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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

3 – Objetivos da Mediunidade

Módulo
XI
Mediunidade

3 – Objetivos da Mediunidade

Tendo o Espiritismo como objetivo, reviver o Evangelho de Jesus, e sendo a mediunidade um de seus instrumentos, só podemos pensar em mediunidade se for com Jesus, ou seja, mediunidade em favor do próximo.

Reconhecerás que não reténs com ela um distrito de entretenimento ou vantagens pessoais e sim um templo-oficina (…).88 Através deste ensinamento, nosso instrutor Emmanuel destaca o caráter de trabalho da mediunidade. “Oficina” é local de trabalho, de consertar ou de fazer da maneira correta. E se a oficina produzir só para o seu dono, de que é que ele vai viver? Portanto, a oficina tem de gerar o bem para a comunidade.

88 “Encontro Marcado”, cap. 28.

Da mesma forma, a mediunidade deve ser exercida com o pensamento, visando o bem de nosso semelhante. No templo é onde tratamos as questões espirituais, é onde nos encontramos com o Criador. Por isto Emmanuel trata a mediunidade como “templooficina”, ou seja, trabalho realizado com fins espirituais, sabendo sempre que quem dirige não é o elemento encarnado, mas os Espíritos trabalhadores da Seara do Cristo.

Através do qual os benfeitores desencarnados se aproximam dos homens, continua Emmanuel, tão diretamente quanto lhes é possível, apontando-lhes rumo certo ou lenindo-lhes os sofrimentos, tanto quanto lhe utilizarás os recursos para socorrer desencarnados, que esperam ansiosamente quem lhes estenda uma luz ao coração desorientado.89

89 Idem.

Consolar e esclarecer são outros objetivos da mediunidade, como da própria Doutrina Espírita.

Quando o Cristo se manifestou a respeito do Espiritismo, tratou-o como “O Consolador” e disse que ele nos ensinaria todas as coisas:

E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre.(...)

Mas o Consolador, o Espírito Santo a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito. (João, 14: 16 e 26)

E a mediunidade realmente tem esclarecido muitas coisas. Só a revelação do plano espiritual por si só bastava, mas não pára por aí, ela tem nos antecipado muitos conhecimentos que mais tarde a Ciência poderá confirmar, e outros que ainda virão.

Quanto à consolação, que diga aquele que achando ter um ente querido desaparecido por vias da morte, recebe dele, com toda confirmação, uma comunicação dizendo não estar ele morto, mas em outro plano da mesma vida, e muito mais próximo que possa qualquer um de nós supor.

Se o auxílio é sempre grande de lá para cá, não menos é daqui para lá. É muito comum Espíritos desencarnados em desequilíbrio receberem auxílio e orientação através de reuniões realizadas em nossos Centros Espíritas.

Podemos então, concluindo, enumerar alguns objetivos da mediunidade:

Para os encarnados:

Cooperação no serviço de reconforto e esclarecimento.

Auto-educação, pela renovação dos sentimentos e pela oportunidade de trabalho, que quando bem executado, em muito eleva o Espírito.

Construção de afeições muito valiosas no plano espiritual, consolidadas em base de cooperação e amizade superior.

Conhecimento do plano espiritual, o que muito lhe auxiliará quando do seu desencarne.

Para os Desencarnados:

Melhor entendimento do processo evolutivo a que todos estamos sujeitos, nos dois planos da vida.

Aqueles que sofrem pela falta de entendimento da nova vida, têm na mediunidade oportunidade segura de melhor compreender sua situação, e assim programar atitudes renovadoras.

Transmissão aos encarnados de valiosos ensinamentos ministrados por Espíritos de alta hierarquia espiritual.

Poderíamos ainda, enunciar muitos outros objetivos desta Divina faculdade, mas essas, no nosso entender, já são suficientes para mostrar a excelsitude da mediunidade.

Para finalizar, algumas palavras do bondoso Espírito Emmanuel, para nossa meditação:

Terás a mediunidade por flama de amor e serviço, abençoando e auxiliando onde estejas, em nome da Excelsa Providência, que te fez semelhante concessão por empréstimo. E nos dias em que esse ministério de luz te pese demasiado nos ombros, volta-te para o Cristo, o Divino Instrumento de Deus na Terra, e perceberás, feliz, que o coração crucificado por devotamento ao bem de todos, conquanto pareça vencido, carrega em triunfo a consciência tranqüila do vencedor.90

90 “ Encontro Marcado”, cap. 28.

