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Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo - CVDEE
Sala de Estudos André Luiz
Livro em estudo: Ação e reação
Tema: Capítulo 14 - Resgate interrompido
Acompanhando o Assistente, passamos a cooperar na rearmonização de pequena família domiciliada em subúrbio de populosa capital.
Ildeu, o chefe da casa, homem que mal atingira a madureza física, pouco além dos trinta e cinco de idade, encontrara em Marcela a esposa abnegada e mãe de seus três filhinhos, Roberto, Sônia e Márcia; entretanto, seduzido pelos encantos da jovem Mara, moça leviana e inconseqüente, tudo fazia para que a esposa o abandonasse.
Marcela, porém, educada na escola do Dever, dedicava- se ao lar e tudo fazia para não deixar perceber a própria dor.
Pelos gestos rudes e pela deplorável conduta em casa, não desconhecia a modificação do pai de seus filhos, e, recebendo cartas insultuosas da rival que lhe disputava o companheiro, sabia chorar em silêncio, confiando-as ao fogo para que não caíssem sob o olhar do esposo.
Doía-nos, cada noite, vê-la em prece, ao lado das criancinhas.
Roberto, o primogênito, com nove anos de idade, acariciava-lhe a cabeça, adivinhando-lhe os soluços imobilizados na garganta, e as duas pequeninas, na inconsciência infantil, repetiam maquinalmente as orações ditadas pela nobre senhora, oferecendo-as a Jesus, em favor do "papai".
Em atormentada vigília até noite alta, agoniava-se-lhe o espírito, observando Ildeu, estróina, alcançando o lar, tresandando a licores alcoólicos e exibindo os sinais de aventuras inconfessáveis.
Se erguia a voz, lembrando alguma necessidade dos meninos retorquia ele, irritado:
- Vida infame! Sempre você a recriminar-me, a aborrecer-me, a perseguir-me com censuras e petitórios!...
Se quiser dinheiro, trabalhe. Se eu soubesse que o casamento seria isso, teria preferido estourar os miolos a assinar um contrato que me escraviza a existência inteira!
. . . E gritando, intemperante, mostrava-nos a tela das suas recordações, em que Mara, a jovem sedutora, lhe surgia à mente, como sendo a mulher ideal. Cotejava-a com a esmaecida figura da esposa que as dificuldades acabrunhavam e, governado pela imagem da outra, entregava-se a chocantes excitações, ansiando fugir do lar.
Marcela, em pranto, suplicava-lhe tolerância e serenidade, acentuando que não desdenhava o serviço.
Despendia o tempo de que dispunha na cooperação mal remunerada, em favor de lavanderia modesta, contudo, os afazeres domésticos não lhe permitiam fazer mais.
- Hipócrita! - berrava o marido que a cólera transtornava - e eu? que pretende você de mim? posso, acaso, fazer mais? Sou um homem dependurado em lojas e armazéns...
Devo a todos!... por sua causa, simplesmente em razão do seu desperdício... Não sei até quando poderei aturá-la. Não será mais aconselhável regresse você à terra que teve a infelicidade de vê-la nascer? Seus pais estão vivos...
A pobre criatura em lágrimas emudecia, mas, sendo a voz dele estentórica, quase sempre o pequeno Roberto acordava e acorria em socorro da mãezinha, enlaçando-a, estremunhado.
Ildeu avançava sobre o miúdo interventor a sopapos, clamando com insofreável revolta:
- Saia daqui! saia daqui!...
E qual se o petiz lhe não fora filho, mas adversário confesso, acrescentava, cerrando os punhos:
- Tenho gana de matá-lo! . . . Matá-lo! . . . Todas as noites, esta mesma pantomima. Bandido! Palhaço!...
E o menino, agarrado ao colo materno, sofria pancadas até recolher-se, de novo, ao leito, em pranto convulsivo.
Entretanto, se as filhinhas choramingassem, eis que o genitor se desfazia em ternura, ainda mesmo quando plenamente embriagado, proferindo, bondoso:
- Minhas filhas!... Minhas pobres filhas!... Que será de vocês no futuro? é por vocês que ainda me encontro aqui, tolerando a cruz desta casa!...
E, não raro, ele próprio ia reacomodá-las no berço.
Silas e nós entrávamos em ação, a benefício de Marcela e dos filhinhos.
Do atormentado lar, ameaçado de completa destruição, demandávamos outros setores de serviço, sem que o Assistente encontrasse oportunidade de administrar-nos esclarecimentos mais amplos.
Todavia, quase que diariamente, à noite ali aplicávamos alguns minutos em tarefas que nos falavam aos refolhos do coração.
