quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Fé Ativa construindo uma Nova Era 17A #Terceiro Diálogo – O Padre

A Fé Ativa construindo uma Nova Era 17 A

Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa

Terceiro Diálogo – O Padre

 (Allan Kardec, in “O que é o Espiritismo?”)

Padre. — Assim, o católico fervoroso, que escrupulosamente cumpre com os deveres do seu culto, não é censurado pelos Espíritos?

A. K. — Não, se isso é para ele uma questão de consciência, se ele o faz com sinceridade; sim, mil vezes sim, se for hipócrita, se só tiver piedade aparente. Os Espíritos superiores, os encarregados do progresso da Humanidade, declararam-se contra todos os abusos que podem retardar esse progresso, qualquer que seja a natureza deles e quaisquer que sejam os indivíduos ou as classes que deles se aproveitem. Ora, não se pode negar que a religião nem sempre esteve isenta de abusos; se, entre os seus ministros, há muitos que desempenham sua missão com devotamento inteiramente cristão, que a fazem grande, bela e respeitável, convireis que nem todos assim sempre compreenderam a santidade do seu ministério. Os Espíritos combatem o mal, onde quer que ele se ache; mas, assinalar os abusos da religião, será atacá-la? Ela não tem inimigos piores que aqueles que defendem esses abusos, abusos que fazem nascer o pensamento de poder ser ela substituída por outra melhor. Se a religião corresse qualquer perigo, deveria a responsabilidade cair sobre os que dão dela falsa ideia, transformando-a em arena de paixões humanas e explorando-a em proveito de sua ambição.

Padre. — Dissestes que o Espiritismo não discute os dogmas, e, entretanto, ele admite certos pontos combatidos pela Igreja, tais como, por exemplo, a reencarnação, a aparição do homem na Terra, antes de Adão; nega a eternidade das penas, a existência dos demônios, o purgatório e o fogo do inferno. A. K. — Já de há muito que esses pontos estão sendo discutidos; não foi o Espiritismo quem os pôs em litígio; são pontos sobre alguns dos quais há controvérsia, mesmo entre os teólogos, e que só o futuro julgará. Um grande princípio domina a todos: a prática do bem, que é a lei superior, a condição sine qua non do nosso futuro, como no-lo prova o estado dos Espíritos que conosco se comunicam. Enquanto a luz não se faz para vós sobre essas questões, crede, se o quiserdes, nas chamas e torturas materiais, se julgais que isso impede que pratiqueis o mal; essa crença, porém, não as tornará mais reais se elas não existirem. Acreditais que não temos mais de uma existência corporal, mas isto não impede de renascerdes aqui ou em outra parte, se assim tiver de ser, apesar de o não quererdes; credes que o mundo todo foi criado em seis vezes vinte e quatro horas, mas, apesar disso, a Terra nos apresenta a prova do contrário, escrita em suas camadas geológicas; estais convencido de haver Josué feito parar o Sol, o que não dá lugar a que deixe de ser a Terra que gira; dizeis que a data da vinda do homem à Terra não vai além de 6.000 anos: isto, porém, não priva que os fatos vos contradigam. E que direis se um dia a Geologia demonstrar, por traços patentes, a anterioridade do homem, como já tem demonstrado tantas outras coisas? Crede, pois, em tudo que vos aprouver, mesmo na existência do diabo, se tal crença vos puder tornar bom, humano e caridoso para com os vossos semelhantes. O Espiritismo, como doutrina moral, só impõe uma coisa: a necessidade de fazer o bem e evitar o mal. É uma ciência de observação que, repito, tem consequências morais, que são a confirmação e a prova dos grandes princípios da religião; quanto às questões secundárias, ele as abandona à consciência de cada um. Notai bem, reverendo, que alguns dos pontos divergentes de que acabastes de falar, não são, em princípio, contestados pelo Espiritismo. Se tivésseis lido tudo quanto tenho escrito a respeito, teríeis visto que ele se limita a dar-lhes uma interpretação mais lógica e racional do que a que vulgarmente se lhes dá.

