A Fé Ativa construindo uma Nova Era 17 A
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa
Terceiro Diálogo – O Padre
(Allan
Kardec, in “O que é o Espiritismo?”)
Padre. — Assim, o
católico fervoroso, que escrupulosamente cumpre com os deveres do seu culto,
não é censurado pelos Espíritos?
A. K. — Não, se
isso é para ele uma questão de consciência, se ele o faz com sinceridade; sim,
mil vezes sim, se for hipócrita, se só tiver piedade aparente. Os Espíritos
superiores, os encarregados do progresso da Humanidade, declararam-se contra
todos os abusos que podem retardar esse progresso, qualquer que seja a natureza
deles e quaisquer que sejam os indivíduos ou as classes que deles se
aproveitem. Ora, não se pode negar que a religião nem sempre esteve isenta de
abusos; se, entre os seus ministros, há muitos que desempenham sua missão com
devotamento inteiramente cristão, que a fazem grande, bela e respeitável,
convireis que nem todos assim sempre compreenderam a santidade do seu
ministério. Os Espíritos combatem o mal, onde quer que ele se ache; mas,
assinalar os abusos da religião, será atacá-la? Ela não tem inimigos piores que
aqueles que defendem esses abusos, abusos que fazem nascer o pensamento de
poder ser ela substituída por outra melhor. Se a religião corresse qualquer perigo,
deveria a responsabilidade cair sobre os que dão dela falsa ideia,
transformando-a em arena de paixões humanas e explorando-a em proveito de sua
ambição.
Padre. — Dissestes
que o Espiritismo não discute os dogmas, e, entretanto, ele admite certos pontos
combatidos pela Igreja, tais como, por exemplo, a reencarnação, a aparição do
homem na Terra, antes de Adão; nega a eternidade das penas, a existência dos
demônios, o purgatório e o fogo do inferno. A. K. — Já de há muito que esses
pontos estão sendo discutidos; não foi o Espiritismo quem os pôs em litígio;
são pontos sobre alguns dos quais há controvérsia, mesmo entre os teólogos, e
que só o futuro julgará. Um grande princípio domina a todos: a prática do bem,
que é a lei superior, a condição sine qua non do nosso futuro, como no-lo prova
o estado dos Espíritos que conosco se comunicam. Enquanto a luz não se faz para
vós sobre essas questões, crede, se o quiserdes, nas chamas e torturas
materiais, se julgais que isso impede que pratiqueis o mal; essa crença, porém,
não as tornará mais reais se elas não existirem. Acreditais que não temos mais
de uma existência corporal, mas isto não impede de renascerdes aqui ou em outra
parte, se assim tiver de ser, apesar de o não quererdes; credes que o mundo
todo foi criado em seis vezes vinte e quatro horas, mas, apesar disso, a Terra
nos apresenta a prova do contrário, escrita em suas camadas geológicas; estais
convencido de haver Josué feito parar o Sol, o que não dá lugar a que deixe de
ser a Terra que gira; dizeis que a data da vinda do homem à Terra não vai além
de 6.000 anos: isto, porém, não priva que os fatos vos contradigam. E que
direis se um dia a Geologia demonstrar, por traços patentes, a anterioridade do
homem, como já tem demonstrado tantas outras coisas? Crede, pois, em tudo que
vos aprouver, mesmo na existência do diabo, se tal crença vos puder tornar bom,
humano e caridoso para com os vossos semelhantes. O Espiritismo, como doutrina
moral, só impõe uma coisa: a necessidade de fazer o bem e evitar o mal. É uma
ciência de observação que, repito, tem consequências morais, que são a
confirmação e a prova dos grandes princípios da religião; quanto às questões
secundárias, ele as abandona à consciência de cada um. Notai bem, reverendo,
que alguns dos pontos divergentes de que acabastes de falar, não são, em
princípio, contestados pelo Espiritismo. Se tivésseis lido tudo quanto tenho
escrito a respeito, teríeis visto que ele se limita a dar-lhes uma
interpretação mais lógica e racional do que a que vulgarmente se lhes dá.
