A Fé Ativa construindo uma Nova Era 22
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa
Discurso II
(Allan Kardec, in “Viagem Espírita de 1862”)
O Espiritismo
apresenta um fenômeno desconhecido na história da filosofia: a rapidez de sua
propagação.
Nenhuma outra
doutrina oferece exemplo semelhante. Quando se afere o progresso que vem sendo
feito, ano após ano, pode-se, sem nenhuma presunção, prever a época em que ele
será a crença universal.
A maioria dos
países estrangeiros participam do movimento: Áustria, Polônia, Rússia, Itália,
Espanha, Constantinopla, etc., contam numerosos adeptos e várias sociedades
perfeitamente organizadas. Possuo uma relação onde estão arroladas mais de cem
cidades, com grupos em funcionamento. Entre elas, Lyon e Bordeaux ocupam o
primeiro lugar. Honremos, pois, essas duas cidades, que se impõem por sua
população e sua cultura e onde tão alto e tão firmemente foi hasteada a
bandeira do Espiritismo. Muitas outras ambicionam caminhar em suas pegadas.
A esse mesmo
respeito palestrei com vários viajantes. Todos estão de acordo em dizer que, a
cada ano, registram-se progressos na opinião pública. Os galhofeiros diminuem à
vista d’olhos. Mas ao escárnio sucede a cólera.
Ontem riam-se,
hoje zangam-se. De acordo com um velho provérbio, isso é de bom augúrio e leva
os incrédulos a concluir que à questão deve estar implícito um motivo sério
qualquer.
Um fato não menos
característico é que tudo quanto os adversários do Espiritismo fizeram para
entravar sua marcha, longe de detê-lo, ativou o seu progresso. E pode-se
afirmar que, por toda parte, esse progresso está em relação aos ataques
sofridos. A imprensa o enalteceu? Todos sabemos que, longe de estender-lhe as
mãos, ela lhe tem deitado aos pés; e com isso não conseguiu senão fazê-lo
avançar. O mesmo ocorre relativamente aos ataques que, em geral, lhe têm sido
endereçados.
Há, pois, com
referência ao Espiritismo, um fenômeno que se constitui em uma constante: é
que, sem o recurso de qualquer um dos meios habitualmente empregados para
alcançar o que se denomina um sucesso, e apesar dos entraves que lhe têm sido
impostos, ele não cessa de ganhar terreno, todos os dias, como para dar um
desmentido àqueles que predizem seu fim próximo. Será isso uma presunção, uma
fanfarrice de nossa parte? Não, trata-se de um fato impossível de ser negado.
Ele hauriu sua força em si mesmo, o que prova o poder incoercível dessa ideia.
Aqueles a quem isso contraria, pois, farão melhor mudando de partido ou se
resignando a deixar passagem franca ao que não podem deter. O caso é que o
Espiritismo é uma ideia e quando uma ideia caminha, ela derruba todas as
barreiras; não se pode detê-la nas fronteiras, como um pacote de mercadoria.
Queimam-se livros, mas não se queimam ideias, e suas próprias cinzas, levadas
pelo vento, fazem fecundar a terra onde ela deve frutificar.
Todavia não basta
lançar uma ideia ao mundo para que ela crie raízes. Não, certamente! Não se
cria à vontade opiniões ou hábitos; o mesmo ocorreu relativamente às invenções
e descobertas; mesmo a mais útil se perde se não chega a seu tempo, se a
necessidade que está destinada a satisfazer não existe ainda. O mesmo ocorre
quanto às doutrinas filosóficas, políticas, religiosas e sociais; é preciso que
os Espíritos estejam maduros para aceitá-las. Se chegam muito cedo permanecem
em estado latente e, como os frutos plantados fora da estação, não vingam.
