AULA 6 - DIFERENÇA ENTRE ESPIRITISMO, UMBANDA E RELIGIÕES AFRO-INDÍGENAS
3-6
A Umbanda
Irmão!...
Medita demoradamente sobre a tua condição de ente humano, e procura conhecer a razão de ser dos teus inúmeros sofrimentos. Acompanha a evolução da mais perfeita ideologia religiosa, que é a Umbanda, e verás que os teus temores se dissiparão. Quando tomares conhecimento do mundo espiritual, os bondosos Orixás te mostrarão a sublimidade das Leis Divinas, dando-te forças para suportares, com a resignação dos fortes , os mais atrozes padecimentos morais, materiais e espirituais.
Vem... A Umbanda redentora e amiga te espera!... - (FONTENELLE, 1953, p. 9).
Jesus e Oxalá na terra de Yurupari
No fundo são misturas. Misturam-se as almas nas coisas; misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente - o contrato e a troca (MAUSS, 1974, p. 71).
O Alabê De Jerusalém - A Ópera
Sim, leitor. Uma ópera.
Uma ópera completa, linda e que conta uma história envolvente, passada a dois mil anos atrás.
Alabê de Jerusalém foi encenada poucas vezes no Brasil. Mesmo reunindo nomes de peso da MPB, como Elba Ramalho, Fafá de Belém, Alcione, Lenine, Bibi Ferreira, Jorge Aragão e Ivan Lins, entre outros, Altay não consegue patrocínio para levá-la novamente a público.
Fafá de Belém disse que se Altay tivesse nascido norte-americano, sua ópera seria um dos maiores sucessos da Broadway. E ele estaria rico, muito rico. Como não é o caso, Altay luta diariamente para conseguir o seu sustento e continua na batalha para levar de volta aos palcos a sua grande obra.
Mas, deve estar se perguntando o nobre leitor: o que uma ópera está fazendo num blog ambiental?
Respondo com um trechinho da ópera de Altay:
Ah, meu Deus! Assisto com muita tristeza a pena da aspereza dilacerando a beleza de uma linda sinfonia. A aguarrás de juizes, ciumentos inflexíveis, descolorindo as matizes de uma linda pintura, só porque não gostam da assinatura
E vai com uma bailarina, com a inocência de menina, dançando em volta do sol, a Grande Mãe Terra. Enquanto muitas nações, governos, religiões ensaiam a dança da guerra.
Na verdade a bola azul quase nunca foi amada; é sempre penalizada. Tem um trabalho enorme, dedicação e talento para preparar a mistura, juntar os seus elementos para dar forma às criaturas, e elas, depois de paridas, desconhecem a matriarca e dizem, mal agradecidas: que a carne é fraca.
Olha, eu vou dizer na minha simples observação: dia após dia, me perdoem a liberdade, mas religião de verdade, mais parecida com a que Jesus queria, talvez seja sentimento de ecologia. Para esse sentimento não tem fronteiras e só reza um mandamento: preservação das espécies com urgência, sem adiamento.
Hoje, ela pensa nas plantas, nos rios, no mar, nos bichos. Amanhã, com certeza, com a mesma dedicação e capricho, pensará com muito cuidado nos meninos abandonados.
Ah, se ela tivesse mais força para sustentar sua zanga, evitaria, com certeza a fome cruel de Ruanda. Ainda era uma menina, quando a impertinência sangrou, com a bola de fogo, a pobre Hiroshima. Mas ela cresce, se instala como uma prece no coração das crianças. Tenho muitas esperanças
Eu tenho toda a certeza que nosso planeta um dia, mesmo cansado, exausto, terá toda a garantia e guardado por uma geração vigia, nunca mais verá a espada fria no Holocausto.
Alabê é uma exaltação a conservação da natureza e uma tremenda lição de respeito a vida. Só por sua riqueza cultural já merecia estar entre os materiais didáticos distribuídos pelo MEC às escolas. A sua mensagem ambiental, importantíssima, só reforça o seu valor.
Mas como quase tudo que presta nesse país, é relegada ao esquecimento.
O Alabê De Jerusalém - A Historia
Ogundana é um andarilho africano que viveu há dois mil anos, contemporâneo de Jesus Cristo.
Ele sai da própria aldeia, em Ifé, Nigéria, aos doze anos e atravessa todo o Norte da África, a pé, poucas vezes em caravanas, até romper as fronteiras do continente e chegar a Roma. Busca conhecer o mundo e encontrar a si mesmo.
A passagem pela África ocupa o primeiro quarto do livro e foi o que mais me emocionou e interessou.
O tônus poético das cenas e cenários é de difícil tradução, resta destacá-los para que os sentidos de quem lê este texto possam se aproximar da magia de Ogundana, ao demonstrar, por exemplo, a necessidade de desenvolver fina sintonia com o Orixá de cada dia, como requisito para se tornar um Alabê, aquele que cuida da música nos cultos Iorubás.
Foi então, que na manhã seguinte, com realeza e requinte, na casa dos instrumentos, recebi dos sacerdotes a empunhadura do archote que ilumina os fundamentos, a orientação secreta pra ficar em sintonia com o Orixá de cada dia, pra receber a energia que cura, que alivia e neutraliza a magia fria dos maus momentos.