Contudo, apesar de nosso esforço, o chefe da família mostrava-se, cada dia, mais indiferente e distante. Enfadado e irritadiço, não concedia à esposa nem mesmo a gentileza de leve saudação. Fascinado pela outra, passara a odiá-la. Pretendia desobrigar-se do compromisso assumido e trilhar nova senda...
No entanto, como atender ao problema do amor às pequeninas?
- "Sinceramente - pensava de si para consigo - não amava a Roberto, o filho cujo olhar o acusava sem palavras, lançando- lhe em rosto o censurável procedimento, mas adorava Sônia e Márcia, com desvelada ternura... Como ausentar-se delas no desquite provável? Decerto, a companheira teria assegurados, perante a lei, os direitos de mãe... Senhora de nobre conduta, Marcela contaria com o favor da Justiça... "
Refletia, refletia...
Ainda assim, não renunciava ao carinho de Mara, cuja dominação lhe empolgava o sentimento enfermiço.
Fosse onde fosse, registrava-lhe a influência sutil, a desfibrar-lhe o caráter e a dobrar-lhe a cerviz de homem que, até encontrá-la, fora honrado e feliz.
Por vezes, tentava subtrair-se-lhe ao jugo, mas debalde.
Marcela apresentava o semblante da disciplina que lhe competia observar e da obrigação que lhe cabia cumprir, quando Mara, de olhos em fogo, lhe acenava à liberdade e ao prazer.
Foi assim que lhe nasceu no cérebro doentio uma idéia sinistra: assassinar a esposa, escondendo o próprio crime, para que a morte dela aos olhos do mundo passasse como sendo autêntico suicídio.
Para isso alteraria o roteiro doméstico.
Procuraria abolir o regime de incompreensão sistemática, daria tréguas à irritação que o senhoreava e fingiria ternura para ganhar confiança... E, depois de alguns dias, quando Marcela dormisse, despreocupada, desfechar-lhe-ia uma bala no coração, despistando a própria polícia.
Acompanhamos-lhe a evolução do tresloucado plano, porquanto é sempre fácil penetrar o domínio das formas-pensamentos, vagarosamente construídas pelas criaturas que as edificam, apaixonadas e persistentes, em torno dos próprios passos.
Na aparente calmaria que sustentava, Ildeu, embora sorrisse, exteriorizava ao nosso olhar o inconfessável projeto, armando mentalmente o quadro criminoso, detalhe por detalhe.
Para defender Marcela, porém, cuja existência era amparada pela Mansão que representávamos, o Assistente reforçou na casa o serviço de vigilância.
Dois companheiros nossos, zelosos e abnegados, alternativamente ali passaram a velar, dia e noite, de modo a entravar o pavoroso delito.
Achávamo-nos, certa feita, em atividade assistencial ao pé de alguns doentes, quando o irmão em serviço veio até nós, comunicando, inquieto, a precipitação dos acontecimentos.
De alma aturdida pela influência de homicidas desencarnados que lhe haviam percebido os pensamentos expressos, intentaria Ildeu aniquilar a companheira naquela mesma noite.
Silas não vacilou.
Demandamos, de imediato, a casa singela em que se reunia a equipe doméstica atormentada.
Dispondo da extensa autoridade de que se achava investido, o nosso orientador, empregando o concurso de entidades amigas, em rotina de trabalho nas vizinhanças, inicialmente baniu os alcoólatras e delinqüentes desencarnados que ali se acolhiam.
Apesar da providência, o plano infernal na cabeça de nosso pobre amigo evidenciava-se integralmente maduro.
A madrugada ia alta.
Com o coração precípite, relanceando o olhar medroso pelas paredes nuas do gabinete em que examinava o pente de uma pistola qual se nos adivinhasse a presença, o chefe da família revelava-se disposto à consumação do ato execrável.
Revestindo-lhe todo o cérebro, surgia a cena do assassínio, calculadamente prevista, movimentando-se em surpreendente sucessão de imagens...
Oh! se as criaturas encarnadas tivessem consciência de como se lhes exteriorizam as idéias, certamente saberiam guardar-se contra o império do crime!
O irrefletido pai pensava demandar o aposento dos filhos, para trancá-los à chave, de maneira a evitar-lhes o testemunho, quando Silas, de improviso, avançou para o leito das meninas e, utilizando os recursos magnéticos de que dispunha, chamou a pequena Márcia, em corpo espiritual, a rápida contemplação dos pensamentos paternos.
A criança, em comunhão com o quadro terrível, experimentou tremendo choque e retornou, de pronto, ao veículo físico, bradando, desvairada, como quem se furtasse ao domínio de asfixiante pesadelo:
- Papai!... Paizinho! Não mate! Não mate!...
