terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A Revue Spirite há 140 anos


Revista Espírita de 1866 (Parte 1)


MARCELO BORELA
DE OLIVEIRA
De Londrina

Iniciamos nesta edição a publicação do texto condensado da Revista Espírita de 1866. As páginas citadas referem-se à edição feita pela Edicel.
*
1. As mulheres têm alma?
Esse é o tema do artigo que abre o número de janeiro de 1866, no qual Kardec diz que, além de ter sido posta em deliberação num concílio, tal questão nem sempre foi resolvida pacificamente, constituindo sua negação um princípio de fé em certos povos. No artigo, ele informa também que pouco tempo atrás ainda se discutia na França se o grau de bacharel podia ser conferido a uma mulher. (Págs. 1 e 2.)
2. O Espiritismo ensina que as almas podem animar corpos de homens e mulheres. As almas ou Espíritos não têm sexo; as afeições que os unem nada têm de carnal; fundam-se numa simpatia real e, por isso, são mais duráveis. (Págs. 2 e 3.)
3. Os sexos só existem no organismo; são necessários à reprodução dos seres materiais; mas os Espíritos não se reproduzem uns pelos outros, razão por que os sexos seriam inúteis no mundo espiritual. (Págs. 2 e 3.)
4. A natureza fez o indivíduo do sexo feminino mais fraco que o outro, porque os deveres que lhe incumbem não exigem uma igual força muscular e seriam até incompatíveis com a rudeza masculina. Aos homens e às mulheres são, assim, assinados pela Providência deveres especiais, igualmente importantes na ordem das coisas, pois eles se completam um pelo outro. (Págs. 3 e 4.)
5. A influência que o Espírito encarnado sofre do organismo não se apaga imediatamente após a destruição do invólucro material, assim como não perdemos instantaneamente os gostos e hábitos terrenos. Pode acontecer ainda que o Espírito percorra uma série de existências no mesmo sexo, o que faz que durante muito tempo possa conservar, na erraticidade, o caráter de homem ou de mulher, cuja marca nele ficou impressa. (Pág. 4.)
6. Se essa influência se repercute da vida corporal à vida espiritual, o fato se dá também quando o Espírito passa da vida espiritual para a corporal. Numa nova encarnação trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito. Mudando de sexo, poderá então conservar os gostos, as inclinações e o caráter inerente ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes, notadas no caráter de certos homens e de certas mulheres. (Pág. 4.)
7. Referindo-se à prece, diz Kardec que o Espiritismo proclama a sua utilidade, não por espírito de sistema, mas porque a observação permitiu comprovar a sua eficácia e o seu modo de ação. Além da ação puramente moral, a prece produz um efeito de certo modo material, resultante da transmissão fluídica, e sua eficácia em certas moléstias é constatada pela experiência, como demonstrada pela teoria. (Págs. 5 e 6.)
8. Rejeitar a prece é, portanto, privar o homem de seu mais poderoso suporte moral na adversidade, visto que pela prece ele eleva sua alma, entra em comunhão com Deus, identifica-se com o mundo espiritual e desmaterializa-se, condição essencial de sua felicidade futura. (Pág. 6.)
Nenhum princípio espírita
é fruto de opiniões pessoais
9. Concluindo o artigo sobre a prece, o Codificador lembra que o que faz a principal autoridade da doutrina é que não há um só de seus princípios que seja produto de uma idéia preconcebida ou de uma opinião pessoal: todos, sem exceção, são o resultado da observação dos fatos. (Págs. 8 e 9.)
10. A Revista noticia o falecimento em 2 de dezembro de 1865 do sr. Didier, membro-fundador da Sociedade Espírita de Paris e editor das obras de Kardec. No momento do falecimento, a editora do sr. Didier imprimia a 14a edição d’O Livro dos Espíritos. (Págs. 9 e 10.)
11. No dia 8 de dezembro, na Sociedade de Paris, Kardec pronunciou uma alocução em que teceu palavras de reconhecimento pelo trabalho realizado pelo amigo recém-desencarnado, cujo desprendimento foi devidamente destacado pelo Codificador. (Págs. 11 e 12.)
