sexta-feira, 8 de abril de 2016

A Fé Ativa construindo uma Nova Era 17 #Terceiro Diálogo – O Padre

A Fé Ativa construindo uma Nova Era 17
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa

Terceiro Diálogo – O Padre

 (Allan Kardec, in “O que é o Espiritismo?”)

Um abade. — Permitir-me-eis, senhor, dirigir-vos, por minha vez, algumas perguntas?

A. K. — De boa mente, reverendo; mas, antes de responder a elas, creio útil fazer-vos conhecer o terreno em que me devo colocar perante vós. Primeiro que tudo, cumpre-me declarar que não tenho a pretensão de vos converter às nossas ideias. Se desejardes conhecê-las pormenorizadamente, encontrá-las-eis nos livros em que estão expostas; neles podereis estudá-las à vontade e aceitá-las ou rejeitá-las. O Espiritismo tem por fim combater a incredulidade e suas funestas consequências, fornecendo provas patentes da existência da alma e da vida futura; ele se dirige, pois, àqueles que em nada creem ou que de tudo duvidam, e o número desses não é pequeno, como muito bem sabeis; os que têm fé religiosa e a quem esta fé satisfaz, dele não têm necessidade. Àquele que diz: “Eu creio na autoridade da Igreja e não me afasto dos seus ensinos, sem nada buscar além dos seus limites”, o Espiritismo responde que não se impõe a pessoa alguma e que não vem forçar nenhuma convicção. A liberdade de consciência é consequência da liberdade de pensar, que é um dos atributos do homem; e o Espiritismo, se não a respeitasse, estaria em contradição com os seus princípios de liberdade e tolerância. A seus olhos, toda crença, quando sincera e não permita ao homem fazer mal ao próximo, é respeitável, mesmo que seja errônea. Se alguém fosse por sua consciência arrastado a crer, por exemplo, que é o Sol que gira ao redor da Terra, nós lhe diríamos: “Acreditai-o se quiserdes, porque isso não fará que esses dois astros troquem os seus papéis”; mas, assim como não procuramos violentar-vos a consciência, respeitai também a nossa. Se transformardes, porém, uma crença, de si mesma inocente, em instrumento de perseguição, ela então se tornará nociva e pode ser combatida. Tal é, senhor abade, a linha de conduta que tenho seguido com os ministros dos diversos cultos que a mim se hão dirigido. Quando eles me interpelaram sobre alguns pontos da Doutrina, dei-lhes as explicações necessárias, abstendo-me de discutir certos dogmas de que o Espiritismo não se quer ocupar, por serem todos os homens livres em suas apreciações; nunca, porém, fui procurá-los no propósito de lhes abalar a fé por meio de qualquer pressão.

Àquele que nos procura como irmão, nós o acolhemos como tal; ao que nos repele, deixamo-lo em paz. É o conselho que não tenho cessado de dar aos espíritas, porque não concordo com os que se arrogam a missão de converter o clero. Sempre lhes tenho dito: Semeai no campo dos incrédulos, onde há colheita a fazer. O Espiritismo não se impõe, porque, como vo-lo disse — respeita a liberdade de consciência; ele sabe também que toda crença imposta é superficial e não desperta senão as aparências da fé; nunca, porém, a fé sincera. Ele expõe seus princípios aos olhos de todos, de modo a cada um poder formar opinião segura. Os que lhe aceitam os princípios, sacerdotes ou leigos, o fazem livremente e pelos achar racionais; mas nós não ficamos querendo mal aos que se afastam da nossa opinião. Se hoje há luta entre a Igreja e o Espiritismo, nós temos consciência de não havê-la provocado.

Padre. — Se a Igreja, vendo levantar-se uma nova doutrina, cujos princípios, em consciência, julga dever condenar, podeis contestar-lhe o direito de discuti-los e combatê-los, premunindo os fiéis contra o que ela considera erro?

A. K. — De modo algum podemos contestar esse direito, que também reclamamos para nós outros. Se ela se houvesse encerrado nos limites da discussão, nada haveria de melhor; lede, porém, a maioria dos discursos proferidos por seus membros e publicados em nome da religião, os sermões que têm sido pregados, e vereis neles a injúria e a calúnia transbordando por toda parte e os princípios da doutrina sempre indigna e perversamente desfigurados. Do alto do púlpito, não temos sido — os espíritas — qualificados de inimigos da sociedade e da ordem pública, não temos sido anatematizados e rejeitados pela Igreja, sob o pretexto de que é melhor ser incrédulo do que crer em Deus e na alma pelos ensinos do Espiritismo?

