terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Capítulo XIII - CONSOLO AOS AFLITOS

Entramos na casa de Alaidinha e a encontramos deitada em um sofá. Chorava baixinho. A doméstica da casa a cada instante lhe oferecia alguma coisa, mas, chorosa e infeliz, nada aceitava. Foi quando um grupo de senhoras adentrou a sala; foram-lhe aplicar passes. Alaidinha recebeu-as com delicadeza, julgando que pudessem aliviar-lhe a dor. Contudo, logo começaram os "conselhos":
— Alaidinha, não fique assim. Seu filho deve estar sofrendo por sua causa.
Alaidinha, chorando, respondeu:
—Por favor, não fale isso, jamais quero prejudicar meu filho, mas não consigo me alegrar.
Outra mulher retrucou:
— Você tem de tentar ir ao cinema, sair de casa, porque assim...
— Pelo amor de Deus, fale: porque assim o quê?
— Seu filho está..,
E os conselhos iam chegando. A mulher, que antes estava triste, agora, além da tristeza, estava desesperada. Parecia que ela é que fora a culpada da morte prematura do filho de dezoito anos. Não aguentei, aproximei-me de Doralice e a intuí a dizer:
— Que nada, Alaidinha, chore, ponha para fora do seu coração as tristezas. Não as guarde no peito, chore, que as lágrimas serão gotas orvalhadas de saudade. Jesus não Se zangou com as verônicas porque elas estavam chorando. Quem tem o direito de mandar uma mulher-mãe buscar o sorriso quando a sua alma chora?
As outras não acreditavam no que estavam ouvindo: Doralice indo contra nossa orientação?
— O que faz mal ao espírito são as revoltas, as blasfêmias. As lágrimas e a saudade não irão mudar a caminhada do recém desencarnado.
Uma das mulheres, discordando de Doralice, interrogou:
— Você acha certo ela ficar deitada o dia todo, chorando?
— Ela ainda não se levantou porque o seu corpo está fraco, trêmulo de dor e de saudade. Mas se todos os dias viermos aqui aplicar-lhe um passe e orar, logo ela estará em condições de voltar a viver normalmente. No momento, ninguém tem o direito de lhe perturbar o silêncio e a dor.
Alaidinha gostou das palavras de Doralice e acentuou:
— Só quem está passando por um momento difícil pode aconselhar o outro! É fácil mandar alguém parar de chorar, o difícil é ter condição de diminuir a dor do outro. Choro porque estou sentindo muita dor e tristeza. A aflição dilacera meu coração.
— E Jesus disse: "Bem-aventurados os aflitos", completou Doralice.
Alaidinha prosseguiu:
— As preocupações do dia-a-dia, as tristezas e as dores nada são diante da aflição que estou vivendo. Sinto-me no fundo de um abismo desejando sair, mas por ter os olhos repletos de lágrimas não diviso a saída. Mas espero que Deus me dê o consolo. Minha fé em Jesus será a corda por onde buscarei a salvação.
As outras ainda tentaram dizer:
— Não chore, vai fazer mal ao espírito do seu filho. Coitadinho dele, com a sua tristeza ele está sofrendo...
Meu Deus! Quem não tem condição de ajudar deve calar-se; mais fazem mal as palavras erradas do que o silêncio. Visitar quem está sofrendo é uma bênção, mas deve ter-se o cuidado para não aumentar a dor. Quando Alaidinha se afastou por um momento, as outras duas comentaram:
— Coitada da Alaidinha, está obsediada, o filho está-lhe perturbando.
Doralice discordou da amiga, dizendo:
— Pelo amor de Deus, Alaidinha é apenas uma mãe que está sofrendo. Seu filho jamais irá obsediar a quem tanto ama.
—Coitado, ele não sabe que está perturbando a mãe, retrucou a outra.
— Por favor, vamos mudar de assunto, sugeriu Doralice.
Eu falei ao nosso grupo:
— E pena que existam pessoas que estão na Doutrina, mas ainda não a aceitam como o Consolador prometido por Jesus. A Doutrina é um lenço branco que deve secar as lágrimas e jamais levar o desespero. Quando não se tem conhecimento é preferível calar. Falar bobagens, querendo ajudar, é o mesmo que desejar nadar sem saber. Quem está sofrendo precisa do remédio da esperança. Dizer a uma mãe que ela está sendo obsediada pelo filho é levá-la ao desespero.
— É muito complicado o que pensa o homem em relação dor, disse Enrico. Ao falar "Bem-aventurados os aflitos", Jesus não quis dizer que a dor é uma felicidade. Ele quis ensinar que, bendito é aquele que mesmo em aflição tem força para buscar o Criador e jamais blasfema contra Ele. Os aflitos são aqueles que passam por uma dor, como a que está sofrendo Alaidinha, ou que está atravessando um período de doença grave. As pequenas preocupações, as tristezas do dia-a-dia são incômodos para a alma, mas o ser humano delas se livra. Agora, nas aflições, só Deus e Jesus têm condição de ajudar. O homem pode dar o remédio da palavra amiga, mas só Eles curam as feridas das aflições. Se não fosse Doralice, Alaidinha teria ficado mais perturbada.
Quando terminaram de falar, fizeram uma prece e se retiraram.
Alaidinha abriu O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, Bem-aventurados os aflitos, e sentiu que o livro amigo era a mão, de Jesus amparando-a nas suas aflições. Todos nós, em silêncio, escutamos, gratificados por ter Alaidinha, uma saudosa mãe, encontrado o consolo no Evangelho querido. Quando saímos, Enrico falou:
— A Doutrina Espírita é uma doutrina de amor e esperança, pena muitos a julgarem um conto de terror. O que aconteceu com Alaidinha é um alerta para todos os que estudam a Doutrina dos Espíritos. Ficamos muito tristes quando ouvimos expositores e médiuns pregando uma doutrina de medo, que diz que todos vão para o umbral sem uma explicação sequer, só afirmando que todos têm de passar pelo umbral.
— E não é verdade? indaguei.
— Passam, nós mesmos estamos trabalhando nele. Mas poucos ficam durante anos nos vales de sofrimento. Quase todas as colônias de socorro estão nos umbrais, onde os espíritos são hospitalizados, tratados e têm condição de trabalhar. Para outras religiões existem o inferno e as penas eternas. Para a Terceira Revelação, que é a Doutrina Espírita, "há muitas moradas na casa do Pai" e os umbrais são zonas de sofrimento, por onde os espíritos imperfeitos irão passando de acordo com a sua vibração espiritual. Existem os vales de sofrimento, os vales dos ovóides, enfim, vários lugares, mas não conhecemos o "inferno" nem o umbral por onde dizem que obrigatoriamente todos têm de passar.
— Enrico, já trabalhamos em lugares horríveis, o "inferno" mesmo...
— Tais lugares existem, mas junto a eles Jesus sempre está dando a Sua assistência, e quem se propõe a dali sair logo é ajudado. Falamos isso porque estamos vendo que na Doutrina Espírita — o Consolador prometido por Jesus, uma Doutrina sem dogmas, sem talismãs, sem crendices, sem amuletos, sem estátuas — muitos espíritas invigilantes estão colocando a bandeira do medo, do terror, dizendo, ao encontrar um sofrido homem, que ele está cumprindo pena expiatória; que a mulher que leva uma surra do marido está cumprindo com os desígnios de Deus; que o filho que agride os pais é porque é um inimigo do passado.
— E não é, Enrico?
— Não, não é. Existe a lei de ação e reação. O Consolador veio para explicar o que Cristo ainda não podia esclarecer, por estarem as criaturas na infância da Humanidade. A Doutrina ensina ao homem o quanto Deus é justo, o quanto o homem é amado por Ele, por ser Seu filho.
— Para você, Enrico, não existe "carma"?
— Nem conhecemos essa palavra. Para nós o que existe é a bondade de Deus manifestada sobre todas as Suas criaturas.
Cada ser tem um livro de sua vida, no qual escreve com os sentimentos que carrega no coração. A reencarnação é o reencontro de tudo o que deixamos ontem, mas não é por isso que temos de pagar nossas dívidas de maneira dura e cruel para aliviarmos as partes envolvidas. O homem recebe de Deus uma consciência adormecida e seu espírito aprendeu nas aulas da espiritualidade que precisa ser bom. E vai buscar o inimigo de ontem. Ambos terão oportunidade de pagar suas contas pretéritas com trabalho, com lealdade, com amor. Caso contrário, se ao se reencontrarem iniciarem as mesmas brigas, os mesmos erros, ou se buscarem as noitadas, as orgias da vida, caminharão para a estrada da dor. Mas a todos Deus oferta uma nova oportunidade para que os faltosos se redimam e não que matem quem os matou ontem.
— Entendi, entendi, entendi.
— Por isso sempre aconselhamos: quem não tem ainda condição de oferecer a verdade do Cristo, através da Doutrina, deve ficar com as palavras de consolação. Quem está sofrendo não vai gostar de ouvir sobre débitos passados, não vai entender o que é obsessão. O sofredor está em busca de amor e de paz. Há hora certa para se falar de sofrimento, de provas, de expiações e não quando somos chamados a consolar quem está sofrendo. O que deve fazer um grupo ao levar o consolo a quem está passando pela dor da saudade? Orar, cantar músicas espíritas de fundo evangélico, ler alguns livros consoladores, jamais emitir opiniões próprias. Falar o menos possível. Quem está sofrendo precisa de amparo; melhor é um forte abraço do que palavras vãs.
— Enrico, a Doutrina Espírita ainda não é conhecida por alguns que dizem pertencer a ela.
— Tem razão, Luiz Sérgio, o homem, quando se torna espírita e permanece espírita verdadeiro, já abdicou de tudo o que é antídoutrinário, o que muitos não conseguem. Algumas religiões apresentam coisas palpáveis; oração para amansar marido, velas, amuletos, talismãs etc. A Doutrina só oferece uma seta que indica o caminho que vai ao Pai: o caminho de Jesus. E o homem gosta de sentir algo de concreto, que lhe faça companhia. A Doutrina dá mais que isso, só que aquele que a descobre tem de buscar Deus. É Ele, o Pai nosso de cada dia, que nos mostra os nossos erros. A luta do homem espírita não é com o próximo, é consigo mesmo, sempre buscando a consciência, único amparo verdadeiro, onde está contido o Decálogo, os mandamentos da Lei de Deus. O homem que o respeita e procura viver de acordo com ele tem mais do que amuletos, tem a Verdade que o liberta do corpo físico, fazendo dele um homem de bem. Por isso somos tão poucos...

— A Doutrina não permite muita coisa, não é, Enrico?
— Luiz, na Doutrina se respeita o livre-arbítrio, agora, nem tudo o que queremos fazer é certo e, como espíritas, conhecemos os erros e os acertos. Se erramos, erramos conscientemente.
Calei-me, para melhor fixar os ensinamentos.

  

Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado

2a Edição • 1997

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