Apostila do Curso de Espiritismo e Evangelho
Centro Espírita Amor e Caridade
Goiânia – GO
Trabalho realizado em 1997 pelo Grupo de Estudos desta Casa Espírita com a coordenação de
Cláudio Fajardo


Divulgação

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Mediunidade 1 – Conceito e Histórico

Módulo XI

Mediunidade

1 – Conceito e Histórico

Mediunidade é a faculdade de intermediar o plano físico e o plano espiritual.

É uma faculdade orgânica, e não constitui patrimônio especial de grupos nem privilégio de castas.” 86

86 “Estudos Espíritas”, cap. 18.

O Médium é aquele que serve de instrumento entre os dois planos da vida.

De modo geral, podemos afirmar que todos somos médiuns, porque pelo simples fato de sofrermos influência de Espíritos, já estamos exercendo nossa mediunidade. De maneira mais específica, quanto à acentuação da faculdade, podemos salientar que a mediunidade é faculdade de poucos.

Em todos os tempos, a mediunidade revelou ao homem a existência do plano espiritual, por isso é vero afirmar que o fenômeno mediúnico não nasceu com o Espiritismo, e sim que existe desde as mais remotas eras da vida humana no planeta. Temos notícias das comunicações mediúnicas desde o homem primitivo caracterizando o mediunismo, passando por vários povos até atingir o rigor científico do século XIX.

As musas não eram senão a personificação alegórica dos Espíritos protetores das ciências e das artes, como, os deuses Lares e Penates simbolizavam os Espíritos protetores da família. Os feiticeiros, magos, adivinhos, e posteriormente oráculos, pítons e taumaturgos, eram todos médiuns mesmo que usando outras designações.

O profetismo em Israel tem sua origem em Moisés. No Velho Testamento, encontramos várias passagens em que o grande legislador conversa com Deus. É lógico que a conversa não é com o Criador, mas com um Espírito mensageiro de Deus. Porque Deus não entra em contato direto com os homens, mas para tal faz uso de Espíritos superiores que funcionam como intermediários entre Ele o os Espíritos de nosso nível evolutivo.

Para ilustrar, transcrevemos abaixo uma passagem do livro “Êxodo”, em que tal fato acontece:
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo no meio duma sarça. Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia;

pelo que disse: Agora me virarei para lá e verei esta maravilha, e porque a sarça não se queima.

E vendo o Senhor que ele se virara para ver, chamou-o do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés! Respondeu ele: Eis-me aqui.

Prosseguiu Deus: Não te chegues para cá (...) (Êxodo, 3: 2 a 5)

Notamos que no princípio o narrador bíblico diz ser o “anjo do Senhor”, e depois o próprio Deus.

Essas confusões acontecem devido à falta de informação a respeito do tema. Informação que só a Doutrina Espírita, com o seu estudo sistematizado, pode oferecer.

Moisés é um médium espetacular. Em muitos momentos ele vê, em outros ele ouve, e até fenômenos de efeitos físicos ele realiza com muita naturalidade.

É muito comum ouvir de irmãos nossos de outras religiões, a afirmação de que o Espiritismo encontra-se em erro diante de Deus, porque Moisés proibiu o exercício da mediunidade. Vejamos a citação bíblica a que eles se referem:

Quando entrares na terra que o Senhor teu Deus te dá, não aprenderás a fazer conforme as abominações daqueles povos.

Não se achará no meio de ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor, e é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti Perfeito serás para com o Senhor teu Deus.

Porque estas nações, que hás de possuir, ouvem os prognosticadores e os adivinhadores; porém, quanto a ti, o Senhor teu Deus não te permitiu tal coisa. (Deuteronômio, 18: 9 a 14)

Em primeiro lugar, gostaríamos de dizer que se Moisés proibiu, é porque a mediunidade existe; ninguém proíbe algo que inexiste. Depois, podemos afirmar que o que Moisés proibiu o Espiritismo também condena, que é o mau uso desta faculdade.87

87 Ver “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, cap. XXVI.

Quanto à mediunidade em si, ele mesmo deu várias provas de que a aprovava.