É assim, por exemplo, que ele não nega o purgatório; antes, pelo contrário, demonstra sua necessidade e justiça; vai mesmo além: ele o define. O inferno foi descrito como imensa fornalha, mas ele será assim também compreendido pela alta teologia? Evidentemente, não; ela diz muito bem que isto é uma simples figura; que o fogo que ali se consome é um fogo moral, símbolo das maiores dores. Quanto à eternidade das penas, se fosse possível pôr-se a votos tal questão, para se conhecer a opinião íntima de todos os homens que raciocinam e se acham no caso de compreendê-la, mesmo entre os mais religiosos se veria para que lado penderia a maioria, porque a ideia de uma eternidade de suplícios é a negação da infinita misericórdia de Deus. Eis, demais, o que avança a Doutrina Espírita a tal respeito: A duração do castigo é subordinada ao melhoramento do Espírito culpado. Nenhuma condenação por tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige, para pôr um termo aos sofrimentos, é o arrependimento, a expiação e a reparação; em uma palavra, um melhoramento sério e efetivo, uma volta sincera ao bem. O Espírito é assim o árbitro de sua própria sorte; sua pertinácia no mal prolonga-lhe os sofrimentos; seus esforços para fazer o bem os minoram ou abreviam. Sendo a duração da pena subordinada ao arrependimento, o Espírito culpado, que não se arrependesse e nunca se melhorasse, sofreria sempre, e para ele então a pena seria eterna. Essa eternidade de penas deve ser entendida no sentido relativo e não no absoluto. Uma condição inerente à inferioridade do Espírito é não ver o termo da sua situação e crer que há de sofrer sempre — o que é para ele um castigo. Desde que, porém, sua alma se abra ao arrependimento, Deus lhe faz entrever um raio de esperança. Esta doutrina é, por certo, mais conforme à justiça de Deus, que pune, enquanto o culpado persiste no mal, e concede-lhe graça desde que ele volte ao bom caminho.

Quem imaginou essa teoria? Seríamos nós?

Não; são os Espíritos que a ensinam e provam, pelos exemplos que diariamente nos fornecem. Os Espíritos não negam, pois, as penas futuras, pois que são eles mesmos que nos vêm descrever seus próprios sofrimentos; e este quadro nos toca mais que o das chamas perpétuas, porque tudo nele é perfeitamente lógico. Compreende-se que isto é possível, que assim deve ser, que essa situação é uma consequência natural das coisas; o pensador filósofo pode aceita-lo, porque nele nada repugna à razão. Eis por que as crenças espíritas têm conduzido ao bem muita gente, mesmo entre os materialistas, aos quais não fazia mossa o medo do inferno, como lhes era pintado.

Padre. — Admitindo esse raciocínio, não julgais que o vulgo precisa de imagens mais impressionantes, antes que de uma filosofia que ele não pode compreender?

A. K. — É isso um erro que tem lançado mais de um homem no materialismo, ou, pelo menos, afastado mais de um homem da religião. Chega o momento em que essas imagens não impressionam mais, e então aqueles que não aprofundam as coisas, não aceitando uma parte, rejeitam o todo, porque, dizem eles: se me ensinaram como verdade incontestável um ponto que é falso, se me deram uma imagem, uma figura, pela realidade, quem me afiança que o resto seja verdadeiro? Se, pelo contrário, a razão, crescendo, nada tem a repelir, a fé se fortifica. A religião ganhará sempre em seguir o progresso das ideias; se alguma vez ela corre perigo, é quando os homens querem avançar e ela deseja ficar estacionária. Comete um erro de época quem espera conduzir os homens de hoje pelo medo do demônio e das torturas eternas.

Padre. — A Igreja, com efeito, reconhece hoje que o inferno material é uma figura; mas isso não exclui a existência dos demônios; sem eles, como explicar a influência do mal, que não pode vir de Deus?