Não lamentam muitos, hoje, não se poder atear para os espíritas as fogueiras da Inquisição? Em certas localidades não têm sido assinalados à animadversão de seus concidadãos, a ponto de fazer que sejam nas ruas perseguidos e injuriados? Não se tem imposto a todos os fiéis que os evitem como pestíferos, e impedido que os criados entrem a seu serviço? Muitas mulheres não têm sido aconselhadas a separarem-se de seus maridos, como muitos maridos de suas mulheres, tudo por causa do Espiritismo? Não se têm tirado lugares a empregados, retirado o pão do trabalho a operários e recusado caridade aos necessitados, por serem eles espíritas? Não se têm despedido de alguns hospitais, até cegos, pelo fato de não quererem abjurar sua crença? Dizei-me, senhor abade, será isso uma discussão leal? Os espíritas responderam, porventura, à injúria com a injúria, ao mal com o mal? Não. A tudo opuseram eles sempre a calma e a moderação. A consciência pública já lhes faz a justiça de reconhecer não terem sido eles os agressores.

Padre. — Todo homem sensato deplora esses excessos; mas a Igreja não pode ser responsável pelos abusos cometidos por alguns de seus membros pouco esclarecidos.

A. K. — Convenho; mas, entrarão na classe dos pouco esclarecidos os príncipes da Igreja? Vede a pastoral do bispo de Argel e de alguns outros. Não foi um bispo quem ordenou o auto-de-fé de Barcelona? A autoridade superior eclesiástica não tem todo o poder sobre os seus subordinados? Se ela tolera esses sermões indignos da cadeira evangélica; se ela patrocina a publicação de escritos injuriosos e difamatórios contra uma classe inteira de cidadãos, e se não se opõe às perseguições exercidas em nome da religião, é porque as aprova.

Em resumo, a Igreja, repelindo sistematicamente os espíritas que a buscavam, forçou-os a retroceder; pela natureza e violência dos seus ataques ela ampliou a discussão e conduziu-a para um terreno novo. O Espiritismo era apenas uma simples doutrina filosófica; foi a Igreja quem lhe deu maiores proporções, apresentando-o como inimigo formidável; foi ela, enfim, quem o proclamou nova religião. Foi um passo errado, mas a paixão não raciocina melhor.

Um livre pensador. — Há pouco proclamastes a liberdade de pensamento e de consciência, e declarastes que toda crença sincera é respeitável. O materialismo é uma crença como outra qualquer; por que negar-lhe a liberdade que concedeis a todas as outras?

A. K. — Cada um é, certamente, livre de crer no que quiser ou de não crer em coisa alguma; e não toleraríamos mais uma perseguição contra aquele que acredita no nada depois da morte, assim como na promovida contra um cismático de qualquer religião. Combatendo o materialismo, não atacamos os indivíduos, mas sim uma doutrina que, se é inofensiva para a sociedade, quando se encerra no foro íntimo da consciência de pessoas esclarecidas, é uma chaga social, se vier a generalizar-se. A crença de tudo acabar para o homem depois da morte, que toda solidariedade cessa com a extinção da vida corporal, leva-o a considerar como um disparate o sacrifício do seu bem-estar presente, em proveito de outrem; donde a máxima: “Cada um por si durante a vida terrena, porque com ela tudo se acaba.” A caridade, a fraternidade, a moral, em suma, ficam sem base alguma, sem nenhuma razão de ser. Para que nos molestarmos, nos constrangermos e nos sujeitarmos a privações hoje, quando amanhã, talvez, já nada sejamos? A negação do futuro, a simples dúvida sobre outra vida, são os maiores estimulantes do egoísmo, origem da maioria dos males da Humanidade. É necessário possuir alta dose de virtude para não seguir a corrente do vício e do crime, quando para isso não se tem outro freio além do da própria força de vontade. O respeito humano pode conter o homem do mundo, mas não contém aquele que não dá importância à opinião pública. A crença na vida futura, mostrando a perpetuidade das relações entre os homens, estabelece entre eles uma solidariedade que não se quebra na tumba; desse modo, essa crença muda o curso das ideias. Se essa crença fosse um simples espantalho, não duraria senão um tempo curto; mas, como a sua realidade é fato adquirido pela experiência, é um dever propagá-la e combater a crença contrária, mesmo no interesse da ordem social. É o que faz o Espiritismo; e o faz com êxito, porque fornece provas, e porque, decididamente, o homem antes quer ter a certeza de viver e poder ser feliz em um mundo melhor, para compensação das misérias deste mundo, do que a de morrer para sempre. O pensamento de ser aniquilado, de ver os filhos e os entes que lhe são mais caros perdidos, sem remissão, sorri a um bem limitado número, acreditai-me; é o motivo do tão pequeno êxito obtido pelos ataques dirigidos contra o Espiritismo, em nome da incredulidade, os quais não lhe produziram o menor abalo.