É assim, por
exemplo, que ele não nega o purgatório; antes, pelo contrário, demonstra sua
necessidade e justiça; vai mesmo além: ele o define. O inferno foi descrito
como imensa fornalha, mas ele será assim também compreendido pela alta teologia?
Evidentemente, não; ela diz muito bem que isto é uma simples figura; que o fogo
que ali se consome é um fogo moral, símbolo das maiores dores. Quanto à
eternidade das penas, se fosse possível pôr-se a votos tal questão, para se
conhecer a opinião íntima de todos os homens que raciocinam e se acham no caso
de compreendê-la, mesmo entre os mais religiosos se veria para que lado
penderia a maioria, porque a ideia de uma eternidade de suplícios é a negação
da infinita misericórdia de Deus. Eis, demais, o que avança a Doutrina Espírita
a tal respeito: A duração do castigo é subordinada ao melhoramento do Espírito
culpado. Nenhuma condenação por tempo determinado é pronunciada contra ele. O
que Deus exige, para pôr um termo aos sofrimentos, é o arrependimento, a
expiação e a reparação; em uma palavra, um melhoramento sério e efetivo, uma
volta sincera ao bem. O Espírito é assim o árbitro de sua própria sorte; sua
pertinácia no mal prolonga-lhe os sofrimentos; seus esforços para fazer o bem
os minoram ou abreviam. Sendo a duração da pena subordinada ao arrependimento,
o Espírito culpado, que não se arrependesse e nunca se melhorasse, sofreria
sempre, e para ele então a pena seria eterna. Essa eternidade de penas deve ser
entendida no sentido relativo e não no absoluto. Uma condição inerente à
inferioridade do Espírito é não ver o termo da sua situação e crer que há de
sofrer sempre — o que é para ele um castigo. Desde que, porém, sua alma se abra
ao arrependimento, Deus lhe faz entrever um raio de esperança. Esta doutrina é,
por certo, mais conforme à justiça de Deus, que pune, enquanto o culpado
persiste no mal, e concede-lhe graça desde que ele volte ao bom caminho.
Quem imaginou essa
teoria? Seríamos nós?
Não; são os
Espíritos que a ensinam e provam, pelos exemplos que diariamente nos fornecem.
Os Espíritos não negam, pois, as penas futuras, pois que são eles mesmos que
nos vêm descrever seus próprios sofrimentos; e este quadro nos toca mais que o
das chamas perpétuas, porque tudo nele é perfeitamente lógico. Compreende-se
que isto é possível, que assim deve ser, que essa situação é uma consequência
natural das coisas; o pensador filósofo pode aceita-lo, porque nele nada
repugna à razão. Eis por que as crenças espíritas têm conduzido ao bem muita
gente, mesmo entre os materialistas, aos quais não fazia mossa o medo do
inferno, como lhes era pintado.
Padre. — Admitindo
esse raciocínio, não julgais que o vulgo precisa de imagens mais
impressionantes, antes que de uma filosofia que ele não pode compreender?
A. K. — É isso um
erro que tem lançado mais de um homem no materialismo, ou, pelo menos, afastado
mais de um homem da religião. Chega o momento em que essas imagens não
impressionam mais, e então aqueles que não aprofundam as coisas, não aceitando
uma parte, rejeitam o todo, porque, dizem eles: se me ensinaram como verdade
incontestável um ponto que é falso, se me deram uma imagem, uma figura, pela
realidade, quem me afiança que o resto seja verdadeiro? Se, pelo contrário, a
razão, crescendo, nada tem a repelir, a fé se fortifica. A religião ganhará
sempre em seguir o progresso das ideias; se alguma vez ela corre perigo, é
quando os homens querem avançar e ela deseja ficar estacionária. Comete um erro
de época quem espera conduzir os homens de hoje pelo medo do demônio e das
torturas eternas.
Padre. — A Igreja,
com efeito, reconhece hoje que o inferno material é uma figura; mas isso não
exclui a existência dos demônios; sem eles, como explicar a influência do mal,
que não pode vir de Deus?
