Revista Espírita de 1866 (Parte 1)
MARCELO BORELA
DE OLIVEIRA
De Londrina
Iniciamos nesta edição a publicação
do texto condensado da Revista Espírita de 1866. As páginas citadas referem-se
à edição feita pela Edicel.
*
1. As mulheres têm alma?
Esse é o tema do artigo que abre o
número de janeiro de 1866, no qual Kardec diz que, além de ter sido posta em
deliberação num concílio, tal questão nem sempre foi resolvida pacificamente, constituindo
sua negação um princípio de fé em certos povos. No artigo, ele informa também
que pouco tempo atrás ainda se discutia na França se o grau de bacharel podia
ser conferido a uma mulher. (Págs. 1 e 2.)
2. O Espiritismo ensina que as
almas podem animar corpos de homens e mulheres. As almas ou Espíritos não têm
sexo; as afeições que os unem nada têm de carnal; fundam-se numa simpatia real
e, por isso, são mais duráveis. (Págs. 2 e 3.)
3. Os sexos só existem no
organismo; são necessários à reprodução dos seres materiais; mas os Espíritos não
se reproduzem uns pelos outros, razão por que os sexos seriam inúteis no mundo
espiritual. (Págs. 2 e 3.)
4. A natureza fez o indivíduo do sexo
feminino mais fraco que o outro, porque os deveres que lhe incumbem não exigem
uma igual força muscular e seriam até incompatíveis com a rudeza masculina. Aos
homens e às mulheres são, assim, assinados pela Providência deveres especiais,
igualmente importantes na ordem das coisas, pois eles se completam um pelo outro.
(Págs. 3 e 4.)
5. A influência que o Espírito
encarnado sofre do organismo não se apaga imediatamente após a destruição do
invólucro material, assim como não perdemos instantaneamente os gostos e
hábitos terrenos. Pode acontecer ainda que o Espírito percorra uma série de
existências no mesmo sexo, o que faz que durante muito tempo possa conservar,
na erraticidade, o caráter de homem ou de mulher, cuja marca nele ficou
impressa. (Pág. 4.)
6. Se essa influência se repercute da
vida corporal à vida espiritual, o fato se dá também quando o Espírito passa da
vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação trará o caráter e as
inclinações que tinha como Espírito. Mudando de sexo, poderá então conservar os
gostos, as inclinações e o caráter inerente ao sexo que acaba de deixar. Assim
se explicam certas anomalias aparentes, notadas no caráter de certos homens e
de certas mulheres. (Pág. 4.)
7. Referindo-se à prece, diz Kardec
que o Espiritismo proclama a sua utilidade, não por espírito de sistema, mas
porque a observação permitiu comprovar a sua eficácia e o seu modo de ação.
Além da ação puramente moral, a prece produz um efeito de certo modo material,
resultante da transmissão fluídica, e sua eficácia em certas moléstias é
constatada pela experiência, como demonstrada pela teoria. (Págs. 5 e 6.)
8. Rejeitar a prece é, portanto,
privar o homem de seu mais poderoso suporte moral na adversidade, visto que
pela prece ele eleva sua alma, entra em comunhão com Deus, identifica-se com o
mundo espiritual e desmaterializa-se, condição essencial de sua felicidade
futura. (Pág. 6.)
Nenhum
princípio espírita
é fruto de
opiniões pessoais
9. Concluindo o artigo sobre a
prece, o Codificador lembra que o que faz a principal autoridade da doutrina é
que não há um só de seus princípios que seja produto de uma idéia preconcebida ou
de uma opinião pessoal: todos, sem exceção, são o resultado da observação dos
fatos. (Págs. 8 e 9.)
10. A Revista noticia o
falecimento em 2 de dezembro de 1865 do sr. Didier, membro-fundador da
Sociedade Espírita de Paris e editor das obras de Kardec. No momento do
falecimento, a editora do sr. Didier imprimia a 14a edição d’O Livro dos
Espíritos. (Págs. 9 e 10.)
11. No dia 8 de dezembro, na
Sociedade de Paris, Kardec pronunciou uma alocução em que teceu palavras de
reconhecimento pelo trabalho realizado pelo amigo recém-desencarnado, cujo
desprendimento foi devidamente destacado pelo Codificador. (Págs. 11 e 12.)
12. Em seu discurso, Kardec
explicou por que não usara a palavra no enterro do amigo, ocasião em que se reuniram
muitas pessoas pouco simpáticas e mesmo hostis à causa espírita. Considerando o
momento inadequado, ele se absteve e, ao esclarecer o fato, aproveitou para
fazer importante advertência, quando afirmou que o Espiritismo ganhará sempre
mais com a estrita observação das conveniências. (Pág. 12.)
