sábado, 10 de outubro de 2015


Céu inferno_057_2ª. Parte cap. IV - Espíritos Sofredores - Claire II

TEXTO PARA ESTUDO

Sociedade de Paris, 1861

O Espírito que ditou as comunicações seguintes foi o de uma senhora que o médium conhecera quando viva, e cuja conduta e caráter não justificam senão muito os tormentos que ela sofre. Sobretudo, ela era dominada por um sentimento exagerado de egoísmo e de personalidade, que se reflete na terceira comunicação, por sua pretensão de querer que o médium não se ocupe senão dela. Essas comunicações foram obtidas em diversas épocas; as três últimas denotam um progresso sensível nas disposições do Espírito, graças aos cuidados do médium, que empreendia a sua educação moral.

I. Eis-me, eu, a infeliz Claire; que queres tu que eu te ensine? A resignação e a esperança não são palavras para aquele que sabe que, inumeráveis como os calhaus da praia, seus sofrimentos durarão durante a sucessão dos séculos intermináveis. Eu posso abrandá-los, dizes? Que palavra vaga! Onde encontrar a coragem, a esperança para isso? Trate, pois, cérebro limitado, de compreender o que é um dia que não acaba nunca. Ele é um dia, um ano, um século? Que sei eu disso? As horas não o dividem nada; as estações não o variam; eterno e lento como a água que escorre do rochedo, esse dia execrado, esse dia maldito, pesa sobre mim como uma moldura de chumbo... Eu sofro!... 

Não vejo nada ao meu redor, senão sombras silenciosas e indiferentes... Eu sofro!

Eu o sei, todavia, acima dessa miséria reina Deus, o pai, o senhor, aquele para quem tudo se encaminha. Quero pensar nele, quero implorar-lhe misericórdia.

Eu me debato e me arrasto como um estropiado que rasteja ao longo do caminho. Não sei que poder me atrai para ti; talvez sejas a salvação? Eu o deixo um pouco calma, um pouco reanimada; como um velho tiritante que se reanima a um raio de Sol, minha alma gelada haure uma nova vida aproximando-se de ti.

II. A minha infelicidade aumenta a cada dia; aumenta na medida em que o conhecimento da eternidade se desenvolve em mim. Ó miséria! Quanto vos maldigo, horas culpáveis, horas de egoísmo e esquecimento, onde, desconhecendo toda a caridade, todo o devotamento, não pensava senão no meu bem-estar! Sede malditos, arranjos humanos! Vãs preocupações de interesses materiais! Sede malditos, vós que me enceguecestes e me perdestes! Estou roída pelo incessante lamento do tempo perdido. Que te direi, a ti que me escutas? Vela sem cessar sobre ti; ama os outros mais que a ti mesmo; não te demores nos caminhos do bem-estar; não engordes teu corpo às expensas de tua alma; vigie, como dizia o Salvador aos seus discípulos. Não me agradeças por esses conselhos, meu Espírito concebe-os, meu coração nunca os escutou. Como um cão chicoteado, o medo me faz rastejar, mas não conheço ainda o desembaraçado amor. Sua divina aurora tarda muito a se levantar! Ora por minha alma ressequida e tão miserável!

III. Venho te procurar até aqui, uma vez que me esqueces. Crês, pois, que preces isoladas, o meu nome pronunciado, bastarão ao apaziguamento de minha pena? Não, cem vezes não. Eu rujo de dor; erro sem repouso, sem asilo, sem esperança, sentindo o eterno aguilhão do castigo se enterrar na minha alma revoltada. Rio quando ouço os vossos lamentos, quando vos vejo abatidos! Que são as vossas pálidas misérias! Que são as vossas lágrimas! Que são os vossos tormentos que o sono suspende! É que durmo, eu? Eu quero, entendes? Eu quero que, deixando as dissertações filosóficas, te ocupes de mim; que faças que os outros de mim se ocupem. Não tenho expressões para pintar a angústia desse tempo que foge, sem que as horas lhe marquem os períodos. Vejo apenas um fraco raio de esperança, e esta esperança tu ma deste; não me abandones pois.