A. K. — O Espiritismo não admite os demônios no sentido vulgar da palavra, porém, sim, os maus Espíritos, que não valem mais do que aqueles e que fazem igualmente o mal, suscitando maus pensamentos; somente ele diz não serem eles seres à parte, criados para o mal e perpetuamente votados a isto, espécie de párias da criação e algozes do gênero humano; são seres atrasados, ainda imperfeitos, mas aos quais Deus reservará o futuro. Nisso concorda o Espiritismo com a Igreja Católica Grega, que admite a conversão de Satã, alusão ao melhoramento dos maus Espíritos.

Notai também que a palavra demônio não implica a ideia de mau Espírito, que lhe é dada pela acepção moderna, porque a palavra daimôn, grega, significa gênio, inteligência. Seja como for, hoje ela exprime um Espírito mau. Ora, admitir a comunicação dos maus Espíritos é reconhecer, em princípio, a realidade das manifestações. A questão está em saber se são eles os únicos que se comunicam, como afirma a Igreja para motivar a proibição, feita por ela, de se comunicar com os Espíritos. Aqui, nós invocamos o raciocínio e os fatos. Se os Espíritos, quaisquer que eles sejam, se comunicam, não pode ser senão com a permissão de Deus; é possível que Ele só o tivesse permitido aos maus? Como?!

Deixando a estes toda a liberdade de virem enganar os homens, Deus poderia impedir que os bons lhes viessem fazer um contrapeso, neutralizar suas doutrinas perniciosas? Crer que seja assim, não seria pôr em dúvida seu poder e bondade, e fazer de Satã um rival da Divindade? A Bíblia, o Evangelho, os Padres da Igreja reconhecem perfeitamente a possibilidade das comunicações com o mundo invisível, e desse mundo não estão excluídos os bons; por que, pois, havemos hoje de excluí-los? Além disso, a Igreja, admitindo a autenticidade de certas aparições e comunicações de santos, rejeita assim a ideia de só podermos entrar em relação com os maus Espíritos.

Seguramente, quando nos trabalhos obtidos só encontramos coisas boas, quando nos pregam neles a mais pura e sublime moral evangélica, a abnegação, o desinteresse e o amor ao próximo; quando neles se combate o mal, qualquer que seja o aspecto sobre que se mostre, será racional crer que o Espírito maligno assim proceda?

Padre. — O Evangelho ensina que o anjo das trevas, ou Satã, se transforma em anjo de luz para seduzir os homens.

A. K. — Satã, segundo o Espiritismo e a opinião de muitos filósofos cristãos, não é um ser real; é a personificação do Mal, como Saturno era outrora a do Tempo. A Igreja apega-se à letra dessa figura alegórica; é uma questão de opinião que eu não discutirei. Admitamos, por um instante, que Satã seja um ser real; a Igreja, à força de exagerar seu poder, tendo em vista intimidar, chega a um resultado totalmente contrário, isto é, à destruição, não somente do medo, mas também da crença em tal personagem, segundo o provérbio: Quem muito quer provar, nada prova. Ela o representa como eminentemente fino, sagaz e ardiloso, mas, na questão do Espiritismo, fá-lo desempenhar o papel de louco ou de tolo. Uma vez que seu fim é alimentar de vítimas o inferno e arrebatar almas do poder de Deus, compreende-se que se dirija àqueles que estão no bem para induzi-los ao mal, e, para tal fim, se veja obrigado a transformar-se, segundo belíssima alegoria, em anjo de luz, isto é, que ele hipocritamente simule a virtude; mas, que deixe escapar aqueles que já estavam em suas redes, é o que não se pode compreender. Os que não admitem Deus nem a alma, que desprezam a prece e vivem mergulhados no vício, são dele, quanto é possível ser-se; nada mais lhe resta fazer para sepultá-los no lamaçal; ora, excitá-los a voltar a Deus, a orar, a submeter-se à vontade do Criador, animá-los a renunciar ao mal, mostrando-lhes a felicidade dos escolhidos e a triste sorte que aguarda os maus, seria ato de um simplório, mais estúpido que o de dar liberdade a aves que estejam numa gaiola, com o pensamento de apanhá-las de novo. Há, pois, na doutrina da comunicação exclusiva dos demônios uma contradição que fere todo homem sensato; nunca se persuadirá alguém que os Espíritos que reconduzem a Deus aqueles que o renegavam, ao bem os que praticavam o mal; que consolam os aflitos, dão força e coragem aos fracos; que, pela sublimidade de seus ensinos, elevam a alma acima da vida material, sejam auxiliares de Satã, e que, por este motivo, se deva interdizer-nos qualquer relação com o mundo invisível.