13. Não devemos esquecer – disse Kardec
– que o Espiritismo visa ao coração e seus meios de sedução são a doçura, a
consolação e a esperança. Sua moderação e seu espírito conciliador nos põem em
relevo. “Não percamos sua preciosa vantagem”, aditou o Codificador.
“Procuremos os corações aflitos, as
almas atormentadas pela dúvida: seu número é grande; lá estarão os nossos mais úteis
auxiliares; com eles faremos mais prosélitos do que com reclames e exibição.” (Pág.
12.)
14. A Revista transcreve
carta do sr. T. Jaubert, vice-presidente do Tribunal de Carcassone, em que o missivista
destaca as inúmeras realizações que o ano de 1865 havia trazido ao Espiritismo.
Quatro livros foram então mencionados pelo sr. Jaubert: Pluralidade dos
mundos habitados, de Camille Flammarion; Pluralidade das existências da
alma, de André Pezzani; O Céu e o Inferno, de Kardec, e a novela Espírita,
de Théophile Gautier. (Págs. 14 a 16.)
15. Jaubert refere-se também em sua
carta ao caso Davenport, que ele considerava menos causa do que pretexto para a
cruzada instaurada naquele ano contra a doutrina espírita e os espiritistas. E
apóia, por fim, a definição posta por Kardec no último número da Revista:
“Quem quer que creia na existência e na sobrevivência das almas, e na
possibilidade de relação entre os homens e o mundo espiritual, é espírita”. (Pág.
16.)
16. Com dezesseis anos e meio, Luísa
B... morava com seus pais no lugar chamado le Bondru (Seine-et-Marne). Em
conseqüência de violento pesar causado pela morte de uma irmã, Luísa caíra num
sono letárgico, que durara 56 horas, após o que despertou para uma existência
estranha. Durante o dia inteiro, ela ficava imóvel numa cadeira. Chegada a
noite, entrava num estado cataléptico, caracterizado pela rigidez dos membros e
pela fixidez do olhar. A jovem adquiria então o dom da segunda vista e o da
segunda audição, ouvindo palavras proferidas perto ou longe dela. (Pág. 17.)
A
emancipação da alma é
normal
durante o sono
17. Nas mãos da cataléptica cada objeto
apresentava para ela uma imagem dupla. Ela podia ver, assim, não apenas o
exterior, mas a representação de seu interior. Transportada a um cemitério, Luísa
via e descrevia as pessoas cujos despojos tinham sido ali sepultados. (Págs.
17 a 20.)
18. Comentando o fato, Kardec diz que
nada nele existe de excepcional. Trata-se de um fenômeno bastante comum e explicável
pelos atributos da alma, em que se encontra a sede de todas as percepções e de
todas as sensações. Durante a sua união com o corpo, a alma percebe por meio
dos sentidos e transmite o pensamento com a ajuda do cérebro. Separada do
corpo, ela percebe diretamente e pensa livremente. (Págs. 20 e 21.)
19. Esse estado, que chamamos emancipação
da alma, ocorre normal e periodicamente durante o sono, quando o corpo
repousa, para recuperar as perdas materiais. Mas pode ocorrer também todas as
vezes que uma causa patológica ou simplesmente fisiológica produz a inatividade
total ou parcial dos órgãos da sensação ou da locomoção, como se dá na
catalepsia, na letargia e no sonambulismo. (Pág. 22.)
20. O desprendimento da alma é tanto
maior quanto mais absoluta a inércia do corpo. Nesse estado, a alma não mais
percebe pelos sentidos materiais, mas, se assim podemos dizer, pelo sentido
psíquico; eis por que suas percepções ultrapassam nesses casos os limites
ordinários. Essa é a causa da segunda vista, da visão a distância, da lucidez
sonambúlica etc. A forma corpórea que Luísa via nas pessoas mortas é o que na
doutrina espírita se chama perispírito, envoltório fluídico que reveste a alma
de todos os seres humanos. (Págs. 22 e 23.)
21. Concluindo suas explicações, Kardec
adverte que casos como o da jovem Luísa B... exigem muito tato e prudência,
pois, nesse estado de excessiva suscetibilidade, a menor comoção pode ser
funesta. É que a alma, feliz por estar desprendida do corpo, a este se liga por
um fio, que um nada pode romper irremediavelmente. “Em casos semelhantes –
assevera Kardec –, experiências feitas sem cuidado podem matar.” (Pág.