12. Em seu discurso, Kardec explicou por que não usara a palavra no enterro do amigo, ocasião em que se reuniram muitas pessoas pouco simpáticas e mesmo hostis à causa espírita. Considerando o momento inadequado, ele se absteve e, ao esclarecer o fato, aproveitou para fazer importante advertência, quando afirmou que o Espiritismo ganhará sempre mais com a estrita observação das conveniências. (Pág. 12.)
13. Não devemos esquecer – disse Kardec – que o Espiritismo visa ao coração e seus meios de sedução são a doçura, a consolação e a esperança. Sua moderação e seu espírito conciliador nos põem em relevo. “Não percamos sua preciosa vantagem”, aditou o Codificador.
“Procuremos os corações aflitos, as almas atormentadas pela dúvida: seu número é grande; lá estarão os nossos mais úteis auxiliares; com eles faremos mais prosélitos do que com reclames e exibição.” (Pág. 12.)
14. A Revista transcreve carta do sr. T. Jaubert, vice-presidente do Tribunal de Carcassone, em que o missivista destaca as inúmeras realizações que o ano de 1865 havia trazido ao Espiritismo. Quatro livros foram então mencionados pelo sr. Jaubert: Pluralidade dos mundos habitados, de Camille Flammarion; Pluralidade das existências da alma, de André Pezzani; O Céu e o Inferno, de Kardec, e a novela Espírita, de Théophile Gautier. (Págs. 14 a 16.)
15. Jaubert refere-se também em sua carta ao caso Davenport, que ele considerava menos causa do que pretexto para a cruzada instaurada naquele ano contra a doutrina espírita e os espiritistas. E apóia, por fim, a definição posta por Kardec no último número da Revista: “Quem quer que creia na existência e na sobrevivência das almas, e na possibilidade de relação entre os homens e o mundo espiritual, é espírita”. (Pág. 16.)
16. Com dezesseis anos e meio, Luísa B... morava com seus pais no lugar chamado le Bondru (Seine-et-Marne). Em conseqüência de violento pesar causado pela morte de uma irmã, Luísa caíra num sono letárgico, que durara 56 horas, após o que despertou para uma existência estranha. Durante o dia inteiro, ela ficava imóvel numa cadeira. Chegada a noite, entrava num estado cataléptico, caracterizado pela rigidez dos membros e pela fixidez do olhar. A jovem adquiria então o dom da segunda vista e o da segunda audição, ouvindo palavras proferidas perto ou longe dela. (Pág. 17.)
A emancipação da alma é
normal durante o sono
17. Nas mãos da cataléptica cada objeto apresentava para ela uma imagem dupla. Ela podia ver, assim, não apenas o exterior, mas a representação de seu interior. Transportada a um cemitério, Luísa via e descrevia as pessoas cujos despojos tinham sido ali sepultados. (Págs. 17 a 20.)
18. Comentando o fato, Kardec diz que nada nele existe de excepcional. Trata-se de um fenômeno bastante comum e explicável pelos atributos da alma, em que se encontra a sede de todas as percepções e de todas as sensações. Durante a sua união com o corpo, a alma percebe por meio dos sentidos e transmite o pensamento com a ajuda do cérebro. Separada do corpo, ela percebe diretamente e pensa livremente. (Págs. 20 e 21.)
19. Esse estado, que chamamos emancipação da alma, ocorre normal e periodicamente durante o sono, quando o corpo repousa, para recuperar as perdas materiais. Mas pode ocorrer também todas as vezes que uma causa patológica ou simplesmente fisiológica produz a inatividade total ou parcial dos órgãos da sensação ou da locomoção, como se dá na catalepsia, na letargia e no sonambulismo. (Pág. 22.)
20. O desprendimento da alma é tanto maior quanto mais absoluta a inércia do corpo. Nesse estado, a alma não mais percebe pelos sentidos materiais, mas, se assim podemos dizer, pelo sentido psíquico; eis por que suas percepções ultrapassam nesses casos os limites ordinários. Essa é a causa da segunda vista, da visão a distância, da lucidez sonambúlica etc. A forma corpórea que Luísa via nas pessoas mortas é o que na doutrina espírita se chama perispírito, envoltório fluídico que reveste a alma de todos os seres humanos. (Págs. 22 e 23.)
21. Concluindo suas explicações, Kardec adverte que casos como o da jovem Luísa B... exigem muito tato e prudência, pois, nesse estado de excessiva suscetibilidade, a menor comoção pode ser funesta. É que a alma, feliz por estar desprendida do corpo, a este se liga por um fio, que um nada pode romper irremediavelmente. “Em casos semelhantes – assevera Kardec –, experiências feitas sem cuidado podem matar.” (Pág. 23.)