Ildeu, a esse tempo, já se encontrava à porta, sustendo a arma na destra e tentando manobrar a fechadura com a mão livre.
Os gritos da menina ecoaram em toda a casa, provocando alarido.
Marcela, num átimo, pôs-se de pé, surpreendendo o marido ao pé da filha, e, junto deles, o revólver augurando maus presságios.
A mulher bondosa e incapaz de suspeitar das intenções dele, recolheu cautelosamente a arma e, crendo que o esposo pretendera suicidar-se, implorou em pranto:
- Oh! Ildeu, não te mates! Jesus é testemunha de que tenho cumprido retamente todos os meus deveres... Não quero o remorso de haver cooperado para semelhante desatino, que te lançaria entre os réprobos das leis de Deus!... Procede como quiseres, mas não te despenhes no suicídio. Se é de tua vontade, monta nova casa em que vivas com a mulher que te faça feliz... Consagrarei minha existência aos nossos filhos. Trabalharei, conquistando o pão de nossa casa com o suor de meu rosto... Entretanto, suplico, não te mates!...
A generosa atitude daquela mulher sensibilizava-nos até as lágrimas.
O próprio Ildeu, não obstante o sentimento empedernido, sentia-se tocado de piedade, agradecendo, no íntimo, a versão que a esposa, digna e abnegada, oferecia aos acontecimentos, cuja direção não conseguira prever.
E, encontrando a escapatória que, de há muito, buscava, longe de ouvir os brados da consciência que o concitavam à vigilância, exclamou, à feição de vitima:
- Realmente, não posso mais... Agora, para mim, só restam dois caminhos, suicídio ou desquite...
Marcela, com o auxílio do Assistente, descarregou o revólver, reconduziu as crianças ao sono e deitou-se,
atribulada. Nos olhos tristes, lágrimas borbulhavam na sombra, enquanto orava, súplice, na torturada quietude do seu martírio silencioso: - "Õ meu Deus, compadece-te de mim, pobre mulher desventurada!... que fazer, sozinha na luta, com três crianças necessitadas?..."
Todavia, antes que a dor pungente se lhe metamorfoseasse em desânimo destruidor, Silas aplicou-lhe passes balsamizantes, hipnotizando-a, com o que a flagelada senhora, em desdobramento, se colocou, inquieta, diante de nós.
Tomando-nos à conta de mensageiros do Céu, na cristalização dos hábitos em que comumente mergulham as almas encarnadas, ajoelhou-se e rogou amparo.
Silas, porém, soergueu-a, bondoso, e explicou:
- Marcela, somos apenas teus irmãos... Reanima-te!
Não te encontras sozinha. Deus, Nosso Pai, jamais nos abandona... Concede, sim, liberdade ao teu esposo, embora saibamos que o dever é uma bênção divina da qual pagaremos caro a deserção... Que Ildeu rompa os laços respeitáveis dos seus compromissos, se é que julga seja essa a única maneira de adquirir a experiência que deve conquistar... Haja, porém o que houver, (7) ajuda-o com tolerância e compreensão. Não lhe queiras mal algum. Antes, roga a Jesus o abençoe e ampare, onde esteja, porque o remorso e o arrependimento, a saudade e a dor para os que fogem das obrigações que o Senhor lhes confia convertem-se em fardos difíceis de carregar. Sabemos que a ele te ligaste em sagrada aliança na empresa redentora do pretérito próximo... Ainda assim, se ele esmorece, à frente da luta, em pleno exercício da faculdade de escolher, não será justo lhe violentes o livre arbítrio, impondo-lhe atitudes que a ele compete cultivar. Ildeu ausenta-se agora dos contratos que abraçou, a benefício de si mesmo, e interrompe o resgate das contas que lhe são próprias...
Voltará, porém, mais tarde aos débitos que olvida, talvez mais onerado perante a Lei... Não te lamentes, contudo, e segue adiante. Sejam quais forem às lutas que te descerem ao coração, resigna-te e não temas. Faze dos filhinhos o apoio firme na caminhada. Todo sacrifício edificante no mundo expressa enriquecimento de nossas almas na Vida Eterna... Renuncia, pois, ao homem querido, respeitando-lhe os caprichos do coração, e aguarda o futuro com esperança.
E porque Marcela chorasse, receando o porvir, em face das contingências materiais, Silas afagou-lhe a cabeça e asseverou, prestimoso:
- Para mãos dignas jamais faltará trabalho digno.