23.)
22. De Alfred de Musset (Espírito) a
Revista transcreve dois poemas, que a crítica considerou dignos de um poeta
de primeira ordem, como o indigitado autor espiritual. “É a maneira de Musset,
sua linguagem encantadora, sua desenvoltura de cavalheiro, seu encanto e sua
graciosa atitude”, escreveu um dos redatores do jornal Monde Illustré,
sr. Júnior, que não era espírita. (Págs. 24 a 28.)
23. A Revista comenta o
surgimento em Paris do Novo Dicionário Universal, uma nova enciclopédia
ilustrada por Maurice Lachâtre, que contava com o concurso de cientistas,
artistas e escritores, encabeçados por Allan Kardec. Segundo o prospecto de
divulgação da enciclopédia, esta era fruto da análise de mais de 400.000 obras
e podia ser considerada como o mais vasto repertório de conhecimentos humanos até
então publicado. Todos os termos especiais do vocabulário espírita, refere Kardec,
ali se achavam, não com uma simples definição, mas com todos os desenvolvimentos
que comportam. A transcrição do texto pertinente ao verbete ALMA – feita pela Revista
– dá uma boa mostra da profundeza da publicação e do respeito que seus
editores revelavam pela doutrina espírita, que conquistava desse modo relevante
posição entre as doutrinas filosóficas da época. (Págs. 28 a 32.)
Destaque
dado ao Espiritismo por
jornal de
Bruxelas
24. Sob o título “O Espiritismo segundo
os espíritas”, o semanário La Discussion, impresso em Bruxelas, edição
de 31/12/1865, publicou um artigo em que o autor diz que os vocábulos Espíritas
e Espiritismo se tornaram muito conhecidos e estavam sendo freqüentemente
empregados, embora muitas pessoas não soubessem o que eles exatamente
significavam.
O articulista transcreve, então, diversas
referências colhidas junto a um amigo seu, partidário das idéias espíritas,
adiante resumidas: I – O Espiritismo é uma ciência ou, melhor dito, uma
filosofia espiritualista, que ensina a moral. II – Os médiuns são dotados de
uma faculdade natural que os torna aptos a servir de intermediários aos
Espíritos e a produzir com eles os fenômenos que passam por milagres ou por
prestidigitação aos olhos de quem ignore a sua explicação. III – Os Espíritos não
se comunicam com o único objetivo de provar aos vivos a sua existência: eles
ditaram e desenvolvem diariamente a filosofia espiritualista. IV – É assim que
o Espiritismo demonstra, entre outras coisas, a natureza da alma, seu destino, a
causa de nossa existência aqui, e desvenda o mistério da morte e o porquê dos
vícios e das virtudes do homem.
V – Esse sistema repousa em provas
lógicas e irrefutáveis, que têm como base fatos palpáveis e a mais pura razão.
VI – Em todas as teorias que expõe,
ele age como a ciência e não adianta um ponto senão quando o precedente esteja
completamente certificado.
VII – O ensinamento moral que prega
não é senão a moral cristã, a moral que está escrita no coração de todo ser
humano.
VIII – A moral espírita ensina-nos
a suportar a desgraça sem a desprezar, a gozar a felicidade sem a ela nos
apegarmos, e nos explica que todas as vantagens com que somos favorecidos são
outras tantas forças que nos são confiadas e de que deveremos prestar contas. (Págs.
33 a 36.)
25. A 28 de janeiro de 1866, o
semanário – que não é especializado em assuntos filosóficos ou religiosos, mas políticos
e financeiros – voltou ao assunto para dizer que o artigo precedente havia
provocado numerosas perguntas e ilações descabidas, como a que sugeriu tivesse
o periódico se transformado em um órgão espírita.
Em face disso, seu editor tornou
bem claro que o jornal estava aberto a todas as idéias progressivas, o que é coisa
diferente de assumir a paternidade dessa ou daquela doutrina. “Pomos a idéia em
evidência em toda a sua verdade. Se for boa, fará o seu caminho e nós lhe
teremos aberto a porta; se for má, teremos fornecido o meio de ser julgada com
conhecimento de causa”, explicou o editor. (Pág. 37.)
(Continua no próximo número.)
O
IMORTAL
JORNAL DE DIVULGAÇÃO ESPÍRITA
Diretor Responsável: Hugo
Gonçalves Ano 53 Nº 623 Janeiro de 2006
RUA PARÁ, 292, CAIXA POSTAL 63
CEP 86.180-970
TELEFONE: (043) 3254-3261 - CAMBÉ - PR
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