IV. O Espírito de São Luís – Este quadro não é senão muito verdadeiro, porque não é, de modo algum, carregado. Perguntar-se-á, talvez, o que fez essa mulher para ser tão miserável. Cometeu ela algum crime horrível? Foi roubada, assassinada? Não; nada fez que merecera a justiça dos homens. Ao contrário, ela zombou do que chamais a felicidade terrestre; beleza, fortuna, prazeres, adulações, tudo lhe sorria, nada lhe faltava, e dizia-se em vendo-a: Que mulher feliz! E invejava-se a sua sorte. O que ela fez? Foi egoísta; tinha tudo, exceto bom coração. Se não violou a lei dos homens, ela violou a lei de Deus, porque desconheceu a caridade, a primeira das virtudes. Não amou senão a ela mesma; agora não é amada por ninguém; nada deu, nada se lhe dá; está isolada, desamparada, abandonada, perdida no espaço onde ninguém pensa nela, ninguém se ocupa dela: é o que faz o seu suplício. Como não procurou senão os gozos mundanos, e hoje esses gozos não mais existem, o vazio se fez ao seu redor; ela não vê senão o nada, e o nada parece-lhe a eternidade. Não sofre mais as torturas físicas, os diabos não vêm mais atormentá-la, mas isso não é mais necessário: ela se atormenta a si mesma, e antes sofre muito, porque esses diabos ainda seriam seres que nela pensariam. O egoísmo fez a sua alegria na Terra: perseguiu-a; agora é o verme que lhe rói o coração, seu verdadeiro demônio.

SÃO LUÍS

V. Eu vos falarei da diferença importante que existe entre a moral divina e a moral humana. A primeira assiste a mulher adúltera em seu abandono, e diz aos pecadores: - “Arrependei-vos, e o reino dos céus vos será aberto.” A moral divina, enfim, aceita todos os arrependimentos e todas as faltas confessadas, ao passo que a moral humana repele estas e admite, sorrindo, os pecados ocultos que, diz ela, são perdoados pela metade. A uma, graça e perdão, à outra, a hipocrisia. Escolhei, Espíritos, ávidos de verdade! Escolhei entre os céus abertos ao arrependimento e a tolerância que admite o mal que não incomoda o seu egoísmo e seus falsos arranjos, mas que repele a paixão e os soluços de faltas confessadas publicamente. Arrependei-vos, vós todos que pecais; renunciai ao mal, mas sobretudo renunciai à hipocrisia que vela a torpeza, da máscara risonha e enganosa das conveniências mútuas.

VI. Estou agora calma e resignada para a expiação das faltas que cometi. O mal está em mim, e não fora de mim; sou, pois, eu quem devo mudar e não as coisas exteriores. Carregamos em nós o nosso céu e o nosso inferno, e as nossas faltas, gravadas na consciência, se lêem facilmente no dia da ressurreição, e então somos nossos próprios juizes, uma vez que o estado da nossa alma nos eleva ou nos impele de cima para baixo. Eu me explico: um Espírito manchado e pesado pelas suas faltas, não pode conceber nem desejar uma elevação que não saberia suportar. Crede-o bem: assim como as diferentes espécies de serem vivem cada uma na esfera que lhe é própria, assim também os Espíritos, segundo o grau de seu adiantamento, se movem no meio que é o de suas faculdades; não concebem outro senão quando o progresso, o instrumento da lenta transformação das almas, arrebata-os de suas tendências rasteiras, e fá-las despojar da crisálida do pecado, a fim de que possam adejar, antes de se lançarem, rápidas como flechas, para Deus, tornado o objetivo único e desejado. Ai de mim! Eu me arrasto ainda, mas não odeio mais, e concebo a inefável felicidade do amor divino. Orai, pois, sempre por mim, que espero e aguardo.

Na comunicação seguinte, Claire fala de seu marido, que muito a fez sofrer quando viva, e da posição em que se acha hoje no mundo dos Espíritos. Esse quadro, que ela mesma não pôde terminar, foi completado pelo guia espiritual do médium.

VII. Venho a ti que me deixaste muito tempo no esquecimento; mas adquiri a paciência, e não sou mais desesperada. Queres saber qual é a situação do pobre Feliz; ele erra nas trevas, vítima da profunda nudez da alma; seu ser, superficial e leviano, manchado pelo prazer, sempre ignorou o amor e a amizade. A própria paixão não alumiou os seus vislumbres sombrios. Comparo o seu estado presente ao de uma criança inábil para os atos da vida, e privada do socorro daqueles que a assistem. Félix erra, com pavor, nesse mundo estranho onde tudo resplandece ao clarão de Deus, que ele negou...

VIII. O guia do médium – Claire não pôde continuar a análise dos sofrimentos de seu marido, sem senti-los também; vou falar por ela.
Félix, que era superficial nas idéias como nos sentimentos, violento porque era fraco, debochado porque era frio, entrou no mundo dos Espíritos moralmente nu, como o era no físico. Em entrando na vida terrestre, nada adquiriu, e, por conseqüência, tem tudo a recomeçar. Como um homem que desperta de um longo sonho, e que reconhece o quanto vã foi a agitação de seus nervos, esse pobre ser, saindo da perturbação, reconhecerá que viveu de quimeras que enganaram a sua vida; maldirá o materialismo que o fez abraçar o vazio, quando acreditava estreitar uma realidade; maldirá o positivismo que o fez chamar de fantasias as idéias de uma vida futura; as aspirações, loucuras, e a crença em Deus, fraqueza. O infeliz, em despertando, verá que esses nomes zombados por ele eram a fórmula da verdade, e que, ao contrário da fábula, a caça da presa foi menos proveitosa que a da sombra.