Contemos com a proteção do Senhor e marchemos com desassombro. Enxuga o pranto e ergue-te em espírito à Fonte do Sumo Bem!...
Nesse ínterim, parentes desencarnados da jovem senhora assomaram carinhosamente ao recinto, estendendo-lhe as mãos...
E nosso orientador confiou-lhes Marcela, chorosa, rogando-lhes ajuda para que a víssemos restaurada.
Retiramo-nos, em seguida.
Foi então que nossas perguntas explodiram, insopitáveis:
- Por que Marcela, meiga e honesta, era odiada pelo esposo, assim tanto? Por que a preferência de Ildeu pelas filhinhas, com tanto desdém pelo primogênito? E a separação em perspectiva? Seria justo procurar o nosso mentor fortalecer aquela mãezinha desventurada para o desquite, ao invés de incentivá-la à recuperação do amor e do devotamento do companheiro?
O Assistente sorriu com manifesto desencanto e obtemperou - Há nas anotações do Apóstolo Mateus (8) certa passagem, na qual afirma Jesus que o divórcio na Terra é permitido a nós outros pela dureza dos nossos corações.
Aqui, a medida deve ser facultada à maneira de medicação violenta em casos desesperadores de desarmonia orgânica. Na febre alta ou no tumor maligno, por exemplo, a intervenção exige métodos drásticos, a fim de que a crise de sofrimento não culmine com a loucura ou com a morte extemporânea. Nos problemas matrimoniais, agravados pela defecção de um dos cônjuges ou mesmo pela deserção de ambos do dever a cumprir, o divórcio é compreensível como providência contra o crime, seja ele o assassínio ou o suicídio... Entretanto, assim como o choque operatório para o tumor e a quinina para certas febres são recursos de emergência, sem capacidade de liquidar as causas profundas da enfermidade, as quais prosseguem reclamando tratamento longo e laborioso, o divórcio não soluciona o problema da redenção, porque ninguém se reúne no casamento humano ou nos empreendimentos de elevação espiritual, no mundo, sem o vínculo do passado, e esse vínculo, quase sempre, significa débito no Espírito ou compromisso vivo e delongado no tempo.
O homem ou a mulher, desse modo, podem provocar o divórcio e obtê-lo, como sendo o menor dos piores males que lhes possam acontecer... Ainda assim, não se liberam da dívida em que se acham incursos, cabendo- lhes voltar ao pagamento respectivo, tão logo seja oportuno.
E porque as nossas muitas interrogações pairavam no ar, o generoso orientador prosseguiu:
- No caso de Ildeu e Marcela, já meticulosamente estudado em nossa Mansão, temos duas almas em processo de reajuste, há vários séculos. Para não nos perdermos em compridas perquirições, convém lembrar tão-somente algumas notas da existência última, em que ambos, como marido e mulher, aqui mesmo no Brasil, se entregaram a difíceis experiências. Ele, depois de casado, continuou irrequieto, entre a irresponsabilidade e a aventura, nas quais seduziu duas moças, filhas do mesmo lar. Primeiramente, enganou uma delas, abandonando a esposa que a Lei lhe havia confiado.
Passando, porém, ao convívio da segunda companheira, que patrocinava o desenvolvimento da irmãzinha menor, que os pais, à beira do túmulo, lhe haviam entregue, Ildeu não vacilou em aguardar-lhe a floração juvenil para submetê-la igualmente aos seus caprichos inconfessáveis. Entrando em franca decadência moral, precipitou-as no meretrício, em cujas correntes de sombra as pobres criaturas se viram quais andorinhas aprisionadas na lama... Abandonada a esposa, que era então a mesma companheira de agora, a sofredora mulher, incapaz de sofrear-se no insulamento, após cinco anos de expectativa e solidão, aceitou a companhia de um homem digno e trabalhador, com quem passou maritalmente a viver... Os dias correram sobre os dias e, quando Ildeu, ainda relativamente moço, mas integralmente vencido pela intemperança e pelo deboche, regressou doente à cidade em que se havia consorciado, buscando o aconchego da esposa, cuja fidelidade carinhosa ele mesmo destruíra, não mais na ânsia de ajudá-la ou de amá-la e sim no propósito de escravizá-la, por enfermeira de seu corpo abatido, eis que a reencontra, feliz, junto de outro... Movido de incompreensível ciúme, de vez que renegara o lar sem motivo justo, não suporta ver a alegria da companheira, matando-lhe o eleito do coração. Dentro em breve, todo o grupo que Ildeu infelicitou se reúne, inclusive ele próprio, na Esfera Espiritual, onde a justiça da Lei sopesa os méritos e deméritos de cada um... E, com o amparo de Abnegados Benfeitores, regressam as personagens do drama doloroso ao resgate na reencarnação, com Ildeu à frente das responsabilidades, por ter maiores culpas. Marcela concorda em auxiliá-lo e retoma o posto antigo, ajudando-o na condição de esposa fiel. Roberto é o companheiro assassinado que volta, do qual Ildeu é devedor da própria vida. Sônia e Márcia são as duas irmãs que ele arrojou ao vício e à delinqüência, dele esperando hoje, como filhas queridas, o necessário auxílio para a reabilitação. O Assistente fez pequena pausa e acrescentou:
- Vocês não ignoram, porém, que a reencarnação no resgate é também recapitulação perfeita. Se não trabalhamos por nossa intensa e radical renovação para o bem, através do estudo edificante que nos educa o cérebro e do amor ao próximo que nos aperfeiçoa o sentimento, somos tentados hoje pelas nossas fraquezas, como éramos tentados ainda ontem, porquanto nada fizemos pelas suprimir, passando habitualmente a reincidir nas mesmas faltas. Segundo observam, Ildeu, displicente e surdo aos avisos da vida, é o mesmo homem do passado, buscando a suposta felicidade, fora do templo doméstico, desprezando a esposa, querendo estremecidamente às filhinhas nas quais revê as companheiras do pretérito e nada faz por perder a instintiva aversão pelo filhinho, em cujo contacto adivinha o antigo rival, que lhe foi vitima da fúria arrasadora.
- Mas - indagou Hilário -, se ele não encontra em Marcela o amor integral, por que razão, ainda agora, na presente romagem terrena, a teria desposado? a afetividade juvenil não é sinal de confiança e ternura?
- Sim - encareceu Silas, bondoso -, é preciso considerar que nos achamos ainda longe de adquirir o verdadeiro amor, puro e sublime. Nosso amor é, por enquanto, uma aspiração de eternidade encravada no egoísmo e na ilusão, na fome de prazer e na egolatria sistemática, que fantasiamos como sendo a celeste virtude. Por isso mesmo, a nossa afetividade terrestre, quando na primavera dos primeiros sonhos da experiência física, pode ser um conjunto de estados mentais, consubstanciando simplesmente os nossos desejos. E nossos desejos se alteram todos os dias... Em razão disso, recordemos o imperativo da recapitulação. Nessa ou naquela idade física, o homem e a mulher, com a supervisão da Lei que nos governa os destinos, encontram as pessoas e as situações de que necessitam para superarem as provas do caminho, provas indispensáveis ao burilamento espiritual de que não prescindem para a justa ascensão às Esferas Mais Altas. Assim é que somos atraídos por determinadas almas e por determinadas questões, nem sempre porque as estimemos em sentido profundo, mas sim porque o passado a elas nos reúne, a fim de que por elas e com elas venhamos a adquirir a experiência necessária à assimilação do verdadeiro amor e da verdadeira sabedoria. É por isso que a maioria dos consórcios humanos, por enquanto, constituem ligações de aprendizado e sacrifício, em que, muitas vezes, as criaturas se querem mutuamente e mutuamente sofrem pavorosos conflitos na convivência uma das outras.
Nesses embates, alinham-se os recursos da redenção. Quem for mais claro e mais exato no cumprimento da Lei que ordena seja mantido o bem de todos, acima de tudo, mais ampla liberdade encontra para a vida eterna. Quanto mais sacrifício com serviço incessante pela felicidade dos corações que o Senhor nos confia, mais elevada ascensão à glória do Amor Divino.
- Então - aduzi -, nosso amigo Ildeu estará interrompendo o pagamento da dívida em que se empenhou...
- Isso mesmo.
- E Marcela? - perguntou Hilário - garantirá por ele a sustentação do lar?
- É o que esperamos e tudo faremos para auxiliá-la, já que o esposo, mais uma vez, faliu nos contratos assumidos.
- Não será lícito contar, matematicamente, com o heroísmo dela à frente da casa? - insistiu meu colega.
- Quem poderá medir a resistência dos outros? falou Silas, sorrindo. - Marcela é senhora de si e, com a deserção do esposo, é chamada a encargos duplos. Desejamos sinceramente que ela seja forte e se sobreponha às vicissitudes da existência, mas se resvalar para delituosos desequilíbrios, que lhe comprometam a estabilidade doméstica, na qual os filhos devem crescer para o bem, mais complicado e mais extenso se fará o débito de Ildeu, porquanto as falhas que ela venha a cometer serão atenuadas pelo injustificável abandono em que a lançou o marido. Quem se faz responsável por nossas quedas, experimenta em si mesmo a ampliação dos próprios crimes.
