é sintoma de grave enfermidade espiritual, sobretudo pela sutileza com que se disfarça aos nossos olhos, figurando com aparência de virtude a preservar.
Se somos daqueles que andamos armados, então a situação é gravíssima! É o caso de urgente internação, para tratamento mental, a bem nosso e da comunidade.
“O egoísmo, chaga da Humanidade, tem que desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta”, afirma-nos, sabiamente, Emmanuel.
Linhas à frente, indica-nos o mesmo Espírito: “(...) esse filho do orgulho é o causador de todas as misérias do mundo terreno. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens. (...)
É (...) à invasão do coração humano por essa lepra que se deve atribuir o fato de não haver ainda o Cristianismo desempenhado por completo a sua missão.”
Ora, se o filho é considerado ‘lepra’ e “é o causador de todas as misérias” humanas, o que não será o indigitado pai, o orgulho... que nos leva a nos julgar superiores aos demais.
É fonte da maioria dos males que nos atribulam a vida.
Para eliminá-lo e adquirir humildade, é indispensável erradicarmos do coração essa lepra. Pois ela é o único antídoto que o destrói, à semelhança da luz, que silenciosa e suavemente afasta a treva.
O Espírito Lacordaire, incisivo, assinala:
“A Humildade é virtude muito esquecida entre vós. (...) Sem humildade, podeis ser caridosos com o vosso próximo?... este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que todos são irmãos, que se deve auxiliar mutuamente, e os induz ao bem. Sem a humildade, apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis um vestuário para ocultar as deformidades do Vosso corpo. (...)
O orgulho é o terrível adversário da humildade.
(...) Não é teu igual o infeliz que passa fome?
(...) lembra-te que a morte não te poupará, como a nenhum homem.
À vista de tantas admoestações para tão grave falta (o orgulho), cumpre-nos identificar, em nós, aquilo que a alimenta e a indiferença que a perpetua, para atacar, prontamente, esse mal:
“As principais reações e características do tipo predominantemente orgulhoso são:
a) Amor-próprio muito acentuado: contraria-se por pequenos motivos;
b) Reage explosivamente a quaisquer observações ou críticas de outrem em relação ao seu comportamento;
c) Necessita ser o centro de atenções e fazer prevalecer sempre as suas próprias idéias;
d) Não aceita a possibilidade de seus erros, mantendo-se num estado de consciência fechado ao diálogo construtivo;
 e) Menospreza as idéias do próximo;
f) Ao ser elogiado por quaisquer motivos, enche-se de uma satisfação presunçosa, como que se reafirmando na sua importância pessoal;
g) Preocupa-se muito com a sua aparência exterior, seus gestos são estudados, dá demasiada importância à sua posição social e ao prestígio pessoal;
h) Acha que todos os seus circunstantes (familiares e amigos devem girar em torno de si;
i) Não admite-se humilhar diante de ninguém, achando essa atitude um traço de fraqueza e falta de personalidade;
j) Usa da ironia e do deboche para com o próximo nas ocasiões de contendas.”
Não falta clareza e sinceridade nas orientações espirituais. Eis o que diz o Espírito Adolfo, bispo de Argel, sem meias palavras:
“Homens, por que vos queixais das calamidades que vós mesmos amontoastes sobre as vossas cabeças? (...) Generaliza-se o mal-estar. A quem inculpar, senão a vós que incessantemente procurais esmagar-vos uns aos outros? Não podeis ser felizes, sem mútua benevolência; mas, como pode a benevolência coexistir com o orgulho? O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males.
Com energia inusitada e franqueza quase rude, no estilo “sim, sim; não, não” — ainda mais por integrar o capítulo “BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO BRANDOS E PACIFICOS” — a Entidade Lázaro previne-nos, ainda em 1863, ano distante dos tempos apocalípticos ora vividos: “Ai do espírito preguiçoso, ai daquele que cerra o seu entendimento!
Ai dele! porquanto nós, que somos os guias da Humanidade em marcha, lhe aplicaremos o látego e lhe submeteremos a vontade rebelde, por meio da dupla ação do freio e da espora. Toda resistência orgulhosa terá de, cedo ou tarde, ser vencida.'
Quantos poderosos já mandaram na Terra de forma absoluta, ao longo da história humana? Onde estão eles, apesar de toda a pompa de que se cercaram?
Jesus, contudo, chegou humildemente, numa manjedoura, entre pastores e animais, sem uma pedra onde repousar a cabeça, e nos trouxe mensagem de Amor e Paz.
Os primeiros vieram precedidos de armas, lutas e muito sangue. Aqueles se impunham pela força, pela violência, pela esperteza.
O Mestre busca conquistar-nos, sem violentar nossas consciências, sem se impor, mas, sim, pela compreensão do Amor, da Fraternidade, da humildade, da mansuetude.
Os reis do mundo buscam o domínio exterior, espalhafatoso, sempre transitório.
Jesus quer nos conceder a posse do reino de Deus e nos vem buscar o coração, conquistando-nos de forma definitiva, convertendo-nos, a pouco e pouco, à compreensão da verdade. Respeita nossas limitações.
Dirige-se aos humildes de coração que não se iludem com o lado externo da vida, que alimentam em seus corações fé sincera em Deus, que Nele confiam, que a Ele se entregam, fazendo sua parte, trabalhando e orando, agradecendo-lhe por tudo.
Aos orgulhosos, deixa a pesquisa dos segredos da Terra. “E revela os do céu aos simples e aos humildes que diante d’Ele se prostram.”
Silenciosa e imperceptivelmente, Ele trabalha nossos corações e nos transforma lentamente, no ritmo de nossa compreensão e aceitação. Faz-nos viver experiências necessárias às mudanças que devemos realizar em nós mesmos, buscando romper nosso comodismo. Age sem pressa e de forma totalmente anônima, a ponto de muitos negarem Sua existência. Convém-nos, pois, aderir, ainda que tardiamente, ao Seu programa renovador.
O orgulho independe da condição social: há orgulhosos entre poderosos e ricos como os há entre pobres (aparentemente humildes, pois que humilde é a sua condição social); assim como há, entre todos eles, pessoas humildes e submissas aos desígnios de Deus.
Porque as circunstâncias exteriores da vida (posses, posição social, poder, beleza, saúde física, etc.) são passageiras, ilusórias, cumpre-nos despertar para extirpar esse “calo” da alma, que nos mantém, há séculos, na retaguarda.
E ninguém mais o pisará, quando deixar de existir em nossos corações.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. KARDEC, Allan, O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, iiia cd. Rio dc Janeiro: FEB, 1995, 435p. p. 191, Cap. ii, it. 11;
2. O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, h cd. Rio dc Janeiro: FEB, 1995. 435p. p. 139, Cap. 7, it. 11;
3. O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. 1 tia cd, Rio de Janeiro: FEB, 1995. 435p. p. 143, Cap. 7, ii. 12;
4. O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. 11 ia cd, Rio de Janeiro: FEB, 1995. 435p. p. 165, Cap. 9, it. 8;
5. PERES, Ney Prieto, MANUAL PRÁTICO DO ESPÍRITA. 8 cd. São Paulo: PENSAMENTO,1993. 326p. p. 78.



INFORMAÇÃO”:
REVISTA ESPÍRITA MENSAL
ANO XXXIII N° 387
DEZEMBRO 2008
Publicada pelo Grupo Espírita “Casa do Caminho” -
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Cx. Postal: 45.307 - Ag. Vl. Mariana/São Paulo (SP)

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