Entre a Terra e o Céu_35_Reerguimento moral
Consoante o programa traçado, regressamos no dia imediato, estagiando primeiramente no lar de Zulmira, cuja posição orgânica era mais aflitiva.
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O médico cercara-a de drogas valiosas, entretanto, a infortunada criatura demorava-se em profunda exaustão.
Amaro e Evelina desvelavam-se, preocupados, todavia, a torturada mãezinha deixava-se morrer.
Diante da nossa apreensão manifesta, o Ministro apenas afirmou:
- Aguardemos. Numa equipe, quase sempre a melhora de um companheiro pode auxiliar a melhora de outro. A recuperação de Silva, ao que me parece, influenciará nossa amiga, na defesa contra a morte.
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Sem detença, procuramos o domicilio do enfermeiro, encontrando-o superexcitado quanto na véspera, mas abnegadamente assistido pelas freiras que persistiam dedicadas, na oração.
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Clarêncio, contudo, assegurou-lhes otimista que Mário passaria conosco e, após entreter-se, voltaria melhor.
Em seguida, abeirou-se do enfermo e, tocando-lhe a fronte com a destra, orou sem alarde.
Qual se recebesse preciosa transfusão de forças fluídicas, Silva aquietou-se como por encanto. Revelou-se mais calmo, não obstante entristecido.
A expressão facial que lhe denunciava a sublevação interior transformou-se-lhe no semblante em dolorosa serenidade.
Nosso orientador desenvolveu alguns passes de auxílio e notificou:
- Silva experimenta enorme necessidade de ouvir a palavra de Antonina, contudo, está hesitante. Afirma-se intimamente envergonhado. Crê-se responsável pela morte da criança e teme o contato com a nobreza espiritual de nossa irmã, apesar de sentir-se arrastado para ela. Buscaremos, porém, auxiliar-lhes a reaproximação.
Acariciou a fronte do moço atormentado e acentuou:
- O desabafo descarregar-lhe-á a atmosfera mental, favorecendo-lhe o alívio e a recepção de elementos renovadores.
Em seguida, o instrutor abraçou-o, envolvendo-o em amorosa solicitude. Aquele amplexo afetuoso e longo figurou-se-nos um apelo às energias recônditas do rapaz que, de imediato, levantou-se e vestiu-se.
Ignorando como explicar a si mesmo a súbita resolução que o movia, desceu para a rua, seguido de perto por nosso cuidado, e tomou o carro que o transportaria até a residência da simpática família que o acolhera carinhosamente na ante-véspera.
Antonina e os filhos abriram-lhe os braços, alegremente.
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Qual se convivesse com Mário, de longo tempo, a dona da casa fitou-o apreensiva.
Preocupada notou-lhe o abatimento, enquanto o hóspede parecia esmolar-lhe, em silêncio, ajuda e compreensão.
Percebendo-lhe a angústia oculta, a jovem viúva induziu-o à conversação particular, em singelo recanto da sala, onde atendia com os filhinhos ao culto da oração.
O enfermeiro pediu-lhe desculpas por tratar de assunto pessoal e, começando a justificar a sua ausência na véspera, de frase a frase entrou na faixa dolorosa do próprio coração, desabafando...
Lembrou que ali, junto dela, recebera ensinamentos da mais elevada significação para ele e, por esse motivo, não vacilava em descerrar-lhe o espírito desolado, implorando compaixão e socorro.
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Mário reportou-se à juventude, comentou os problemas psíquicos de que se via rodeado, desde a infância, descreveu-lhe o amor que nutrira pela moça que o abandonara em pleno sonho, relacionou as provas que lhe haviam castigado o brio de rapaz, salientou o esforço que despendera para recuperar-se, e por fim, extremamente conturbado, explanou sobre o reencontro com a ex-noiva e com o ex-rival, junto do pequenino agonizante... Referiu-se ao ódio inexplicável que sentira pelo anjinho moribundo, encareceu os benefícios do culto evangélico em sua alma incendiada de revolta e amargura, expondo-lhe a convicção de haver contribuído para a morte da criancinha que detestara à primeira vista...
Guardava a impressão de haver descido a tormentoso inferno moral.
Antonina sentiu por ele a piedade amorosa com que as mães de dispõem ao soerguimento espiritual dos filhos sofredores e rogou-lhe serenidade.
Silva, contudo, em pranto convulsivo, era um doente que reclamava mais ampla intervenção...