22. De Alfred de Musset (Espírito) a Revista transcreve dois poemas, que a crítica considerou dignos de um poeta de primeira ordem, como o indigitado autor espiritual. “É a maneira de Musset, sua linguagem encantadora, sua desenvoltura de cavalheiro, seu encanto e sua graciosa atitude”, escreveu um dos redatores do jornal Monde Illustré, sr. Júnior, que não era espírita. (Págs. 24 a 28.)
23. A Revista comenta o surgimento em Paris do Novo Dicionário Universal, uma nova enciclopédia ilustrada por Maurice Lachâtre, que contava com o concurso de cientistas, artistas e escritores, encabeçados por Allan Kardec. Segundo o prospecto de divulgação da enciclopédia, esta era fruto da análise de mais de 400.000 obras e podia ser considerada como o mais vasto repertório de conhecimentos humanos até então publicado. Todos os termos especiais do vocabulário espírita, refere Kardec, ali se achavam, não com uma simples definição, mas com todos os desenvolvimentos que comportam. A transcrição do texto pertinente ao verbete ALMA – feita pela Revista – dá uma boa mostra da profundeza da publicação e do respeito que seus editores revelavam pela doutrina espírita, que conquistava desse modo relevante posição entre as doutrinas filosóficas da época. (Págs. 28 a 32.)
Destaque dado ao Espiritismo por
jornal de Bruxelas
24. Sob o título “O Espiritismo segundo os espíritas”, o semanário La Discussion, impresso em Bruxelas, edição de 31/12/1865, publicou um artigo em que o autor diz que os vocábulos Espíritas e Espiritismo se tornaram muito conhecidos e estavam sendo freqüentemente empregados, embora muitas pessoas não soubessem o que eles exatamente significavam.
O articulista transcreve, então, diversas referências colhidas junto a um amigo seu, partidário das idéias espíritas, adiante resumidas: I – O Espiritismo é uma ciência ou, melhor dito, uma filosofia espiritualista, que ensina a moral. II – Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna aptos a servir de intermediários aos Espíritos e a produzir com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem ignore a sua explicação. III – Os Espíritos não se comunicam com o único objetivo de provar aos vivos a sua existência: eles ditaram e desenvolvem diariamente a filosofia espiritualista. IV – É assim que o Espiritismo demonstra, entre outras coisas, a natureza da alma, seu destino, a causa de nossa existência aqui, e desvenda o mistério da morte e o porquê dos vícios e das virtudes do homem.
V – Esse sistema repousa em provas lógicas e irrefutáveis, que têm como base fatos palpáveis e a mais pura razão.
VI – Em todas as teorias que expõe, ele age como a ciência e não adianta um ponto senão quando o precedente esteja completamente certificado.
VII – O ensinamento moral que prega não é senão a moral cristã, a moral que está escrita no coração de todo ser humano.
VIII – A moral espírita ensina-nos a suportar a desgraça sem a desprezar, a gozar a felicidade sem a ela nos apegarmos, e nos explica que todas as vantagens com que somos favorecidos são outras tantas forças que nos são confiadas e de que deveremos prestar contas. (Págs. 33 a 36.)
25. A 28 de janeiro de 1866, o semanário – que não é especializado em assuntos filosóficos ou religiosos, mas políticos e financeiros – voltou ao assunto para dizer que o artigo precedente havia provocado numerosas perguntas e ilações descabidas, como a que sugeriu tivesse o periódico se transformado em um órgão espírita.
Em face disso, seu editor tornou bem claro que o jornal estava aberto a todas as idéias progressivas, o que é coisa diferente de assumir a paternidade dessa ou daquela doutrina. “Pomos a idéia em evidência em toda a sua verdade. Se for boa, fará o seu caminho e nós lhe teremos aberto a porta; se for má, teremos fornecido o meio de ser julgada com conhecimento de causa”, explicou o editor. (Pág. 37.)
(Continua no próximo número.)

O IMORTAL
JORNAL DE DIVULGAÇÃO ESPÍRITA
Diretor Responsável: Hugo Gonçalves Ano 53 Nº 623 Janeiro de 2006
RUA PARÁ, 292, CAIXA POSTAL 63
CEP 86.180-970
TELEFONE: (043) 3254-3261 - CAMBÉ - PR

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