A Fé Ativa construindo uma Nova Era 17 B
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa
Terceiro Diálogo – O Padre
(Allan
Kardec, in “O que é o Espiritismo?”)
Padre. — A Igreja
não nega que bons Espíritos possam comunicar-se, pois reconhece que os santos
também se têm manifestado; ela, porém, não considera bons aqueles que vêm
contradizer seus princípios imutáveis. Os Espíritos ensinam, é verdade, que há
penas e recompensas futuras, porém, de modo diverso do que ela ensina; só ela
pode julgar o que eles pregam e, portanto, distinguir os bons dos maus.
A. K. — Eis a
magna questão. Galileu foi acusado de heresia e de ser inspirado pelo demônio,
porque vinha revelar uma lei da Natureza, provando o erro de uma crença julgada
inatacável, e, então, foi condenado e excomungado. Se os Espíritos tivessem,
sobre todos os pontos, abundado no sentido exclusivo da Igreja, se eles não
proclamassem a liberdade de consciência e não condenassem certos abusos, teriam
sido todos bem-vindos e não os qualificariam de demônios. Tal é também a razão
por que todas as religiões, os muçulmanos como os católicos, crendo-se na posse
exclusiva da verdade absoluta, olham como obra do demônio qualquer doutrina que
não é inteiramente ortodoxa, do seu ponto de vista. Ora, os Espíritos vêm, não
derribar a religião, mas, como Galileu, revelar-nos novas leis da Natureza. Se
alguns pontos de fé sofrem com isto, é porque, como na velha crença de girar o
Sol ao redor da Terra, estão em contradição com essas leis. A questão está em
saber se um artigo de fé pode anular uma lei natural, que é obra de Deus; e se,
sendo essa lei reconhecida, não será mais racional adaptar a interpretação do
dogma a ela, do que atribuí-la ao demônio.
Padre. — Deixemos
a questão dos demônios; bem sei que ela é diversamente interpretada pelos
teólogos; porém o sistema da reencarnação parece-me mais difícil de conciliar
com os dogmas, pois que ele não é mais que a renovação da metempsicose de
Pitágoras.
A. K. — Não é esta
a ocasião própria de discutir uma questão que exige tão longos desenvolvimentos:
vós a encontrareis tratada em O Livro dos Espíritos e no Evangelho segundo o
Espiritismo (vede O Livro dos Espíritos, n.° 166 e seg., 222 e seg. e 1.010; O
Evangelho, caps. IV e V); não acrescentarei senão duas palavras. A metempsicose
dos antigos consistia na transmigração da alma do homem nos animais, o que
implica uma degradação. Demais, essa doutrina não era o que vulgarmente se crê.
A transmigração pelos corpos dos animais não era considerada como condição
inerente à natureza da alma humana, mas como punição temporária; é assim que se
admitia que as almas dos assassinos iam habitar os corpos dos animais ferozes,
para neles receberem castigos; as dos impudicos, os porcos e javalis; as dos
inconstantes e estouvados, os das aves; as dos preguiçosos e ignorantes, os dos
animais aquáticos. Depois de alguns milhares de anos, mais ou menos, conforme a
culpabilidade, a alma, saindo dessa espécie de prisão, voltava à humanidade. A
encarnação animal não era, pois, uma condição absoluta; ela, como se vê,
aliava-se à encarnação humana, e a prova é que a punição dos homens tímidos
consistia em passar a corpos de mulheres, expostas ao desprezo e às injúrias.
(Vede Pluralidade das existências da alma, por Pezzani.) Era uma espécie de
espantalho para os simples, antes que um artigo de fé para os filósofos. Assim
como dizemos às crianças: “Se fordes más, o lobo vos comerá”, os antigos diziam
aos criminosos: “Vós vos tornareis em lobos”, e hoje se diz: “O diabo vos
agarrará e levará para o inferno.” A pluralidade das existências, segundo o
Espiritismo, difere essencialmente da metempsicose, em não admitir aquele a
encarnação da alma humana nos corpos de animais, mesmo como castigo. Os
Espíritos ensinam que a alma não retrograda, mas progride sempre. Suas diferentes
existências corpóreas se cumprem na humanidade, sendo cada uma um passo que a
alma dá na senda do progresso intelectual e moral; o que é coisa muito diversa
da metempsicose. Não podendo adquirir um desenvolvimento completo em uma só
existência, muitas vezes abreviada por causas acidentais,
Deus lhe permite
continuar, em nova encarnação, o que ela não pôde acabar em outra, ou recomeçar
o que fez errado.