Vejamos a seguinte passagem do livro “Números”:

Mas no arraial ficaram dois homens; chamava-se um Eldade, e o outro Medade; e repousou sobre eles o espírito, porquanto estavam entre os inscritos,ainda que não saíram para irem à tenda; e profetizavam no arraial.

Correu, pois um moço, e o anunciou a Moisés, dizendo: Eldade e Medade profetizaram no arraial.

Então Josué, filho de Num, servidor de Moisés, um de seus mancebos escolhidos, respondeu e disse: Meu Senhor Moisés, proíbe-lho Moisés, porém, disse-lhe: Tens tu ciúmes por mim? Oxalá que do povo do Senhor todos fossem profetas, que o Senhor pusesse o seu espírito sobre eles! (Números, 11: 26 a 29)

Desta forma, fica claro que Moisés não só não proíbe a mediunidade, como até dela faz uso.

Mas a mediunidade chega ao seu ápice com Jesus, porque o Mestre não foi um médium comum, mas o “Excelso Médium de Deus”. Por seu intermédio, toda a Lei Divina se fez visível, e o seu grau de sintonia com o Pai era tal, que Ele mesmo nos afirmou:

Eu e o Pai somos um.” (João, 10: 30)

O Cristianismo, desde a Ressurreição até o Concílio de Nicéia, fez uso constante da Mediunidade. Através deste concílio realizado no ano 325 de nossa era, na cidade de Constantinopla, foi condenado o uso da mediunidade e outros pontos mantidos pelos primeiros cristãos, dando início à desagregação e à decomposição do Cristianismo em suas legítimas bases, que fora tão profundamente marcado pelo dia de Pentecostes.

Na Idade Média, época de obscurantismo, os médiuns são perseguidos e maltratados como feiticeiros. Temos como exemplo a excepcional Médium Joana D’Arc, que em todos os lugares era inspirada por seres invisíveis, escutava suas vozes, e por eles deixava-se dirigir, tornando-se assim a “Heróica Virgem de Domremy”.

Podemos citar ainda como expoentes significativos da mediunidade, Dante Alighieri, que sob influência espiritual escreveu “A Divina Comédia”, Goethe e sua obra mediúnica “O Fausto”, e mais tarde, os já conhecidos dos espíritas, Emmanuel Swedenborg, Andrew Jackson Davis, Eusápia Paladino, entre outros.

Este breve relato mostra assim que a mediunidade é imanente no próprio homem.

Talvez por isso, o Cristo, em toda a sua sabedoria, afirma ao apóstolo Pedro:

Bem aventurado és tu, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos céus. Pois eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja (...) (Mateus, 16: 17 e 18)


Apostila do Curso de Espiritismo e Evangelho
Centro Espírita Amor e Caridade
Goiânia – GO
Trabalho realizado em 1997 pelo Grupo de Estudos desta Casa Espírita com a coordenação de
Cláudio Fajardo


Divulgação

sábado, 19 de julho de 2014

9- MARCANTES EXPERIÊNCIAS (1ª PARTE)