Hilário meditou... Meditou... E disse, em seguida:
- Imaginemos, porém, que Marcela e os filhinhos consigam vencer a crise, esmagando com o tempo as necessidades de que são agora vítimas... Figuremo-los terminando a atual reencarnação, com plena vitória moral em confronto com Ildeu, retardado, impenitente, devedor... Se a esposa e os filhos, então definitivamente guindados à luz, dispensarem qualquer contacto com a sombra, em franca ascensão às linhas superiores da vida, a quem pagará Ildeu o montante das dívidas em que se agrava?
Silas estampou significativo gesto facial e explicou:
- Embora estejamos todos, uns diante dos outros, em processo reparador de culpas recíprocas, em verdade, antes de tudo, somos devedores da Lei em nossas consciências.
Fazendo mal aos outros, praticamos o mal contra nós mesmos.
Caso Marcela e os filhinhos se ergam, um dia, a plenos céus, e na hipótese de guardar-se nosso amigo mergulhado na Terra, vê-los-á Ildeu na própria consciência, sofredores e tristes, quais os tornou, atormentado pelas recordações que traçou para si mesmo e pagará em serviço a outras almas da senda evolutiva o débito que lhe onera o Espírito, de vez que, ferindo os outros, na essência estamos ferindo a obra de Deus, de cujas leis soberanas nos fazemos réus infelizes, reclamando quitação e reajuste.
- Isso quer dizer...
A palavra de Hilário, porém, foi cortada pela observação do Assistente que, em lhe surpreendendo as idéias, falou firme:
- Isso quer dizer que, se Ildeu, mais tarde, desejar reunir-se a Marcela, Roberto, Sônia e Márcia, então redimidos nas Esferas Superiores, deverá possuir uma consciência tão dignificada e sublime quanto a deles, de modo a não se envergonhar de si mesmo, considerando-se a probabilidade de triunfo para a esposa e os filhinhos nas provas árduas que o porvir lhes reserva.
- Deus meu!... - clamou Hilário, triste - quanto tempo então para uma empresa dessas!... E quanta dificuldade para o reencontro, se os entes queridos não se dispuserem a esperar!...
- Sim - confirmou Silas -, quem se retarda por gosto não pode queixar-se de quem avança, "A cada um segundo as suas obras", ensinou o Divino Orientador, e ninguém no Universo conseguirá fugir à Lei.
Eu e Hilário, profundamente tocados pela lição, calamo-nos, confundidos, para orar e pensar.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 - Que motivo levou André Luiz e o Assistente trabalhar na rearmonização da familia de Ildeu e Marcela?
2 - Sem motivo que justificasse a separação entre mãe e filhos, que recurso Ildeu idealizou para manter para afastar Marcela de sua vida?
3 - Como Marcela agia em busca de ajuda, para seu sofrimento e dos seus filhinhos?
4 - A presença de Deus se manifesta em todos os momentos nas nossas vidas, como a Espiritualidade operou a favor de Marcela?
5 - Podemos afirmar que o AMOR sempre norteou a sua vida de Marcela. Qual foi a maior demonstração desse amor por Ildeu?
6 - Como a espiritualidade atuou em Marcela para manter seu equilibrio diante da tragédia?
7 - No Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXII, fala da indissolubilidade do casamento, como entender a orientação dada por Silas diante desse acontecimento?
8 - Em que situação a Espiritualidade entende a necessidade do divorcio?
9 - Por que Marcela, sempre meiga, responsável e carinhosa esposa era tão odiada pelo seu marido? E como se justifica a preferência pelas filhas e o desdém pelo filho?
10 - Sabemos que uma família é formada para reajustes do passado. Como a espiritualidade nos orienta diante desse "Resgate Interrompido”?
(Estudo elaborado pela nossa colaboradora SÔNIA MARIA)
Muita paz a todos e bom estudo
Conclusão:
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1 - Que motivo levou André Luiz e o Assistente a trabalhar na rearmonização da família de Ildeu e Marcela?
R - A nossa vinda à Terra para um nova experiência física é programada e supervisionada pelos benfeitores do plano espiritual, que nos instruem durante a vida na erraticidade e nos aconselham quanto aos objetivos a serem atingidos na próxima reencarnação. Durante a vida terrena, estes benfeitores nos acompanham e nos amparam no sentido de que melhor possamos aproveitar a oportunidade de redenção. O socorro à família em questão se deu por ser Marcela tutelada da Mansão Paz, onde foi projetada sua nova existência e que a amparava nas lides terrenas. O êxito da missão assumida por Marcela dependia da harmonização dos espíritos que compunham aquela família, envolvidos em episódios passados que estavam a exigir reparação. André Luiz, Silas e Hilário eram servidores daquela Instituição e se encontravam em missão de socorro espiritual à família, dando sustentação a Marcela, a fim de que ela pudesse obter êxito na tarefa a que se dispôs..