A. K. — O
Espiritismo não admite os demônios no sentido vulgar da palavra, porém, sim, os
maus Espíritos, que não valem mais do que aqueles e que fazem igualmente o mal,
suscitando maus pensamentos; somente ele diz não serem eles seres à parte,
criados para o mal e perpetuamente votados a isto, espécie de párias da criação
e algozes do gênero humano; são seres atrasados, ainda imperfeitos, mas aos
quais Deus reservará o futuro. Nisso concorda o Espiritismo com a Igreja
Católica Grega, que admite a conversão de Satã, alusão ao melhoramento dos maus
Espíritos.
Notai também que a
palavra demônio não implica a ideia de mau Espírito, que lhe é dada pela
acepção moderna, porque a palavra daimôn, grega, significa gênio, inteligência.
Seja como for, hoje ela exprime um Espírito mau. Ora, admitir a comunicação dos
maus Espíritos é reconhecer, em princípio, a realidade das manifestações. A
questão está em saber se são eles os únicos que se comunicam, como afirma a
Igreja para motivar a proibição, feita por ela, de se comunicar com os
Espíritos. Aqui, nós invocamos o raciocínio e os fatos. Se os Espíritos,
quaisquer que eles sejam, se comunicam, não pode ser senão com a permissão de
Deus; é possível que Ele só o tivesse permitido aos maus? Como?!
Deixando a estes
toda a liberdade de virem enganar os homens, Deus poderia impedir que os bons
lhes viessem fazer um contrapeso, neutralizar suas doutrinas perniciosas? Crer
que seja assim, não seria pôr em dúvida seu poder e bondade, e fazer de Satã um
rival da Divindade? A Bíblia, o Evangelho, os Padres da Igreja reconhecem
perfeitamente a possibilidade das comunicações com o mundo invisível, e desse
mundo não estão excluídos os bons; por que, pois, havemos hoje de excluí-los?
Além disso, a Igreja, admitindo a autenticidade de certas aparições e
comunicações de santos, rejeita assim a ideia de só podermos entrar em relação
com os maus Espíritos.
Seguramente,
quando nos trabalhos obtidos só encontramos coisas boas, quando nos pregam
neles a mais pura e sublime moral evangélica, a abnegação, o desinteresse e o amor
ao próximo; quando neles se combate o mal, qualquer que seja o aspecto sobre
que se mostre, será racional crer que o Espírito maligno assim proceda?
Padre. — O
Evangelho ensina que o anjo das trevas, ou Satã, se transforma em anjo de luz
para seduzir os homens.
A. K. — Satã,
segundo o Espiritismo e a opinião de muitos filósofos cristãos, não é um ser
real; é a personificação do Mal, como Saturno era outrora a do Tempo. A Igreja
apega-se à letra dessa figura alegórica; é uma questão de opinião que eu não
discutirei. Admitamos, por um instante, que Satã seja um ser real; a Igreja, à
força de exagerar seu poder, tendo em vista intimidar, chega a um resultado
totalmente contrário, isto é, à destruição, não somente do medo, mas também da
crença em tal personagem, segundo o provérbio: Quem muito quer provar, nada
prova. Ela o representa como eminentemente fino, sagaz e ardiloso, mas, na
questão do Espiritismo, fá-lo desempenhar o papel de louco ou de tolo. Uma vez
que seu fim é alimentar de vítimas o inferno e arrebatar almas do poder de
Deus, compreende-se que se dirija àqueles que estão no bem para induzi-los ao
mal, e, para tal fim, se veja obrigado a transformar-se, segundo belíssima
alegoria, em anjo de luz, isto é, que ele hipocritamente simule a virtude; mas,
que deixe escapar aqueles que já estavam em suas redes, é o que não se pode
compreender. Os que não admitem Deus nem a alma, que desprezam a prece e vivem
mergulhados no vício, são dele, quanto é possível ser-se; nada mais lhe resta
fazer para sepultá-los no lamaçal; ora, excitá-los a voltar a Deus, a orar, a
submeter-se à vontade do Criador, animá-los a renunciar ao mal, mostrando-lhes
a felicidade dos escolhidos e a triste sorte que aguarda os maus, seria ato de
um simplório, mais estúpido que o de dar liberdade a aves que estejam numa
gaiola, com o pensamento de apanhá-las de novo. Há, pois, na doutrina da
comunicação exclusiva dos demônios uma contradição que fere todo homem sensato;
nunca se persuadirá alguém que os Espíritos que reconduzem a Deus aqueles que o
renegavam, ao bem os que praticavam o mal; que consolam os aflitos, dão força e
coragem aos fracos; que, pela sublimidade de seus ensinos, elevam a alma acima
da vida material, sejam auxiliares de Satã, e que, por este motivo, se deva
interdizer-nos qualquer relação com o mundo invisível.