ENCONTRO COM DIVALDO FRANCO
Recordo-me de um fato no qual participei, em companhia de Francisco Cândido Xavier, há mais de cinqüenta anos, e que tem grande atualidade, para que nós, os espíritas, neste momento em que se nos abrem as portas da divulgação, não nos esqueçamos da fidelidade à Codificação centrada no Evangelho de Jesus.
Há uma tendência inevitável de afastarem-se as criaturas da vivência com os simples, os sofredores, as filhas e os filhos do calvário. O intelecto deslumbra, as posições relevantes fascinam e, naturalmente, em nossa condição de Humanidade, somos atraídos pelo brilho efêmero das lâmpadas da projeção e, quando menos esperamos, distanciamo-nos, sem nos darmos conta do caminho reto, do dever, atraídos pelos diversos desvios, que se abrem, fascinantes, à nossa frente.
Não foi diferente o que aconteceu com o Cristianismo. A partir de Constantino, em 313, quando se lhe abriram as portas do Império Romano e o Cristianismo passou a experimentar cidadania, naturalmente começou também o ofuscar das suas luzes libertadoras da ignorância, da impiedade, do crime, dos desvios de conduta. A mensagem cristã pura resistiu quase inalterada por aproximadamente trezentos anos. Suportou perseguição por quase três séculos, ofereceu mais de um milhão de mártires ao testemunho. O Espiritismo, porém, ainda não completou cento e cinqüenta anos e, na sua estrada central, já notamos muitas veredas convidando a desvios perigosos, envolvendo e atraindo pessoas bondosas, sensatas, dedicadas, e que, por uma ou outra razão, se deixam atrair para esses caminhos mais curtos do fascínio e da projeção pessoal...
No ano de 1954, no mês de junho, eu me encontrava em Pedro Leopoldo. Como, na época, eu fazia viagens duas vezes por ano àquela cidade, na ocasião, no dia 20 de junho, ao terminarmos a reunião em que Chico Xavier psicografava, aos sábados à noite, depois do atendimento aos sofredores, nos arredores da sua cidade, ele me disse, enquanto caminhávamos na direção da residência do seu irmão André, que, naquela noite, experimentara um fenômeno muito especial. Estando desdobrado parcialmente, enquanto os Benfeitores psicografavam, havia recebido a visita de duas damas espanholas (encarnadas) que estavam recebendo a sua ajuda material durante a expiação redentora na atualidade, e vinham pedir-lhe para que não esquecesse de levar-lhes comida, porque ainda não havia terminado o seu resgate doloroso, mas a fome poderia interromper esse processo libertador, e que, no domingo - já era madrugada de domingo - à tarde, nós iríamos visitá-las.
Chamavam-se Lia e Maria da Conceição as duas senhoras muito pobres que residiam ali próximo, num lugarzinho conhecido como a Lapinha.
Estava presente, na ocasião, um vulto proeminente das finanças paulistas, o Dr. Francisco Pereira de Andrade, na época, um dos três diretores do Banco do Estado de São Paulo, que, naquela oportunidade, era uma potência financeira.
No mesmo dia, às 15 horas, Chico contratou dois táxis, porque o Dr. Francisco estava com a esposa, D. Lucy, e uma cunhada - o casal residente na cidade de São Paulo e a cunhada em Santos - e também iria conosco a irmã dele, D. Luísa.
Dirigi-nos à Lapinha, um lugar muito humilde.
Fazia muito frio, porque, àquela época, o inverno era rigoroso na região.
Em ali chegando, saltamos, enquanto o Chico foi nos contando que o drama daquelas duas senhoras era tão grande que a sua genitora, antes de desencarnar, em 1914, já se referia que, toda vez quando experimentava grandes dores, encontrava conforto no testemunho de D. Lia e na coragem de Maria da Conceição. Isso havia ficado na sua memória, como resultado dos relatos maternos dentro de casa - ele era criança de três para quatro anos. Nunca mais ele ouviu falar sobre essas senhoras até que, mais ou menos pelos anos quarenta, Luísa, sua irmã mais velha, narrou a história de D. Lia, elucidando que essa senhora se havia casado com um homem portador de transtornos psiquiátricos muito graves.