Atraída irresistivelmente para ele, a nobre amiga deixou de sublinhar o tratamento com a palavra "senhor", tornando-se mais íntima, obtemperou, carinhosa:
- Mário, quando caímos é preciso que nos levantemos, a fim de que o carro da vida, em seu movimento incessante, não nos esmague. Conhecemo-nos há dois dias, no entanto, sinto que profundos laços de fraternidade nos reúnem. Não acredito estejamos aqui juntos, obedecendo a simples acaso. Decerto, as forças que nos dirigem a existência impelem-nos aos testemunhos afetivos desta hora. Enxugue as lágrimas para que possamos ver o caminho... Compreendo o seu drama de homem rudemente provado na forja da vida, entretanto, se posso pedir-lhe alguma coisa, rogar-lhe-ia bom ânimo.
Fixando-o com mais doçura no olhar, prosseguiu, depois de leve pausa:
- Também eu tenho lutado muito. Lutado e sofrido. Casei-me por amor e vi-me espoliada em minhas melhores esperanças. Meu marido, antes de encontrar a morte, relegou-nos a dolorosa penúria. Quando mais intensa era a nossa agonia doméstica, vi um filhinho morrer ao toque das aflitivas provações que nos flagelavam a casa... Graças a Deus, todavia, reconheço que seríamos tão somente ignorância e miséria sem o auxílio da dor. O sofrimento é uma espécie de fogo invisível, plasmando-nos o caráter. Não se deixe abater assim. Você está moço e as suas realizações no mundo podem ser as mais elevadas...
- Mas estou certo de que sou um assassino!... - soluçou o rapaz, desacoroçoado.
- Quem poderia confirmá-lo? - exclamou Antonina, com mais ternura na voz. - É indispensável recordemos que, atento à profissão, atendeu você a um menino completamente entregue ao domínio do crupe. O pequenino Júlio, à sua chegada, já estaria ofegante, sob as asas da morte.
- Mas, e a impressão? E o remorso? Sinto-me derrotado, aflito... Tenho medo de mim mesmo...
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- Mário, você acredita na reencarnação da alma ?
E porque o interlocutor a contemplasse, com estranheza, continuou sem ouvir-lhe a resposta:
- Todos somos viajores no grande caminho da eternidade. O corpo de carne é uma oficina em que nossa alma trabalha, tecendo os fios do próprio destino. Estamos chegando de longe, a revivescer dos séculos mortos, como as plantas a renascerem do solo profundo... Naturalmente, você, Amaro, Zulmira e Júlio estão recapitulando alguma tragédia que ficou distanciada no espaço e no tempo, mas viva nos corações. E, mediante o carinho de sua confissão espontânea, não duvido de minha participação em algum lance da luta que motivou os acontecimentos da atualidade. Amor e ódio não se improvisam. Resultam de nossas construções espirituais nos milênios. Provavelmente, alguma responsabilidade me compete nos serviços em cuja execução você se comprometeu. Nossa confiança imediata, nossa associação neste assunto sem qualquer base prévia, essa simpatia fraternal com que você vem a mim e o interesse com que lhe ouço a exposição me autorizam a admitir que o presente está refletindo o passado. E, em razão disso, ofereço-me para cooperar com o seu esforço de algum modo...
- Cooperar? - atalhou o moço, quase alucinado - é impossível... O menino está morto...
Envolta nas irradiações de Clarêncio, Antonina alegou com sensatez:
- E quem nos diz que Júlio não possa voltar à Terra? quem nos pronunciará incapazes de algo fazer a benefício da criancinha que partiu ?
- Como? Como? - indagou, atônito, o infeliz.
- Escute Mário. O egoísmo não se revela feroz tão somente em nossas alegrias. Muitas vezes, comparece também, asfixiante e terrível, em nossas dores. Isso se verifica, quando em nossa mágoa pensamos apenas em nós. Você se declara delinqüente, amargurado, vencido, qual se fosse um herói repentinamente arrojado do altar da admiração pública à poeira da desconsideração. Admito que concentrar demasiada atenção em culpas imaginárias é mera vaidade a encarcerar-nos na angústia vazia. Enquanto lastimamos a nossa imperfeição, perdemos a hora que seria justo utilizar em nossa própria melhoria.