Padre. — Se a
Igreja proíbe as comunicações com os Espíritos dos mortos, é porque elas são
contrárias à religião, como sendo formalmente condenadas pelo Evangelho e por
Moisés. Este último, pronunciando a pena de morte contra essas práticas, prova
quanto elas são repreensíveis aos olhos de Deus.
A. K. — Peço-vos
perdão, mas essa proibição não se encontra em parte alguma do Evangelho; ela se
acha somente na lei mosaica. Trata-se de saber se a Igreja coloca a lei mosaica
acima da evangélica; assim será, por certo, se ela for mais judia que cristã.
Devemos mesmo notar que, de todas as religiões, é a judaica a que faz menos
oposição ao Espiritismo, contra cujas evocações ela não invocou a lei de
Moisés, em que se apoiam as seitas cristãs. Se as prescrições bíblicas são o
código da fé cristã, por que proíbem a leitura da Bíblia? Que diriam se se
proibisse a um cidadão o estudo do código das leis do seu pais? A proibição
feita por Moisés tinha então a sua razão de ser, porque o legislador hebreu
queria que o seu povo rompesse com todos os hábitos trazidos do Egito, e de
entre os quais o de que tratamos era objeto de abusos. Não se evocava então os
mortos pelo respeito e afeição tributados a eles, nem com o sentimento de
piedade, mas, sim, como meio de adivinhar, como objeto de tráfico vergonhoso,
explorado pelo charlatanismo e pela superstição; nessas condições, Moisés teve
razão de proibi-lo. Se ele pronunciou contra esse abuso uma penalidade severa,
é que eram precisos meios rigorosos para conter esse povo indisciplinado;
também quanto à pena de morte, era pródiga a sua legislação. É, pois, um erro
apoiar-se na severidade do castigo para provar-se o grau de culpabilidade da
evocação dos mortos. Se a interdição da evocação aos mortos vem do próprio
Deus, como a Igreja pretende, deve também ser Deus quem marcou a pena de morte
contra os delinquentes. Esta pena passa a ter uma origem tão sagrada como a
interdição; neste caso, por que não a conservam também? Todas as leis de Moisés
são promulgadas em nome e por ordem de Deus; se creem que Deus seja o autor
delas, por que não as observam ainda? Se a lei de Moisés é para a Igreja um
artigo de fé sobre um ponto, por que deixa de sê-lo sobre os outros todos? Por
que recorrem a ela naquilo de que precisam, e repelem-na no que não julgam
conveniente? Qual o motivo de não seguirem todas as suas prescrições, entre
outras a da circuncisão, a que Jesus se sujeitou e que não aboliu? Havia na lei
mosaica duas partes:
1.ª, a lei de Deus,
resumida nas tábuas do Sinai; lei que foi conservada porque é divina, e o
Cristo não fez mais que desenvolvê-la;
2.ª, a lei civil
ou disciplinar, apropriada aos costumes do tempo, e que o Cristo aboliu. Hoje
as circunstâncias são outras, e a proibição de Moisés já não tem razão de ser.
Além disso, se a Igreja proíbe a evocação dos Espíritos, poderá também impedir
que eles venham sem ser chamados? Não estamos vendo diariamente manifestações
de todos os gêneros, entre pessoas que nunca se ocuparam com o Espiritismo? E
antes de ele ser divulgado não se davam tantas delas? Outra contradição: Se
Moisés proibiu evocar os Espíritos dos mortos, é uma prova de que eles podem
vir; do contrário essa interdição seria inútil. Se, em seu tempo, podiam eles
entrar em relação com os homens, ainda hoje o podem, e, se são Espíritos de
mortos, não são exclusivamente demônios. Antes de tudo, devemos ser lógicos.
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