Naquela época, ela residia com a família em uma das fazendas em torno do Curral del Rei, quando esse senhor muito rico se apaixonou e pediu-a em casamento. O pai dela aquiesceu, e ela viu o futuro marido apenas nesse dia e no das bodas.
Ele levou-a para sua propriedade, após o consórcio matrimonial, quando começou o calvário da senhora, porque, muito atormentado, entre os vários desvios de conduta, ele era portador de um ciúme mórbido, e depois que nasceu a primeira filha, desvairando, ele começou a atribuir que a menina não era sua filha e sim do capataz. Depois de mandar surrar o empregado o expulsá-lo da fazenda, ele queimou com tição de fogo as partes pudentas da mulher, para que ela ficasse impossibilitada de traí-lo outra vez com quem quer que fosse.
D. Lia criou a filha com abnegação, com muito sofrimento, sem nunca sair daquela herdade. A filha casou-se, mais tarde, conforme os padrões da época, e foi morar com o seu marido em uma outra, propriedade. Dois anos após, estando grávida, mandou pedir à mãe fosse acompanhá-la no momento da délivrance e levasse também a aparadeira, uma parteira prática muito famosa que havia na região.
Era a primeira vez que D. Lia saía de casa, para ir ajudar a filha numa situação muito grave. O parto foi muito difícil e quando nasceu a criança, a parteira teve um choque muito grande, porque a menina apresentava anomalias teratológicas muito graves: a cabeça era normal, mas o corpo se apresentava retorcido como se fosse moldado por mãos impiedosas que lhe mudaram a estrutura.
A parteira, assustada, mostrou-a à mãe, ainda no leito. A senhora teve uma crise de loucura e atirou a filha pela janela, então D. Lia saiu correndo - a avó -, pegou a criança e desapareceu.
Não se soube, durante muitos anos, do paradeiro das duas, até que as notícias começaram a aparecer, narrando a história dolorosa de uma senhora que carregava um monstro, pedindo esmolas pelas cidades interioranas próximas a Belo Horizonte.
D. Luísa se lembrou que chegou a vê-las e contou isso ao irmão comovido.
No começo dos anos 50, ele estava numa das suas reuniões de atividades mediúnico-doutrinárias, psicografando, quando, fora do corpo, ele viu adentrarem-se duas damas muito belas, vestidas ricamente, à espanhola, e que se lhe acercavam. Aquela que parecia ser a de mais idade perguntou-lhe em Espírito:
- Você é o filho de D. Maria João de Deus, o Chico Xavier?
Ele respondeu: - Sim, sou.
- Pois é sua mãe foi muito amiga nossa. Nós estamos reencarnadas, resgatando dolorosos crimes anteriormente cometidos. Encontramo-nos numa situação muito lamentável e D. Maria João de Deus sugeriu-me que viesse pedir-lhe socorro, porque você é dotado de sentimentos cristãos e de muita misericórdia. Nós estamos morando aqui próximo, na Lapinha, e precisamos de alimentos para que nossos corpos resistam à expiação. Você poderia nos visitar. Chico?
Ele confirmou: - Mas com muito prazer.
Ela então explicou-lhe que havia exercido, na corte de Felipe II, uma posição muito relevante, havendo sido mãe de uma personalidade de alta significação no clero, tendo contribuído com a sua ambição para atormentar pessoas que eram acusadas como dignas de processo inquisitorial, por heresia. Ela e sua filha, irmã, portanto, da alta personalidade clerical, beneficiavam-se das denúncias que era feitas contra pessoas muito ricas, porque, segundo a lei da época, os bens passavam a pertencer ao Estado, que ficava com 50%, outra parte ia para a Igreja e a outra para o denunciante. Elas compraziam-se nisso, mas nunca se deram ao trabalho de ver como eram arrancadas as confissões das suas vítimas. Sabiam, no entanto, que eram por processos muito bárbaros, e que, ao desencarnarem os três - ela primeiro, o filho depois e a filha em último lugar -, tiveram o despertar da consciência e encontraram grande número das suas vítimas, que os infelicitaram de maneira impiedosa, quase hedionda.