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- Você já meditou no padecimento dos pais feridos pela separação? Já refletiu nos sonhos maternos, despedaçados? Porque não estender fraternos braços aos progenitores na sombra do infortúnio? Creio na imortalidade da alma e na redenção dos nossos erros, penso que a renovação do dia é um símbolo da graça do Senhor sempre repetida em nosso caminho, para que lhe aproveitemos o tesouro de bênçãos no crescimento ou no reajuste... Porque não visitar você o lar de nossos desventurados amigos, nesta hora em que naturalmente precisam de carinho e solidariedade? É possível que a Divina Bondade esteja reservando ali algum serviço para o seu propósito de elevação. Quem sabe? A volta de Júlio pode efetuar-se. Para isso, porém, será necessário reerguer o ânimo materno...
Passando da energia de conselheira à ternura de irmã, aduziu carinhosa:
- Deixaria você a outrem o privilégio de semelhante serviço?
- Não tenho coragem! - lamentou o rapaz, chorando.
- Não, Mário! Em ocasiões dessas, não é a coragem que nos falha e sim a humildade. Nosso orgulho neste mundo, apesar de inconseqüente e vão, é por demais envolvente e excessivo. Não sabemos liberar a personalidade segregada no visco de nosso exagerado amor próprio. Em suma, aprisionamos o coração na escura fortaleza da vaidade e não sabemos ceder...
Apegando-se ao socorro moral que lhe era lançado, o enfermeiro suplicou pesaroso:
- Antonina, creio em sua amizade e na elevada compreensão que flui de suas palavras. Ajude-me! Não vim aqui senão rogar auxílio e discernimento. Exponha você mesma o que devo fazer. Dê-me um plano. Perdoe-me a intimidade, tenho sido um homem sem fé... Não tenho autoridades ou amigos para quem apelar... Não nos conhecemos senão há dias, mas encontrei em seu coração e em sua casa algo novo para meu pobre espírito... Suporte-me e ampare-me por amor de Deus, em cuja providência você crê com tanta sinceridade! ...
A jovem viúva, sentindo-se verdadeiramente irmã dele, acariciou-lhe as mãos quais se fossem velhos conhecidos, e agora, igualmente em lágrimas de emotividade e reconhecimento, convidou-o a visitarem juntos o casal sofredor, na noite seguinte.
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Desejava auxiliá-lo, a ele, Mário, na justa recuperação, e, para esse fim, estimaria acompanhá-lo, de maneira a ser mais útil.
O moço aceitou a gentileza, exultante.
Estava convencido de que, ao lado de Antonina, encontraria uma solução.
Um sorriso de reconforto assomou-lhe aos lábios e foi assim que deixamos o enfermeiro atormentado, sob a eclosão de nova e abençoada esperança.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1) O que o Ministro Clarêncio quis dizer com sua afirmação: "Numa equipe, quase sempre a melhora de um companheiro pode auxiliar a melhora de outro. A recuperação de Silva, ao que me parece, influenciará nossa amiga, na defesa contra a morte"? Explique.
2) Porque as freiras que assistiam o enfermeiro não puderam auxiliá-lo do mesmo modo como fez o Ministro Clarêncio, uma vez que elas também estavam lá para auxiliá-lo?
3) Nesta afirmação: "Nosso orientador desenvolveu alguns passes de auxílio"... O que se deduz?
Existem vários tipos de passe? No que diferem eles, e de que forma eles agem sobre o assistido?
4) Nesta frase "Buscaremos, porém, auxiliar-lhes a reaproximação", deduzimos que Clarêncio influenciou a ida de Mário à casa de Antonina. Os espíritos influenciam na nossa vida? De que maneira?
5) Na sua opinião, quais foram os principais pontos do diálogo entre Mário e Antonina?
6) Qual o principal ensinamento neste capítulo ?
Conclusão:
1) O que o Ministro Clarêncio quis dizer com sua afirmação: "Numa equipe, quase sempre a melhora de um companheiro pode auxiliar a melhora de outro. A recuperação de Silva, ao que me parece, influenciará nossa amiga, na defesa contra a morte"? Explique.
A equipe a que se refere Clarêncio são os espíritos envolvidos em todo esse drama, ligados psiquicamente por sentimentos malsãos ocasionados por fatos passados e dos quais não conseguiram ainda se desvencilhar. A troca permanente e recíproca de energias negativas geradas por esses sentimentos atinge indistintamente a todos, repercutindo em seus veículos físicos. O mesmo se dá quando se trata de sentimentos e pensamentos sadios, que operam a melhora do organismo enfermo. Assim, o benfeitor quis dizer que, melhorando sua psicosfera, o enfermeiro influenciaria para a melhora de Zulmira, pois mudaria a natureza das energias que lhe dirigia.