Se, pois, o
Espiritismo encontra tão numerosas simpatias, é que o seu tempo está chegado, é
que os Espíritos estão maduros para recebê-lo, é que ele responde a uma
necessidade, a uma aspiração. Tendes disso a prova pelo número, hoje
incontável, de pessoas que o acolhem sem estranheza, como algo de muito
natural, a partir do momento que se lhes fala a respeito pela primeira vez. E
confessam que tudo sempre lhes pareceu ser assim, mas que não eram capazes de
definir suas ideias. Sente-se o vazio moral que a incredulidade e o
materialismo criam em torno do homem; compreende-se que essas doutrinas cavam
um abismo para a sociedade; que destroem os laços mais sólidos: os da
fraternidade. E, depois, instintivamente, o homem tem horror ao nada, como a
natureza tem horror ao vazio. Eis porque ele acolhe com alegria a prova de que
o nada não existe.
Mas dir-se-á, não
se lhe ensinou, todos os dias, que o nada não existe? Sem dúvida, isso lhe foi
ensinado! Mas, então, como entender que a incredulidade e a indiferença tenham
incessantemente crescido neste último século?
É que as provas
oferecidas não satisfazem mais, hoje em dia, pois não respondem às necessidades
de sua inteligência. O progresso científico e industrial tornou o homem
positivo. Este quer se dar conta de tudo. Quer saber o porquê e o como de cada
coisa. Compreender para crer se tornou uma necessidade imperiosa. Eis o motivo
pelo qual a fé cega já não possui domínio sobre ele. E isso para uns é um mal,
para outros um bem. Sem desejar discutir a questão, diremos apenas que assim é
a lei da natureza. A humanidade coletivamente, como os indivíduos, tem sua
infância e sua idade madura. Quando se encontra na maturidade, atira à distância
seu cueiro e quer fazer uso de suas próprias forças, isto é, de sua
inteligência. Fazê-la retroceder é tão impossível quanto obrigar um rio a
retornar às suas fontes.
Atacar o mérito da
fé cega, dir-se-á, é uma impiedade, pois que Deus quer que se aceite sua
palavra sem exame.
A fé cega teve sua
razão de ser, direi mesmo sua necessidade, mas em um certo período da história
da humanidade. Se hoje ela não basta mais para fortalecer a crença, é porque
está na natureza da humanidade que assim deve ser. Ora, quem fez as leis da
natureza? Deus ou Satã? Se foi Deus, não haverá impiedade em seguir-se suas
leis. Se, na atualidade, compreender para crer se tornou uma necessidade para a
inteligência, como beber e comer é uma necessidade para o estômago, é que Deus quer
que o homem faça uso de sua inteligência: de outro modo não tê-la-ia dado. Há
pessoas que não experimentam essa necessidade, que se contentam em crer sem
exame. Não as recriminamos e longe está de nós o pensamento de perturbá-las em
sua tranquilidade. O Espiritismo, evidentemente, não se destina a elas: se têm
tudo o de que necessitam, nada há a oferecer-lhes. Não se obriga a comer à
força àqueles que declaram não ter fome. O Espiritismo está destinado àqueles
para os quais o alimento intelectual que lhes é dado não basta e o número
destas pessoas é tão grande que o tempo não sobra para nos ocuparmos com as
outras. Por que, então, se queixam quando não lhes corremos ao encalço? O
Espiritismo não procura ninguém, não se impõe a ninguém, limita-se a dizer: “Aqui
me tendes, eis o que sou, eis o que trago. Os que julgam ter necessidade de
mim, se aproximem, os demais permaneçam onde se encontram. Não é meu propósito
perturbar-lhes a consciência nem injuriá-los. A única coisa que peço é a
reciprocidade.