A Misericórdia Divina, apiedada nos seus sofrimentos, trouxe-os às expiações dolorosas e, durante várias vezes, reencarnaram-se sob os espículos da lepra, mas esta, na qual se encontravam, seria a última fase de recuperação, e que elas pretendiam - porque o filho já estava redimido - coroar a jornada com muito êxito.
Chico ficou muito sensibilizado e prometeu visitá-las.
No dia seguinte, em companhia de D. Luísa, eles procuraram reunir alguns víveres do pouco que tinham e foram visitar o casebre de D. Lia e D. Conceição.
Era uma dessas construções de pau-a-pique muito modestas, no cimo de um aclive, num lugarejo separado do aglomerado de casas. A partir de então, vez que outra, quando ele dispunha de qualquer recurso, comprava alimentos e ia levá-los às duas senhoras.
D. Maria da Conceição era surda-muda, além da deformidade que apresentava no corpo. E era quase totalmente cega. Ela ouvia-o, sentia-o e os dois conversavam mentalmente. Quando ele se acercava, ela se agitava de felicidade, porque lhe percebia a presença. Então, com um jeito muito peculiar, ele disse-me: - Pois é, eu sou o seu cabeleireiro. Eu sou o seu manicure. Sou eu que lhe corto os cabelos.. .lindos! Divaldo – ele me afirmou - ela é linda! Parece Rita Hayworth.
Estava na época de Gilda, a célebre Rita Hayworth. E eu, com a minha imaginação juvenil, naquela época, já mentalizei aquela mulher hollywoodiana, fascinante, começando a concebê-la, deslumbrante.
- Agora o corpinho é deficiente, etc. – ele acrescentou, com um riso maroto.
Subimos o aclive e, quando ele bateu à porta, D. Lia abriu-a. Tratava-se de uma mulher nonagenária, e foi comovedor o encontro, porque ela o olhou, teve uma exclamação, informando: - Seu Chico, essa noite eu sonhei com vós. Eu dizia: - Venha trazer comida prá nós, seu Chico, que nós tá morrendo!
Ele então olhou-me e sorriu, porque aí estava a confirmação do que nos houvera contado.
Entramos. D. Luísa foi à cozinha, que era um pequeno vão ao lado, levar os alimentos e preparar um lanche, enquanto nós fomos ao outro quartinho. A cama era de varas, enfiadas no chão, com outras transversais, algum capim coberto com tecidos velhos, sujos, e um corpo, que não deveria ter mais do que seis palmos de uma mão adulta. A cabeça era perfeitamente normal. O cabelo, desgrenhado, não tinha nada a ver com aquele de que Chico falara. Como ele possuía beleza nos olhos e na alma! Eu olhei-a... Era... Engraçadinha... Mas não parecida à Rita Hayworth como ele havia definido.
Nesse ínterim, ela se agitava, contorcia-se. Ele se acercou e disse-lhe: - Pois é, Maria da Conceição, eu aqui estou. E acarinhou-lhe os cabelos.
Ela precisava de higiene, porque era uma vez por semana que ele podia ir ajudá-la. De imediato pôs-se a conversar, acalmando-a, suavemente.
Nesses comenos, D. Luísa veio da cozinha e, para que nós víssemos as deformidades da paciente, tirou o pano que a cobria. Foi a cena mais chocante que eu já vi. Era como se o corpo fosse retorcido, não exatamente como um parafuso, mas algo parecido, pequeno, com muitas limitações.
Então ela gritou, e Chico elucidou: - Luísa, você sabe que ela tem pudor, cubra-a!
Ela cobriu-a com carinho. D. Lucy, que era uma senhora muito generosa, elegante, estava vestida com um casaco de peles de alto preço, enquanto D. Lia, a idosa, tremia de frio, com um tecido muito ralo sobre o corpo arroxeado, sem quase roupa íntima...
Tremendo muito, sensibilizou a dama paulista que tirou o casaco de peles e vestiu-a, naquele momento, num gesto tão natural, como se fosse a coisa mais simples do mundo. Então, a senhora não entendeu nada. Foi, de imediato, à cozinha e, quando voltou, estava suja de borralho. Chico exclamou com jovialidade: - Mas que beleza, Lia! Já tirou o selo. É assim que a gente tem que fazer...
Aquilo me impressionou, porque a mente racional pensaria de maneira diferente. Diria:
Bom, quando chegar em casa, eu irei comprar uns agasalhos, adquirirei um casaco e mando-os depois.
Instantaneamente recordei-me que, muitos anos antes, portanto, no fim dos anos 40, o próprio Chico me havia contato algo que lhe fora narrado pelo Dr. Bezerra de Menezes, de cuja reflexão o Benfeitor espiritual havia cunhado o seguinte conceito: Quando a caridade é muito discutida, o socorro chega tarde.