Padre. — A religião ensina tudo isso; até agora foi suficiente; qual é hoje a necessidade de uma nova doutrina?

A. K. — Se a religião ensina o bastante, por que há tantos incrédulos, religiosamente falando? Ela prega, é verdade; ela nos manda crer, mas há muita gente que não crê por simples afirmação. O Espiritismo prova e faz ver o que a religião ensina em teoria. Além disso, donde vêm essas provas? Da manifestação dos Espíritos.

Ora, é provável que os Espíritos só se manifestem com o consentimento de Deus; se, pois, Deus em sua misericórdia envia aos homens esse socorro para afastá-los da incredulidade, é uma impiedade repeli-lo.

Padre. — Não podeis, entretanto, contestar que o Espiritismo não está, em todos os pontos, de acordo com a religião.

A. K. — Ora, senhor abade, todas as religiões dirão a mesma coisa: os protestantes, os judeus, os muçulmanos, tanto quanto os católicos. Se o Espiritismo negasse a existência de Deus, da alma, da sua individualidade e imortalidade, das penas e recompensas futuras, do livre-arbítrio do homem; se ele ensinasse que cada um só deve viver para si, não pensar senão em si, não só seria contrário à religião católica, como a todas as religiões do mundo; ele seria ainda a negação de todas as leis morais, base das sociedades humanas. Longe disso: os Espíritos proclamam um Deus único, soberanamente justo e bom; eles dizem que o homem é livre e responsável por seus atos, recompensado ou punido pelo bem ou pelo mal que houver feito; colocam acima de todas as virtudes a caridade evangélica e a seguinte regra sublime ensinada pelo Cristo: fazer aos outros como queremos que nos seja feito. Não são estes os fundamentos da religião? Essa certeza do futuro, de se ir encontrar aqueles a quem se amou, não será uma consolação? Essa grandiosidade da vida espiritual, que é a nossa essência, comparada às mesquinhas preocupações da vida terrena, não será própria a elevar a nossa alma e a fortalecer- nos na prática do bem?

Padre. — Concordo que, nas questões gerais, o Espiritismo é conforme às grandes verdades do Cristianismo; dar-se-á, porém, o mesmo em relação aos dogmas? Não contradiz ele alguns princípios que a Igreja nos ensina?

A. K. — O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, não cogita de questões dogmáticas. Esta ciência tem consequências morais como todas as ciências filosóficas; essas consequências são boas ou más? Pode-se julgá-las pelos princípios gerais que acabo de expor. Algumas pessoas se iludem sobre o verdadeiro caráter do Espiritismo. A questão é de grande importância e merece alguns desenvolvimentos. Façamos primeiro um termo de comparação: a eletricidade, estando na Natureza, existiu em todo tempo e produziu sempre os efeitos que hoje observamos e muitos outros que ainda não conhecemos. Na ignorância da sua verdadeira causa, os homens explicavam esses efeitos de um modo mais ou menos extravagante. A descoberta da eletricidade e de suas propriedades veio lançar por terra um punhado de teorias absurdas, espargindo a luz por sobre mais de um mistério da Natureza. O que fizeram a eletricidade e as ciências físicas para certos fenômenos, o Espiritismo o fez para outros de ordem diferente. O Espiritismo funda-se na existência de um mundo invisível, formado pelos seres incorpóreos que povoam o espaço e que não são mais que as almas daqueles que viveram na Terra, ou em outros globos, nos quais deixaram seus invólucros materiais. São os seres a que chamamos Espíritos, seres que nos cercam e incessantemente exercem sobre os homens, sem que estes o percebam, uma grande influência, e desempenham papel muito ativo no mundo moral, e mesmo, até certo ponto, no físico. O Espiritismo está, pois, em a Natureza e podemos dizer que, numa certa ordem de ideias, é ele uma potência, como a eletricidade o é sob outro ponto de vista, e como ainda a gravitação é uma outra. Os fenômenos, de que o mundo invisível é a fonte, produziram-se em todos os tempos; eis aí por que a história de todos os povos faz deles menção.

Somente, em sua ignorância, como se deu com a eletricidade, os homens os atribuíam a causas mais ou menos racionais, e deram, nesse ponto de vista, livre curso à sua imaginação.

Mais bem observado depois que se vulgarizou, o Espiritismo vem derramar luz sobre grande número de questões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião; e a prova disso é que ele conta entre os seus aderentes homens de todas as crenças, que por esse fato não renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos que não deixam de praticar todos os deveres do seu culto, quando a Igreja os não repele; protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e mesmo budistas e bramanistas. Ele repousa, por conseguinte, em princípios independentes das questões dogmáticas. Suas consequências morais são todas no sentido do Cristianismo, porque de todas as doutrinas é esta a mais esclarecida e pura; razão pela qual, de todas as seitas religiosas do mundo, os cristãos são os mais aptos para compreendê-lo em sua verdadeira essência. Podemos exprobrá-lo por isso? Cada um pode formar de suas opiniões uma religião e interpretar à vontade as religiões conhecidas; mas daí a constituir nova Igreja, a distância é grande.