Por que, então, o
materialismo tende a suplantar a fé? Acaso porque, até o presente, a fé não
raciocina? Por que ela diz “Crede!”, enquanto o materialismo raciocina? Estes
são sofismas, convenho; porém, boas ou más, são razões que, ao ver de muitos,
levam vantagem sobre aqueles que nada oferecem. Acrescentai a isto que o
materialismo satisfaz àqueles que se comprazem na vida material, que querem se
distrair das consequências do futuro, que esperam, assim, escapar à
responsabilidade de seus atos, tendo-se em vista que, em suma, ele é
eminentemente favorável à satisfação de todos os apetites brutais. Na incerteza
do futuro, o homem se diz: “Aproveitemos o presente. Que benefício me trazem os
meus semelhantes? Por que me sacrificar por eles? São meus irmãos, diz-se. Mas
de que me servem irmãos que eu perderei para sempre, que amanhã estarão mortos,
como eu próprio? Que somos, afinal, uns para com os outros? Muito pouco se, uma
vez mortos, nada resta de nós. De que servirá impor-me privações? Que
compensação dela me poderá advir se tudo terminará comigo?”
Julgais possível
fundar uma sociedade sobre as bases da fraternidade com semelhantes ideias? O
egoísmo é a consequência natural de uma posição como essa. De acordo com o
egoísmo, cada um tira o melhor para si, mas essa parte melhor é sempre o mais
forte que leva. O fraco, por sua vez, raciocinará: “Sejamos egoístas, uma vez
que os outros também o são. Pensemos apenas em nós, pois que os outros só
pensam em si mesmos.”
Tal é,
convenhamos, o mal que tende a invadir a sociedade moderna e esse mal, como um
verme roedor, pode arruiná-la em seus fundamentos. Oh! qual não será a culpa
dos que a levam por esse triste caminho, dos que se esforçam por rechaçar a
crença, dos que preconizam o presente com prejuízo do futuro! Eles terão um
terrível débito a resgatar, pelo uso que fizeram de sua inteligência!
E, enquanto isso,
a incredulidade deixa em seu rastro um mar de inquietude. Se é cômodo ao homem
entregar-se às ilusões, não pode furtar-se de pensar, vez por outra, no que lhe
sucederá depois. A contragosto a ideia do nada o enregela. Quereria ter uma
certeza e não a encontra; então flutua, hesita, duvida, e a incerteza o
mortifica. Sente-se desgraçado em meio aos prazeres materiais que não podem
preencher o abismo do nada que se abre a seus pés e onde, supõe, vai ser
precipitado.
É nesse momento
que chega o Espiritismo, como uma âncora salvadora, como um archote aceso nas
trevas de sua alma. Vem tirá-lo da dúvida, vem preencher o horror do vazio, não
com uma esperança vaga, porém com provas irrecusáveis, resultantes da
observação dos fatos. Vem reanimar sua fé, não apenas dizendo: “Crede, pois
isso vos ordeno!”, mas: “Vede, tocai, compreendei e crede!”. Ele não poderia,
pois, chegar em momento mais oportuno, seja para deter o mal, antes que se
torne incurável, seja para satisfazer às necessidades do homem, que já não crê
sob palavra, que aspira racionalizar aquilo em que crê. O materialismo o
seduzira por seus falsos raciocínios; aos seus sofismas era preciso opor
raciocínios sólidos, apoiados em provas materiais. Para essa luta, a fé cega já
se mostrava impotente. Eis por que digo que o Espiritismo veio a seu tempo.
O que falta ao
homem é, pois, a fé no futuro! E a ideia que se lhe dá não satisfaz ao seu
apetite pelo positivo. É por demais vaga, por demais abstrata. Os laços que o
prendem ao presente não são bastante definidos. O Espiritismo, pelo contrário,
nos apresenta a alma como um ser circunscrito, semelhante a nós, exceção feita
ao envoltório material do qual se desprendeu, mas revestida de um outro
envoltório, fluídico, o que é mais compreensível e leva a conceber melhor a
individualidade. Mais do que isso, ele prova, pela experiência, as relações
incessantes do mundo visível com o mundo invisível, que se tornam, assim, reciprocamente
solidários. As relações da alma com o ambiente terreno não cessam com a vida; a
alma em estado de Espírito constitui uma das engrenagens, uma das forças vivas
da natureza, já não é um ser inútil, que não pensa e não tem senão uma íntima
ação durante a eternidade. É sempre, e por toda parte, um agente ativo da
vontade de Deus para a execução de suas obras. Assim, conforme a Doutrina
Espírita, tudo se concatena, tudo se encadeia no Universo, e nesse grande
movimento, admiravelmente harmonioso, as afeições sobrevivem. Longe de se
extinguirem, elas se fortificam e se depuram.
