A Fé Ativa construindo uma Nova Era 20
Módulo/Eixo Temático: A Fé Ativa
Uma Profissão de Fé Materialista
(Allan Kardec, in “Revista Espírita”
– out/1868)
O Fígaro, de 3 de
abril de 1868, continha a carta seguinte a propósito dos debates que ocorreram
por esta época no Senado, a proposta de certas lições professadas na Escola de
medicina.
"Paris, 2 de
abril de 1868.
"Senhor
redator,
"Um erro que
me concerne escapou na última conversa do doutor Flavius. Eu não assisti à
lição de abertura do Sr. Sée, no ano último, e não tinha por consequência
nenhum direito a um papel nesse assunto. De resto, é um erro na forma e não no
fundo; mas a cada um os seus atos. É preciso substituir o meu nome pelo do meu
amigo Jaclard, o que não crê mais do que eu na alma imortal. E, verdadeiramente
dizendo, não vejo mais em todo o Senado senão o Sr. Sainte-Beuve que ousou, se
for possível, nos confiar o cuidado de seus molares ou da direção de seu tubo
digestivo.
"E, uma vez
que tenho a palavra, permite-me ainda uma palavra. É preciso acabar com uma
brincadeira que começa a se tornar irritante, além do que ela tem um ar de
recuo. A Escola de medicina, disse o doutor Flavius, mais forte em parto do que
em filosofia, não é nem ateia nem materialista; ela é positivista.
"Mas, em verdade,
o que é o positivismo senão um ramo dessa grande escola materialista que vai de
Aristóteles e de Epicuro até Bacon, até Dederot, até Virechow, Moleschoff e
Büchner, sem contar os contemporâneos e compatriotas que não nomeio - e por
causa disto.
"A filosofia
de A. Comte teve a sua utilidade e a sua glória num tempo em que o Cousinismo
reinava dominante.
Hoje que a
bandeira do materialismo foi levantada na Alemanha por nomes ilustres, na
França por pessoas jovens no número das quais tenho o orgulho e a pretensão de
me contar, é bom que o positivismo reentre no papel modesto que lhe convém.
Sobretudo, é bom que não afete por maior tempo, a respeito do materialismo, seu
mestre e seu ancestral, um desdém ou reticências que são pelo menos
inoportunas.
"Recebei,
senhor redator, a certeza de minha distinta consideração. "A. REGNARD,
"Antigo interno dos hospitais."
O materialismo,
como se vê, tem também seu fanatismo; há alguns anos somente não teria ousado
se ostentar tão audaciosamente; hoje ele sustenta abertamente o desafio ao
espiritualismo, e o positivismo não é mais bastante radical a seus olhos; ele
tem suas manifestações públicas e publicamente ensinou à juventude; além do
mais tem o que censura nos outros, a intolerância que vai até à intimidação.
Que se imagine o estado social de um povo imbuído de semelhantes doutrinas!
Esses excessos, no
entanto, têm a sua utilidade, a sua razão de ser; eles assustam a sociedade, e
o bem sai sempre do mal; é preciso o excesso do mal para fazer sentir a
necessidade do melhor, sem isto o homem não sairia de sua inércia; ele
permaneceria impassível diante de um mal que se perpetuaria em favor de sua
pouca importância, ao passo que um grande mal desperta a sua atenção e o faz
procurar os meios de remediá-lo. Sem os grandes desastres chegados no começo
das estradas de ferro, e que assustaram, os pequenos acidentes isolados,
passando quase despercebidos, ter-se- iam negligenciado as medidas de
segurança. Assim ocorre no moral como no físico: quanto mais os abusos são
excessivos mais o fim deles se aproxima.
A causa primeira
do desenvolvimento da incredulidade está, como dissemos muitas vezes, na
insuficiência das crenças religiosas, em geral, para satisfazer a razão, e em
seu princípio de imobilidade que lhe proíbe toda concessão sobre seus dogmas,
mesmo diante da evidência; se, em lugar de permanecerem atrasadas, elas
tivessem seguido o movimento progressivo do espírito humano, em se mantendo
sempre ao nível da ciência, é verdade que elas diferenciariam um pouco do que
eram do princípio, como um adulto difere da criança no berço, mas a fé, em
lugar de se extinguir, teria aumentado com a razão, porque ela é uma
necessidade para a Humanidade, e elas não teriam aberto a porta à incredulidade
que vem solapar o que dela resta; elas colhem o que semearam.
O materialismo é
uma consequência da época de transição em que estamos; não é um progresso,
muito longe disto, mas um instrumento de progresso. Ele desaparecerá em
provando a sua insuficiência para a manutenção da ordem social, e para a
satisfação dos espíritos sérios que procuram o porquê de cada coisa; para isto
seria preciso que se o visse em obra. A Humanidade, que tem necessidade de crer
no futuro, jamais se contentará com o vazio que lhe deixa depois dele, e
procurará alguma coisa melhor para enchê-lo.
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