Assim, ao som dos tambores, Xangô desceu de Aruanda trazendo seus dois machados e os cruzou no meu peito, realizou os preceitos; e, então, já quase eleito um Alabê iniciado fui levado em cortejo até a beira do rio.
E ao som dos cânticos sagrados, recebi a grande honraria: ser portador de um colar, uma guia, que foi por Oxum batizada, pertencer à hierarquia dos que vivem em sintonia com o raio que Xangô envia rumo ao palácio das águas (p.18).
Madiba, primo e melhor amigo de Ogundana vai ao encontro dele, pois não o deixaria viajar sozinho rumo ao desconhecido que ele, Madiba, também queria alcançar. Ogundana o define como aquele que trazia consigo, além da força dos destemidos, a luz do sexto sentido que brilha nos olhos dos iniciados.
Embora fosse um menino, assim como ele, inocente, Madiba era um sábio, tinha a intuição dos magos, a lucidez dos videntes (p.29).
Mas Madiba adoece parte, e o momento de sua passagem é requintada reflexão de fé na existência do mundo espiritual e nas razões que a razão desconhece. A dor de Ogundana é dilacerante e a poesia gerada dessa dor nos ajuda a compreender e superar nossas dores causadas por perdas:
Conduzido pela dor, fui levado ao traiçoeiro reino da apatia.
Lá, sujeito às bruxarias silenciosas e à música furiosa daquele mundo sombrio, caí no mais denso e frio estado de melancolia. Não mais levantei os olhos para contemplar o firmamento; e, sem o sábio aconselhamento das estrelas, distante da luminosidade solar e do carinhoso olhar da lua cheia, cheguei a perder de vista o elo resplandecente da poderosa corrente que une os deuses da minha aldeia.
Era como um açoite, a escuridão da noite, toda vez que ela chegava. E eu sofria pesadelos, acordava assustado.
Ainda na inocência, confundia a luz da vidência com as trevas dos maus presságios(p.35).
Antes disso, a lucidez de Madiba diante da morte iminente, impressiona.
Ogundana, sinto muito, mas acho que chegou a hora. Minha razão, já está em silêncio, não encontrou nenhuma resposta, e já não faz nenhuma pergunta. Mas a tua, vai estar mais forte que nunca, depois da minha partida, pode deixá-lo de costas pra luz do seu espírito, e, te mergulhar em suas próprias sombras, arruinar sua vida. A razão quase sempre zomba da percepção da alma. Não aceite a hostilidade, segue em busca da verdade, confia nas divindades, que com o tempo, ela se acalma (p. 32 e 33).
Ainda em estado aflitivo, Ogundana prossegue a caminhada. Sonha com um rei altivo e carinhoso, senhor de belo reinado que lhe dá conselhos plenos de sabedoria: (...)
Todos nós estamos sujeitos a cair nas armadilhas da tristeza. Não percas a delicadeza, só ela traz a clareza quando a estrada é sombria, mantém-te em vigília. Às vezes parece que tarda a chegar o tempo das flores. Mas é que a natureza o guarda porque sabe que os pintores, os que fabricam as cores, moram em outras estações. E por isso ela espera até que outros artistas procurem-na e felizes lhe digam: Querida mãe natureza, já temos todos os matizes pra pintar sua primavera (p.37).
Uma das mais belas partes do livro vem logo a seguir, um diálogo entre o rio Nilo e o deserto, feito por meio dos viajantes que trazem a um, notícias do outro. Há também reflexões profundas sobre a vida e a paixão, uma nos joga na estrada e a outra em algum lugar nos espera, e, finalmente, sobre a difícil decisão de persistir no caminho, de atender ao chamado da vida: Hesitei, não por me faltar coragem, mas o ritual de passagem de um mundo conhecido pra outro tão longe de nossas raízes é um ato violento.
Correu por dentro de mim como um raio, quase me levou ao desmaio, uma assustadora sensação de saudade (...) Chorei. Não como uma criança, mas como um homem que tem esperança, um homem que acredita que a estrada ama os caminheiros, que crê ser do mundo um passageiro e que não deve descansar enquanto o corpo a alma puder levar ao encontro de novos companheiros (p.53).
A partir daí, a poesia reinante se torna episódica.
Há mudanças no tom do texto, adota-se um coloquialismo excessivo que destoa da elaborada linguagem anterior. O maior mérito dos restantes três quartos do livro, a meu ver, é destacar a simultaneidade da presença de Ogundana, um africano, ao período de vida de Jesus Cristo na Galiléia. Ou seja, o autor mostra o intercruzamento de mundos que não eram estanques, cujas fronteiras eram transpostas e ocorria o diálogo, mesmo que entre estrangeiros, entenda-se, pessoas e culturas em permanente estranhamento.
Ao final, uma grande surpresa, Ogundana não seria uma personagem de ficção? Teria existido? Seria hoje uma entidade espiritual, o Alabê de Jerusalém, que se comunica com os humanos ancorado em uma plêiade de pretos velhos resplandecentes?
Se assim for, pode ser desculpada uma ou outra incongruência temporal da obra, por exemplo, o fato de uma personagem que viveu há dois mil anos afirmar que não poderia deixar de adotar um determinado comportamento por conta de ideologia. A palavra ideologia sequer existia naquela época, é construção política do século XVIII.
Mas é também um bom impasse literário, ou foi problema de revisão, de falta de leitura crítica, ou solução de espírito atemporal que vive em múltiplas eras e incorpora distintas linguagens.
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