Padre. — Se a Igreja proíbe as comunicações com os Espíritos dos mortos, é porque elas são contrárias à religião, como sendo formalmente condenadas pelo Evangelho e por Moisés. Este último, pronunciando a pena de morte contra essas práticas, prova quanto elas são repreensíveis aos olhos de Deus.

A. K. — Peço-vos perdão, mas essa proibição não se encontra em parte alguma do Evangelho; ela se acha somente na lei mosaica. Trata-se de saber se a Igreja coloca a lei mosaica acima da evangélica; assim será, por certo, se ela for mais judia que cristã. Devemos mesmo notar que, de todas as religiões, é a judaica a que faz menos oposição ao Espiritismo, contra cujas evocações ela não invocou a lei de Moisés, em que se apoiam as seitas cristãs. Se as prescrições bíblicas são o código da fé cristã, por que proíbem a leitura da Bíblia? Que diriam se se proibisse a um cidadão o estudo do código das leis do seu pais? A proibição feita por Moisés tinha então a sua razão de ser, porque o legislador hebreu queria que o seu povo rompesse com todos os hábitos trazidos do Egito, e de entre os quais o de que tratamos era objeto de abusos. Não se evocava então os mortos pelo respeito e afeição tributados a eles, nem com o sentimento de piedade, mas, sim, como meio de adivinhar, como objeto de tráfico vergonhoso, explorado pelo charlatanismo e pela superstição; nessas condições, Moisés teve razão de proibi-lo. Se ele pronunciou contra esse abuso uma penalidade severa, é que eram precisos meios rigorosos para conter esse povo indisciplinado; também quanto à pena de morte, era pródiga a sua legislação. É, pois, um erro apoiar-se na severidade do castigo para provar-se o grau de culpabilidade da evocação dos mortos. Se a interdição da evocação aos mortos vem do próprio Deus, como a Igreja pretende, deve também ser Deus quem marcou a pena de morte contra os delinquentes. Esta pena passa a ter uma origem tão sagrada como a interdição; neste caso, por que não a conservam também? Todas as leis de Moisés são promulgadas em nome e por ordem de Deus; se creem que Deus seja o autor delas, por que não as observam ainda? Se a lei de Moisés é para a Igreja um artigo de fé sobre um ponto, por que deixa de sê-lo sobre os outros todos? Por que recorrem a ela naquilo de que precisam, e repelem-na no que não julgam conveniente? Qual o motivo de não seguirem todas as suas prescrições, entre outras a da circuncisão, a que Jesus se sujeitou e que não aboliu? Havia na lei mosaica duas partes:

1.ª, a lei de Deus, resumida nas tábuas do Sinai; lei que foi conservada porque é divina, e o Cristo não fez mais que desenvolvê-la;


2.ª, a lei civil ou disciplinar, apropriada aos costumes do tempo, e que o Cristo aboliu. Hoje as circunstâncias são outras, e a proibição de Moisés já não tem razão de ser. Além disso, se a Igreja proíbe a evocação dos Espíritos, poderá também impedir que eles venham sem ser chamados? Não estamos vendo diariamente manifestações de todos os gêneros, entre pessoas que nunca se ocuparam com o Espiritismo? E antes de ele ser divulgado não se davam tantas delas? Outra contradição: Se Moisés proibiu evocar os Espíritos dos mortos, é uma prova de que eles podem vir; do contrário essa interdição seria inútil. Se, em seu tempo, podiam eles entrar em relação com os homens, ainda hoje o podem, e, se são Espíritos de mortos, não são exclusivamente demônios. Antes de tudo, devemos ser lógicos.

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