2) Por que as freiras que assistiam o enfermeiro não puderam auxiliá-lo do mesmo modo como fez o Ministro Clarêncio, uma vez que elas também estavam lá para auxiliá-lo?
As freiras que lá compareceram em auxílio a Mário Silva, embora dotadas de bons sentimentos e de boas intenções, não possuíam os conhecimentos de que Clarêncio era portador, a respeito da nossa realidade espiritual. Pela educação religiosa que receberam os mecanismos que regem a reencarnação e a atuação do espírito sobre o organismo físico lhes eram desconhecidos. Não dominavam a técnica do passe magnético, recurso de que se utilizou o benfeitor para operar a melhora do enfermeiro. Por esse motivo, o único recurso de que dispunham para auxiliá-lo era a prece.
3) Nesta afirmação: "Nosso orientador desenvolveu alguns passes de auxílio"... O que se deduz? Existem vários tipos de passe? No que diferem eles e de que forma eles agem sobre o assistido?
No livro "Nos Domínios da Mediunidade", André Luiz conceitua o passe como uma transfusão de energias que altera o campo celular. Esclarece que essas energias não são unicamente anímicas, ou seja, originadas do próprio médium, mas, também, espirituais, através dos fluidos doados pelos benfeitores em serviço. No mesmo sentido o ensinamento de Emmanuel, em "O Consolador", na questão 98, que define o passe como uma transfusão de energias psíquicas, que são retiradas das forças espirituais e que operam uma renovação das forças físicas.
Quanto aos tipos de passe, André Luiz, em suas obras, nos dá notícia de várias modalidades de passe. Para nós, que enquanto encarnados, entendemos que basta a imposição de mãos, conforme Jesus ensinou. Os benfeitores espirituais, mais adiantados em conhecimentos e livres dos embaraços da matéria, têm condições de examinar o organismo do paciente por dentro, adotando a modalidade de passe mais conveniente, o que, para o médium encarnado, não é possível.
Não temos, ainda, a compreensão dos diversos tipos de passe que o plano espiritual manipula. Por enquanto, o que nos é possível saber é que o passe opera uma transfusão de fluidos doados pelos espíritos e de fluidos emanados do próprio médium, que circulam, primeiramente, pela cabeça do médium (centro coronário), para depois escorrer pelas suas mãos e atingir o centro coronário do assistido, que absorverá essa energia e a distribuirá por todo o corpo.
4) Nesta frase "Buscaremos, porém, auxiliar-lhes a reaproximação", deduzimos que Clarêncio influenciou a ida de Mário à casa de Antonina. Os espíritos influenciam na nossa vida? De que maneira?
Na questão 459 do Livro dos Espíritos, Kardec indagou dos Espíritos se eles influem em nossos pensamentos e em nossos atos. Responderam os Codificadores espirituais que "muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto que, de ordinário, são eles que vos dirigem."
Portanto, como nos ensinam os Espíritos, estamos sendo freqüentemente influenciados pelo plano espiritual. Quando um pensamento nos é sugerido, sentimos a sensação de que alguém nos fala. É, na verdade, alguém que está os falando pelo pensamento, que é o meio pelo qual os espíritos se comunicam conosco, encarnados. Por essa razão, Jesus recomendou: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação." Para que recebamos a influência dos bons espíritos, afastando de nosso convívio os perturbadores e recebendo boas influências, é necessário orarmos e praticarmos a lei de justiça, de amor e de caridade, procurando vivenciar os ensinos da Boa Nova de Jesus.
5) Na sua opinião, quais foram os principais pontos do diálogo entre Mário e Antonina?
O principal ponto do diálogo havido entre Mário e Antonina foi o momento em que o Autor relatar o convencimento do enfermeiro quanto à necessidade da reconciliação com os adversários. Relutante, de início, aos poucos Antonina, envolvendo-o com muito amor e compreensão, fez uso de seu conhecimento acerca das lições de Jesus contidas no Evangelho.
6) Qual o principal ensinamento neste capítulo?
Dentre as muitas lições trazidas por esse capítulo, destacamos a de que o exercício do perdão não é um ato de coragem, mas de humildade. Para praticá-lo, não precisamos nos encorajar, mas humildarmo-nos.
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