Contou-me, o médium abençoado, que duas damas estavam no teatro Bolchoi em Moscou, no fim do século XIX, assistindo à peça Boris Gudonov. Sensibilizaram-se muito. Nevava no exterior. Quando saíram do teatro, muito emocionadas, viram, à porta, um homem caído e mal agasalhado. Uma delas tirou o casaco para cobri-lo.
A outra, mais prática, porém, advertiu-a:
- Não faça isso! Ele não vai valorizar esse casaco. É muito caro! Quando chegarmos em casa, escolheremos roupas quentes, mandaremos um lacaio trazê-las, e ficará tudo bem.
Seu casaco vale uma fortuna!
A amiga deteve o gesto. Foram para casa. Mas ao chegarem foram tomar chá quente. Conversaram, distraíram-se e esqueceram o necessitado.
No dia seguinte, pela manhã, aquele que ia tendo o gesto de caridade lembrou-se do sofredor e mandou o lacaio, quando lá chegou, o homem havia morrido de frio durante a madrugada.
Daí Dr. Bezerra advogava A caridade não pode ser muito discutida. Pode ser até delineada, tracejada. Mas não muito discutida enquanto a miséria chora, sofre e morre. Tem que ser o gesto espontâneo como esse que D. Lucy havia praticado, sem ter ouvido a narração que Chico me fizera antes.
Ficamos ali sob forte emoção. Ele tratou de higienizar as duas. A irmã trouxe um caldo revigorante e quente. Então, o Dr. Francisco Pereira de Andrade propôs: - Chico, eu posso mudar essa situação. Gostaria de lembrá-lo de que eu tenho muita influência na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Eu poderia mandar buscar as duas pacientes para interná-las, retirando-as dessa situação deplorável.
Chico olhou-o carinhosamente. Deteve-se, silencioso, e, logo depois, respondeu: - Andrade, o seu gesto é comovedor. Mas as duas nutrem-se do amor recíproco. Quando uma desencarnar, a outra logo desencarnará. Ademais, não temos o direito de alterar os desígnios divinos.
A Divindade colocou-as aqui e, se nós as retirarmos, provavelmente estaremos interferindo numa planificação de alta magnitude. Desde que você quer ajudar, ajude-as aqui. Você poderia assumir a responsabilidade de uma auxiliar para vir dar-lhes banhos, para cuidar delas, preparar-lhes a alimentação. Isto sim, nós podemos contribuir na condição de bons samaritanos.
O Dr. Andrade anui de boa mente, informando que, a partir daquele momento, ele assumia esse encargo abençoado e procuraria ajudá-las.
Voltamos a Pedro Leopoldo, já noite. Eu viajei de retorno a Salvador. No ano seguinte, no mês de março, quando eu retornei a Pedro Leopoldo, perguntei a Chico: - E D. Lia, nós iremos visitá-la?
Ele me respondeu: - Ah, Divaldo, você não faz idéia do que aconteceu! Eu não lhe contei tudo.
Naquele período, eu estava muito sofrido. A imprensa... As acusações descabidas, incompreensões dentro e fora de casa. Meu próprio pai não me entendia. Era muito severo com as pessoas que vinham conversar comigo. Às vezes, portava-se mal, dizendo que eu não era médium coisa nenhuma, embora não o fizesse por mal.
Ele era vendedor de bilhetes da Loteria Federal, e afirmava que se eu fosse médium e se existissem Espíritos, esses dariam o número do bilhete para ele e acabávamos com a problemática da nossa pobreza. Ele não entendia a mediunidade. Eu estava, numa noite de Natal, muito amargurado!
Sem ninguém, fisicamente. Luísa se encontrava com os seus filhos e esposo, no lar, e eu não queria pertubá-los. Os meus irmãos reuniam-se com as duas famílias modestas, e esse era o momento deles. Então, quando tomado pela tristeza e solidão, lembrei-me: Como estariam Lia e Conceição? E já que nós éramos, possivelmente, as pessoas mais isoladas que eu poderia identificar, mais solitárias, resolvi visitá-las. Tomei um táxi e fui correndo até a Lapinha. Quando eu saltei do veículo e me aproximei do outeiro, eu vi uma espécie de “spot light”, que descia de um ponto, que eu não podia identificar, do Infinito, salpicado de estrelas. Estrelas matizadas cobriam aquela choupana modesta. Quando eu me acerquei, à porta estava Eurípedes Barsanulfo, porém com a indumentária de Rufus.