2 - Sem motivo que justificasse a separação entre mãe e filhos, que recurso Ildeu idealizou para manter para afastar
Marcela de sua vida?
R - Ildeu, àquela altura já com a mente doentia e inteiramente voltada para a amante, vislumbrou forjar o suicídio de Marcela, expulsando-a de sua vida através de um homicídio que ficaria imperceptível à lei dos homens. Desconhecia que, perante a Lei de Deus, nada fica descoberto. Supunha que poderia se furtar de assumir a responsabilidade perante a sociedade terrena. Porém, não imaginava que estaria assumindo grave débito, cuja reparação lhe exigiria penosa expiação. Ao intercederem pela preservação da vida de Marcela, os benfeitores espirituais também evitaram que Ildeu agravasse ainda mais suas dívidas, aprofundando sua queda.
3 - Como Marcela agia em busca de ajuda, para seu sofrimento e dos seus filhinhos?
R - Marcela agia com grande humildade e resignação, orando e buscando sempre evitar que a atmosfera espiritual de seu lar se deteriorasse. Por enfrentar sua provação com paciência e tolerância, aceitando os desígnios superiores, Marcela se fez merecedora do socorro da equipe de benfeitores espirituais.
4 - A presença de Deus se manifesta em todos os momentos nas nossas vidas, como a Espiritualidade operou a favor de Marcela?
R - Silas utilizou-se dos recursos magnéticos de que dispunha para operar o desdobramento da filha do casal, Márcia, trazendo-a à sua presença, em espírito. Através das formas-pensamentos que emanavam da mente de Ildeu, a menina pôde perceber a intenção do pai de assassinar sua mãe. Tomada pelo choque que esta constatação lhe causou, a criança retomou de inopinado o corpo físico, gritando, alucinadamente, para que o pai não perpetrasse o desatinado ato que planejava. O alarido provocado pelos gritos da menina atraiu a atenção de Marcela, que flagrou Ildeu ao lado da filha, com o revólver nas proximidades. Portadora de sentimentos nobres, Marcela, em sua boa-fé, imaginou que o marido intentara se suicidar e fez patético apelo para que ele fosse demovido da idéia.
5 - Podemos afirmar que o AMOR sempre norteou a vida de Marcela. Qual foi a maior demonstração desse amor por Ildeu?
R - Em dois momentos, o capítulo em estudo nos traz demonstrações do amor de Marcela por Ildeu. O primeiro, conforme explicou Silas, quando, ainda no plano espiritual, aceitou reencarnar com o compromisso de auxiliar Ildeu em sua tentativa de reabilitação, assumindo, novamente, a condição de esposa fiel e dedicada. O segundo, ao renunciar ao casamento, possibilitando-lhe a constituição de um novo lar, em companhia daquela por quem se sentia atraído e que considerava capaz de lhe fazer feliz. Consciente de que o marido não era feliz ao seu lado, compreendeu que, naquele momento, cabia-lhe abrir mão de seu amor e de seu casamento pelo bem estar de Ildeu. Foram dois momentos diferentes, em que somente um amor puro e sincero poderia motivar semelhantes atitudes. Em ambos, Marcela assumiu conscientemente penosos sacrifícios, dos quais não mais necessitava como expiação, para proporcionar a oportunidade de resgate àqueles espíritos, ainda presos a graves erros do passado.
6 - Como a espiritualidade atuou em Marcela para manter seu equilíbrio diante da tragédia?
R - Através do sono hipnótico e de passes balsamizantes, Silas trouxe Marcela, em desdobramento, ao plano espiritual e a reanimou, aconselhando-a a deixar que o marido se afastasse do lar. Procurou injetar-lhe forças para que prosseguisse na tarefa a que se comprometera, explicando-lhe que Ildeu, deixando escapar a oportunidade reparatória que se lhe oferecia, estava interrompendo o resgate necessário ao seu reequilíbrio espiritual e onerando-se ainda mais perante a Lei.
7 - No Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXII, fala da indissolubilidade do casamento. Como entender a orientação dada por Silas diante desse acontecimento?
R - Allan Kardec, no citado capítulo XXII de "O Evangelho segundo o Espiritismo", ensina que "imutável somente há o que vem de Deus. Tudo o que é obra dos homens está sujeito a mudança". No casamento, prossegue Kardec, "o que é de ordem divina é a união dos sexos, para que se opere a substituição dos seres que morrem". As condições que regulam essa união são de natureza humana. A par desta lei divina material, há outra também imutável, essencialmente moral, que é a lei do amor.