A expiação na vida
corporal consiste nas tribulações que nela sofremos. Quanto à questão de saber
se a pluralidade das existências da alma é ou não contrária a certos dogmas da
Igreja, limito-me a dizer o seguinte: Ou a reencarnação existe, ou não; se
existe, é uma lei da Natureza. Para provar que ela não existe, seria necessário
demonstrar que vai de encontro, não aos dogmas, mas a essas leis, e que há
outra mais clara e logicamente melhor que ela, explicando as questões que só
ela pode resolver. Além disso, é fácil demonstrar que certos dogmas encontram
nela sanção racional, hoje aceitos por aqueles que os repeliam outrora, por
falta de compreensão. Não se trata, pois, de destruir, mas de interpretar; é o
que pela força das coisas será feito mais tarde. Aqueles que não queiram
aceitar a interpretação ficam perfeitamente livres, como ainda hoje o são, de crer
que é o Sol que gira ao redor da Terra. A ideia da pluralidade das existências
se vulgariza com pasmosa rapidez, em razão de sua extrema lógica e conformidade
com a justiça de Deus.
Quando ela for
reconhecida como verdade natural e aceita por todos, que fará a Igreja? Em
resumo: a reencarnação não é um sistema imaginado para satisfação das
necessidades de um ideal, nem uma opinião pessoal; é ou não um fato. Se está
demonstrado que certos efeitos existentes são materialmente impossíveis sem a
reencarnação, é preciso admitirmos que eles são a consequência desta; logo, se
está em a Natureza, não pode ser anulada por uma opinião contrária.
Padre. — Segundo
os Espíritos, quem não crê neles nem nas suas manifestações, deve ser menos
aquinhoado na vida futura?
A. K. — Se esta
crença fosse indispensável à salvação dos homens, que seria daqueles que, desde
o começo do mundo, não tiveram possibilidade de possuí-la, bem como daqueles
que, durante ainda muito tempo, morrerão sem tê-la?
Poderá Deus
cerrar-lhes as portas do futuro? Não; os Espíritos que nos instruem não são
assim tão pouco lógicos; eles nos dizem: Deus é soberanamente justo e bom, não
faz a sorte futura de o homem subordinar-se a condições alheias à vontade
deste; eles não nos pregam que fora do Espiritismo não possa haver salvação,
mas sim, como o Cristo: Fora da caridade não há salvação.
Padre. —
Permiti-me, então, dizer-vos que, desde que os Espíritos só ensinam os
princípios de moral encontrados no Evangelho, não vejo qual possa ser a
utilidade do Espiritismo, visto como antes que este viesse e hoje, sem ser por
ele, podíamos e podemos alcançar a salvação. Não seria o mesmo se os Espíritos
viessem ensinar algumas grandes verdades novas, alguns desses princípios que
mudam a face do mundo, como fez o Cristo. Ao menos o Cristo era só, sua
doutrina era única, ao passo que os Espíritos se contam por milhares e se
contradizem, uns dizendo que é branco o que outros afirmam ser negro; do que
resulta que, já desde o começo, seus partidários formam muitas seitas.
Não seria melhor
deixarmos os Espíritos tranquilos e contentarmo-nos com o que já temos?
A. K. — Errais,
meu amigo, em não sair do vosso ponto de vista e em considerar sempre a Igreja
como o único critério dos conhecimentos humanos. Se o Cristo disse a verdade, o
Espiritismo não podia dizer outra coisa, e em vez de por isso apedrejá-lo,
deve-se acolhê-lo como poderoso auxiliar, que vem confirmar, por todas as vozes
de Além-Túmulo, as verdades fundamentais da religião, combatidas pela
incredulidade. Que o materialismo o combata, explica-se facilmente; mas que a
Igreja se ligue ao materialismo contra ele, é um fato menos concebível.
Igualmente inconsequente é ela quando qualifica de demoníaco um ensino que se
apoia sobre a mesma autoridade e que proclama a missão divina do fundador do
Cristianismo. O Cristo teria dito, teria revelado tudo? Não; visto que ele
próprio disse:
“Eu teria ainda
muitas coisas a dizer- vos, mas vós não podeis compreendê-las, é por isso que
eu vos falo em parábolas.”