Padre. — As evocações, entretanto, não são feitas segundo uma fórmula religiosa?

A. K. — Realmente, o sentimento religioso domina nas evocações e em nossas reuniões; mas não temos fórmula sacramental: para os Espíritos o pensamento é tudo e a forma é nada. Nós os chamamos em nome de Deus, porque cremos em Deus e sabemos que nada se faz neste mundo sem sua permissão, e, portanto, que eles não virão sem que Deus o permita; procedemos em nossos trabalhos com calma e recolhimento, porque essa é uma condição necessária para as observações, e, em segundo lugar, porque sabemos o respeito que se deve àqueles que não vivem mais sobre a Terra, qualquer que seja sua condição, feliz ou infeliz, no mundo espiritual; fazemos um apelo aos bons Espíritos, porque, conhecendo que há bons e maus, desejamos que estes últimos não venham tomar parte fraudulentamente nas comunicações que recebemos. Que prova tudo isto? Que não somos ateus, o que não quer dizer que sejamos professos de religião reformada.

Padre. — Pois bem! Que dizem os Espíritos superiores a respeito da religião? Os bons nos devem aconselhar e guiar. Suponhamos que eu não tenha religião alguma e queira escolher uma; se eu lhes pedir para aconselharem-me se devo ser católico, protestante, anglicano, qualquer, judeu, maometano ou mórmon, qual será a resposta deles?

A. K. — Há dois pontos a considerar nas religiões: os princípios gerais, comuns a todas, e os princípios particulares de cada uma delas. Os primeiros são os de que falamos há pouco; estes são proclamados por todos os Espíritos, qualquer que seja a sua classe. Quanto aos segundos, os Espíritos vulgares, sem ser maus, podem ter preferências, opiniões; podem preconizar esta ou aquela forma, animar certas práticas, seja por convicção pessoal, seja porque conservaram as ideias da vida terrena, seja por prudência, para não assustar as consciências timoratas.

Acreditais, por exemplo, que um Espírito esclarecido, fosse mesmo Fenelon, dirigindo-se a um muçulmano, irá inabilmente dizer-lhe que Maomé é um impostor, e que ele será condenado se não se fizer cristão? Não o fará, porque seria repelido. Em geral, os Espíritos superiores, se a isso não são solicitados por alguma consideração especial, não se preocupam com essas questões de minúcia, eles se limitam a dizer: Deus é bom e justo; não quer senão o bem; a melhor de todas as religiões é aquela que só ensina o que é conforme à bondade e justiça de Deus; que dá de Deus a maior e a mais sublime ideia e não O rebaixa emprestando- Lhe as fraquezas e as paixões da humanidade; que torna os homens bons e virtuosos e lhes ensina a amarem-se todos como irmãos; que condena todo mal feito ao próximo; que não autoriza a injustiça sob qualquer forma ou pretexto que seja; que nada prescreve de contrário às leis imutáveis da Natureza, porque Deus não se pode contradizer; aquela cujos ministros dão o melhor exemplo de bondade, caridade e moralidade; aquela que procura melhor combater o egoísmo e lisonjear menos o orgulho e a vaidade dos homens; aquela, finalmente, em nome da qual se comete menos mal, porque uma boa religião não pode servir de pretexto a nenhum mal; ela não lhe deve deixar porta alguma aberta, nem diretamente, nem por interpretação. Vede, julgai e escolhei.

Padre. — Creio que certos pontos da doutrina católica são contestados pelos Espíritos que considerais superiores; supondo mesmo que esses princípios sejam errôneos, poderá tal crença, segundo a opinião dos ditos Espíritos, ser prejudicial à salvação daqueles que, errando ou acertando, a consideram artigo de fé e a praticam?


A. K. — Certamente que não, se ela os não desviar da prática do bem, se ela antes os incitar a isso; ao passo que a mais bem fundada crença os prejudicará evidentemente, se lhes fornecer ocasião de fazer o mal, de faltar à caridade com o próximo, se ela os tornar duros e egoístas, por que então não praticam segundo a lei de Deus, e Deus olha mais os pensamentos que os atos. Quem poderá sustentar o contrário? Acreditais, por exemplo, que a fé possa ser proveitosa a um homem que, crendo perfeitamente em Deus, pratique atos inumanos ou contrários à caridade? Não haverá sempre mais culpa naquele que mais meios tinha de esclarecimento?

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