Ainda que não
houvesse aqui senão um sistema, ele teria sobre os outros a vantagem de ser
mais sedutor, embora sem oferecer certeza. Todavia é o próprio mundo invisível
que se vem revelar a nós, provar que está, não em regiões do espaço
inacessíveis mesmo ao pensamento, mas aqui, ao nosso lado, em torno de nós, e
que vivemos em meio dele, como um povo de cegos em meio a um outro, capaz de
ver. Isso pode perturbar certas ideias, convenhamos.
Mas diante de um
fato, queiramos ou não, temos de nos inclinar. Poder-se-á negar tudo isso,
poder-se-á querer provar que não pode ser assim. A provas palpáveis, seria o
caso de opor provas mais palpáveis ainda. Todavia o que se oferece?
Apenas a negação!
O Espiritismo
apoia-se sobre fatos. Os fatos, de acordo com o raciocínio e uma lógica
rigorosos, dão ao Espiritismo o caráter de positivismo que convém à nossa
época. O materialismo veio minar toda a crença, solapar os alicerces,
substituir a moral pela razão de ser e jogar por terra os próprios fundamentos
da sociedade, proclamando o reino do egoísmo. Então os homens sérios se
perguntaram para onde um tal estado de coisas nos conduziria e viram um abismo.
Eis que o Espiritismo veio preenchê-lo, dizendo ao materialismo: Não irás muito
longe, pois aqui estão os fatos que provam a falsidade de teus raciocínios.
O materialismo
ameaçava fazer a sociedade mergulhar em trevas, afirmando aos homens: O
presente é tudo, o futuro não existe.
O Espiritismo
corrige a distorção afirmando: O presente é bem pouco, mas o futuro é tudo. E
isto ele o prova.
Um adversário
escreveu, de certa feita, em um jornal, que o Espiritismo é cheio de seduções.
Ele não podia, involuntariamente, dirigir-lhe um elogio maior, ao mesmo tempo
condenando-se de maneira mais peremptória. Dizer que uma coisa é sedutora é, na
verdade, dizer que ela satisfaz. Ora, eis aqui o grande segredo da propagação
do Espiritismo. Por que não lhe opõem algo de mais sedutor, para suplantá-lo?
Se tal não se faz é porque não se tem nada de melhor a oferecer. Por que ele
agrada? É muito fácil explicar.
Ele agrada:
Porque satisfaz à
aspiração instintiva do homem em relação ao futuro;
Porque apresenta o
futuro sob um aspecto que a razão pode admitir;
Porque a certeza
da vida futura faz com que o homem enfrente com paciência as misérias da vida
presente;
Porque, com a
doutrina da pluralidade das existências, essas misérias revelam uma razão de
ser, tornam-se explicáveis e, ao invés de ser atribuídas à Providência, em
forma de acusação, passam a ser justificáveis, compreensíveis e aceitas sem
revolta;
Porque é um motivo
de felicidade saber que os seres que amamos não estão perdidos para sempre, que
os encontraremos e que estão constantemente junto de nós;
Porque as orientações
dadas pelos Espíritos são de molde a tornar os homens melhores em suas relações
recíprocas; estes e, além destes, outros motivos que só os espíritas podem
compreender.
Em contrapartida,
que sedução oferece o materialismo? O nada! Nele todo o consolo que apresenta
para as misérias da vida.
Com tais
elementos, o futuro do Espiritismo não pode ser duvidoso e, todavia, se devemos
nos surpreender com alguma coisa, será com o fato de que tenha franqueado um
caminho tão rápido através dos preconceitos. Como e por que meios alcançará a
transformação da humanidade é o que nos resta examinar.
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