O Espiritismo vem
hoje, época em que o homem está maduro para compreendê-lo, completar e explicar
o que o Cristo propositadamente não fez senão tocar, ou não disse senão sob a
forma alegórica. Direis, sem dúvida, que à Igreja competia dar essa explicação.
Mas, qual delas? A romana, a grega ou a protestante? Como não estão elas de
acordo, cada uma explicaria a seu modo e reivindicaria o privilégio de dar essa
explicação. Qual delas conseguiria arrebanhar todos os dissidentes? Deus, que é
sábio, prevendo que os homens iriam nela enxertar suas paixões e prejuízos, não
lhes quis confiar o cuidado desta nova revelação: deu-a aos Espíritos, seus
mensageiros, que a proclamaram por todos os pontos do globo, fora dos limites
particulares de qualquer culto, a fim de que ela possa aplicar-se a todos, e
nenhum a transforme em objeto de exploração. Por outro lado, os diversos cultos
cristãos não se terão, em coisa alguma, apartado do caminho traçado pelo
Cristo? Seus preceitos de moral serão escrupulosamente observados? Não se lhe
têm desnaturado as palavras, a fim de que possam servir de apoio à ambição e às
paixões humanas, quando elas lealmente condenam isso? Ora, o Espiritismo, pela
voz dos Espíritos enviados de Deus, vem chamar, à estrita observância de seus
preceitos, aqueles que dela se arredam; será por isso que o qualificam de obra
satânica?
Vós vos iludis
dando o nome de seitas a algumas divergências de opiniões relativas aos
fenômenos espíritas. Não é de admirar que no começo de uma ciência, quando
ainda as observações eram incompletas para muitos, tenham surgido teorias
contraditórias; essas teorias, porém, repousam sobre pontos de minúcias e não
sobre o princípio fundamental. Podem constituir escolas que expliquem certos
fatos a seu modo, porém, não são seitas, como não o são os diferentes sistemas
que dividem os sábios nas ciências exatas: em medicina, em física, etc. Riscai,
pois, a palavra seita, que é imprópria ao nosso caso. A quantas seitas não tem
o Cristianismo dado nascimento, desde a sua origem?
Por que não teve
bastante poder a palavra do Cristo para impor silêncio a todas as
controvérsias? Por que é ela suscetível de interpretações que ainda hoje
dividem os cristãos em diferentes igrejas, pretendendo todas elas possuir
exclusivamente a verdade necessária à salvação, detestando-se intimamente e
anatematizando-se em nome do seu divino Mestre, que não pregou senão o amor e a
caridade? Fraqueza dos homens, direis vós. Seja; então, como quereis que o
Espiritismo triunfe subitamente dessa fraqueza, transforme a Humanidade como
por encanto? Vamos à questão da utilidade. Dizeis que o Espiritismo nada revela
de novo. É um erro: ele ensina, ao contrário, muito àqueles que não se limitam
a um estudo superficial. Não fizesse ele mais que substituir a máxima: Fora da
caridade não há salvação, que reúne os homens, àquela: Fora da Igreja não há
salvação, que os divide, para que a sua vida marcasse uma nova era à
Humanidade. Dissestes que se podia passar sem ele; concordo, como também se
podia passar sem muitas das descobertas científicas. Os homens certamente
viviam bem, antes da descoberta de todos os novos planetas, antes que se
tivesse calculado os eclipses, antes que se conhecesse o mundo microscópico e
cem outras coisas; o camponês para viver e fazer germinar o trigo, não tem necessidade
de saber o que é um cometa, e, entretanto, ninguém nega que todas essas coisas
alargam o círculo das ideias e nos fazem compreender melhor as leis da
Natureza. Ora, o mundo dos Espíritos é uma dessas leis que o Espiritismo nos
faz conhecer; ele nos ensina a influência que esse mundo exerce sobre o
corpóreo. Suponhamos que a isso se limitasse a sua utilidade, já não seria
muito a revelação de tal potência? Vejamos, agora, a sua influência moral.
Admitamos que ele nada ensine, sob este ponto de vista; qual o maior inimigo da
religião?