GEORGES

QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO

1. Por que Claire, em uma de suas primeiras comunicações, afirma que sua infelicidade aumenta a cada dia?

2. O que ela fez para estar em tal situação?

3. Segundo Claire, qual a diferença entre a moral divina e a moral humana? Você concorda? Explique.

4. Qual a causa de as três últimas comunicações de Claire mostrarem um progresso em suas disposições?

5. Em uma de suas últimas comunicações, Claire já está calma e resignada. Por quê?

6. Qual o estado de seu marido no mundo espiritual?

7. Por que Claire não teve condições de relatar as condições de seu marido na espiritualidade, tendo este relato ter que ser feito pelo guia do médium?

CONCLUSÃO

1. A sua infelicidade aumenta na medida em que o conhecimento da eternidade se desenvolve nela.

2. Ao contrário do que se possa imaginar, ela nada fez que merecera a justiça dos homens. Ela zombou da felicidade terrestre: beleza, fortuna, prazeres, adulações, tudo lhe sorria, nada lhe faltava, e dizia-se vendo-a: Que mulher feliz! E invejava-se a sua sorte. O que ela fez? Foi egoísta: tinha tudo, exceto bom coração. Se não violou a lei dos homens, violou a lei de Deus, porque desconheceu a caridade, a primeira das virtudes. Não amou senão a ela mesma, agora não é amada por ninguém; nada deu, nada se lhe dá; está isolada, desamparada, abandonada, perdida no espaço onde ninguém pensa nela, ninguém se ocupa dela; é o que faz o seu suplício. Como não procurou senão os gozos mundanos, e hoje esses gozos não mais existem, o vazio se fez ao seu redor, ela não vê senão o nada, e o nada parece-lhe a eternidade. Não sofre mais as torturas físicas, os diabos não vêm mais atormentá-la, mas isso não é mais necessário: ela se atormenta a si mesma, e antes sofre muito, porque esses diabos ainda seriam seres que nela pensariam. O egoísmo fez a sua alegria na Terra: perseguiu-a; agora, é o verme que lhe rói o coração, seu verdadeiro demônio.

3. A moral divina aceita todos os arrependimentos e todas as faltas confessadas, ao passo que a moral humana repele estas e admite, sorrindo, os pecados ocultos que, diz ela, são perdoados pela metade. A uma, a graça do perdão, à outra, a hipocrisia.

4. O progresso visto nas três últimas comunicações de Claire denotam um progresso sensível nas condições do Espírito, graças aos cuidados do médium que empreendia a sua educação moral.

5. Porque ela percebeu que o mal estava nela e não fora dela: era ela, então, que deveria mudar, e não as coisas exteriores. Disse ainda que “...Carregamos em nós o nosso céu e o nosso inferno, e as nossas faltas, gravadas na consciência, se lêem facilmente no dia da ressurreição, e então, somos nossos próprios juízes, uma vez que o estado de nossa alma nos eleva ou nos impele de cima para baixo...”.

6. Ele erra nas trevas, vítima da profunda nudez da alam; seu ser, superficial e leviano, manchado pelo prazer, sempre ignorou o amor e a amizade. A própria paixão não alumiou os seus vislumbres sombrios. Ela chegou a comparar o seu estado presente ao de uma criança inábil para os atos da vida, e privada do socorro daqueles que a assistem.

Ainda, segundo o guia do médium, diz que ele, Félix, era superficial nas idéias como nos sentimentos, violento porque era fraco, debochado porque era frio, entrou no mundo dos Espíritos moralmente nu, como o era no físico. Entrando na vida terrestre, nada adquiriu e, por conseqüência, tem tudo a recomeçar. Como um homem que desperta de um longo sonho, e que reconhece o quanto vã foi a agitação de seus nervos, esse pobre ser, saindo da perturbação, reconhecerá que viveu de quimeras que enganaram a sua vida; maldirá o materialismo que o fez abraçar o vazio, quando acreditava estreitar uma realidade; maldirá o positivismo que o fez chamar de fantasias as idéias de uma vida futura; as aspirações, loucuras, e a crença em Deus, fraqueza. O infeliz, despertando, verá que esses nomes zombados por ele eram a fórmula da verdade.


7. Porque ela sentia os sofrimentos do marido, por isso, não teve condições de continuar a narrativa.

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