Assim, a lei divina quer que dois seres se unam não só pelos laços da carne, mas também pelos do espírito. No caso em estudo, por parte de Ildeu, não mais havia a união pelo amor, mas, apenas, pelos vínculos materiais. À luz das leis divinas, não se justificava a manutenção dessa união, pois os laços de afeição recíproca inexistiam. A manutenção da união apenas pelos vínculos humanos do casamento formal, em vez de contribuir para o progresso espiritual de ambos, somente poderia trazer-lhes prejuízos neste campo, pois a tendência dos fatos era de que a situação se agravasse a cada dia, como prova a idéia de homicídio que acorreu a Ildeu. A fim de evitar uma tragédia que se desenhava, o orientador espiritual aconselhou Marcela a aceitar o rompimento da vida em comum, àquela altura insustentável.
8 - Em que situação a Espiritualidade entende a necessidade do divorcio?
R - Como dissemos acima, a separação é plenamente justificável quando a manutenção da união não mais se sustenta em valores espirituais, mas, tão somente, em valores terrenos, estabelecidos pela sociedade. Apenas os laços de afinidade espiritual e de mútuo afeto são indissolúveis, porque conforme a lei de Deus. Os interesses materiais são passageiros e logo desaparecem.
Entretanto, se a separação se der unicamente para atender interesses circunstanciais e materiais, aí, sim, podemos considerá-la contrária à Lei de Deus. Se for para evitar um mal maior, que no caso em estudo esteve prestes a se concretizar, é mais humano, mais caridoso e mais moral, restituir a liberdade a seres que não podem mais viver juntos, do que mantê-los unidos à força de um ato de natureza estritamente humana, que é o casamento formal.
9 - Por que Marcela, sempre meiga, responsável e carinhosa esposa era tão odiada pelo seu marido? E como se justifica a preferência pelas filhas e o desdém pelo filho?
R - Os espíritos envolvidos no drama narrado por André Luiz no presente capítulo foram protagonistas de trágicos acontecimentos em suas últimas passagens pela vida terrena. Marcela fora esposa traída por Ildeu. As filhas, Márcia e Sonia, foram jovens seduzidas por Ildeu e levadas à decadência moral, entregando-se ao meretrício. O filho Roberto era o companheiro a quem Marcela se uniu após o abandono por parte do marido e que foi por este morto. Portanto, vemos que os laços de amor e ódio não se desfazem repentinamente, subsistindo ainda em encarnações futuras, se os espíritos envolvidos não se harmonizarem.
10 - Sabemos que uma família é formada para reajustes do passado. Como a espiritualidade nos orienta diante desse "Resgate Interrompido"?
R - Os casamentos na Terra, em sua grande maioria, têm natureza provacional, isto é, são reencontros de espíritos para os devidos reajustes e reparações de equívocos passados, necessários à evolução de ambos. O núcleo familiar que integraremos quando encarnados é constituído ainda no plano espiritual, quando os espíritos que a comporão se encontram preparando-se para a reencarnação. São reunidos num mesmo ambiente familiar devedores em resgate de antigos compromissos, desafetos do passado, companheiros de erros praticados em experiências pretéritas, espíritos ligados por laços afetivos, enfim, alguma vinculação sempre há que motive a formação do grupo familiar. A família é, dessa forma, o lugar onde se dá esse reencontro de espíritos, que estarão reiniciando novas experiências com vistas à reparação de eventuais equívocos.
Porém, uma vez investidos na indumentária física, pode acontecer que algum dos espíritos envolvidos nessa ligação ou ambos venham a fugir dos compromissos assumidos, como aconteceu com Ildeu. Aquele que assim proceder não irá se liberar dos reajustes necessários ao seu progresso e frustrará, pelo menos com relação a essa questão, a sua reencarnação. O reajuste ficará pendente e terá de ser resolvido em outra oportunidade ou de outra maneira, como explicou Silas, ao esclarecer que Ildeu poderá "pagar em serviço a outras almas o débito que lhe onera o Espírito". A outra parte, ou seja, aquela que não contribuiu para que o compromisso fosse descumprido, ficará livre e, é claro, não poderá sofrer as conseqüências do seu rompimento, pois buscou honrar aquilo que assumiu.
Com a colaboração de Márcio, Fúlvia e Vera.
Um grande abraço a todos
Equipe CVDEE
Sala André Luiz
Coordenação: eqpal@cvdee.org.br
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