O materialismo,
porque o materialista não crê em coisa alguma; ora, o Espiritismo é a negação
do materialismo, que já não tem razão de ser. Não é mais pelo raciocínio, pela
fé cega que se diz ao materialista que nem tudo se acaba com o corpo; é pelos
fatos que se lhe mostram visíveis e palpáveis. Não será isso um pequeno serviço
prestado à humanidade e à religião? Porém não é ainda tudo: a certeza da vida
futura, o quadro vivo daqueles que nos precederam nela, mostram a necessidade
do bem e as consequências inevitáveis do mal. Eis por que, sem ser uma
religião, o Espiritismo se prende essencialmente às ideias religiosas,
desenvolve-as naqueles que não as possuem, fortifica-as nos que as têm
incertas. A religião encontra, pois, um apoio nele, não para as pessoas de
vistas estreitas, que a veem integralmente na doutrina do fogo eterno, na letra
mais que no espírito, mas para aqueles que a veem segundo a grandeza e a
majestade de Deus. Em uma palavra, o Espiritismo engrandece e eleva as ideias;
combate os abusos engendrados pelo egoísmo, a cobiça, a ambição; mas quem terá
a coragem de defendê-los e se declararem seus campeões? Se ele não é
indispensável à salvação, facilita-a firmando-nos no caminho do bem. Além
disso, que homem sensato ousará avançar que a falta de ortodoxia é mais
repreensível, aos olhos de Deus, que o ateísmo ou o materialismo? Apresento
claramente as questões seguintes, a quantos combatem o Espiritismo, sob o ponto
de vista de suas consequências religiosas:
1.ª Quem terá
melhor quinhão na vida futura — aquele que não crê em coisa alguma, ou aquele
que, crente das verdades gerais, não admite certas partes do dogma?
2.ª O protestante
e o cismático serão confundidos na mesma reprovação que o ateu e o
materialista?
3.ª O que não é
ortodoxo, no rigor da palavra, mas faz o bem que pode, que é bom e indulgente
para com o próximo, leal em suas relações sociais, deve contar menos com a
salvação, do que aquele que crê em tudo, mas é duro, egoísta e baldo de
caridade?
4.ª Qual terá mais
valor aos olhos de Deus: a prática das virtudes cristãs sem a dos deveres da
ortodoxia, ou a destes últimos sem a da moral?
Respondi, senhor
abade, às questões e objeções que me dirigistes, mas, como vo-lo disse no
começo, sem intenção alguma preconcebida de conduzir-vos às nossas ideias e de
mudar as vossas convicções, limitando-me tão somente a fazer-vos encarar o
Espiritismo sob seu verdadeiro aspecto. Se não tivésseis vindo, eu não vos
teria ido procurar. Não quer isto dizer que desprezássemos a vossa adesão aos
nossos princípios, caso ela se verificasse; longe disso; julgamo-nos sempre
felizes pelas aquisições que fazemos, as quais têm para nós tanto maior valor
quanto mais livres e voluntárias são. Não só não temos o direito de exercer constrangimento
sobre quem quer que seja, como também sentiríamos escrúpulo em ir perturbar a
consciência dos que, tendo crenças que os satisfazem, não venham
espontaneamente ao nosso encontro.
Dissemos que o
melhor meio de se esclarecerem sobre o Espiritismo é estudarem previamente a
teoria; os fatos virão depois, naturalmente, e serão facilmente compreendidos,
qualquer que seja a ordem em que as circunstâncias os façam vir. As nossas
publicações são feitas no intuito de favorecer esse estudo; eis aqui a ordem
que aconselhamos. A primeira leitura a fazer-se é a deste resumo, que apresenta
o conjunto e os pontos mais salientes da ciência; com isso, pois, já se pode
fazer dela uma ideia e ficar-se convencido de que, no fundo, existe algo de
sério. Nesta rápida exposição esforçamo-nos por indicar os pontos sobre que
particularmente se deve fixar a atenção do observador. A ignorância dos
princípios fundamentais é a causa das falsas apreciações da maioria daqueles
que querem julgar o que não compreendem, ou que se baseiam em ideias
preconcebidas. Se desta leitura nascer o desejo de continuar, deve-se ler O
Livro dos Espíritos, onde os princípios da doutrina estão completamente
desenvolvidos; depois, O Livro dos Médiuns, para a parte experimental,
destinado a servir de guia aos que desejarem operar por si mesmos, como aos que
quiserem bem compreender os fenômenos. Vêm depois as diversas obras onde são
desenvolvidas as aplicações e as consequências da doutrina, como: O Evangelho
segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno segundo o Espiritismo, etc.
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