(Para quem não se recorda ou não leu o livro AVE, CRISTO!, ditado por Emmanuel, Rufus era um escravo que, no século II, na cidade de Lyon, deu seu testemunho de fé, quando Taciano mandou matar os cristãos que viviam na então chamada Gália Lugdunense. A morte de Rufus foi muito dolorosa, porque ele foi amarrado à cauda de um potro bravio, para sair em disparada e despedaçá-lo. Quando Rufus estava nessa situação pungente, recordou-se que a esposa e os filhinhos haviam sido vendidos a um mercador de escravos. Ele reflexionava em agonia: Jesus, que fazer? Eu poderei acabar com esta situação se abjurar a fé por amor a meus filhos e à minha Mulher. Mas, que fazer? Ser fiel a Jesus... A minha vida eu a dou, mas a dos meus filhos e da companheira? Assim mesmo ele optou por permanecer fiel a Jesus. Nesse transe, que são alguns segundos e parecem horas, o homem que comprara a sua família como escravos acercou-se e deu-lhe uma bofetada. Ao fazê-lo, abaixou-se e ciciou-lhe ao ouvido: Morre em paz. Eu também sou cristão. Cuidarei da tua família. Ele então se entregou a Deus. E o Chico me narraria, depois, que os pedaços de Rufus ficaram pelas estradas, e que ele viu, psiquicamente, e essa parte não consta no livro, o sepultamento dos despojos recolhidos pelos seus irmãos de fé naquele noite, conduzindo archotes e cantando hinos de exaltação ao Bem.)
- Estava ali Rufus, o bem-aventurado, porque, se ele já era cristão desse jaez àquela época, o seu ministério de apóstolo sacramentano era natural (numa preparação para as tarefas do Chico no mundo social pela mesma região triangulina). E, então, era o Natal mais lindo que se podia imaginar.
Vozes, entoando hinos, e as duas, que uma visão apressada poderia confundir com obsidiadas (como está muito em moda em nosso Movimento.
Vê-se uma pessoa marcada por determinados sofrimentos, ou com determinados distúrbios, e logo se rotula: - Esse é um obsidiado. São obsessores. Tem uma legião de obsessores! Às vezes, não há nenhum. Trata-se de uma expiação libertadora - o Espírito errou na carne e na carne se redime).
Então, ele passou o Natal mais feliz da sua atual existência. A partir daquela vez, toda época de Natal. quando terminava as tarefas, ele ia à casa de D. Lia e D. Conceição.
Dando continuidade à resposta, ele me informou:
- Pois é, eu estava, no mês de janeiro último, psicografado, quando Dr. Bezerra se me acercou, solicitando-me: - “Chico, assim que termine as atividades programadas, não dialogue com os nossos irmãos, porque Maria na Conceição está voltando ao Grande Lar. Já estamos operando o processo de libertação do Espírito, desimantado-o dos liames materiais e, logo, dentro de duas horas, no máximo, ela estará conosco. Gostaríamos que você fosse participar desse momento.”
Ele terminou o trabalho, desculpou-se, tomou um automóvel, seguiu à Lapinha e, então, comoveu-se com a mesma presença feérica de Entidades Nobres que ali visitavam o casebre modesto, e acompanhou o momento em que o próprio Dr. Bezerra de Menezes desenovelou a moribunda, agindo no centro coronário, liberando-a dos últimos vínculos com a matéria.
Desprendendo-se, ela reconheceu-o, sorriu, e foi conduzida pelo Benfeitor para o mundo espiritual.
Ante a nova realidade, ele ficou numa conjuntura dolorosa. Que fazer agora com D. Lia, que já estava com mais de noventa anos?
Sepultou D. Maria da Conceição e levou D. Lia para Pedro Leopoldo. Alugou um quartinho, próximo da sua casa, para dar-lhe assistência, mandou comunicar ao Dr. Pereira de Andrade e, mais ou menos, quinze dias após, também num sábado pela madrugada de domingo, o venerando Guia convidou-o, novamente, explicando-lhe:
- Estamos retirando Lia do invólucro carnal.
Conceição veio buscá-la, o filho e alguns beneficiários hoje dos seus sofrimentos, dos seus testemunhos dolorosos encontram-se presentes. Terminada a reunião, nós o aguardamos.
Concluída a reunião, ele correu à nova residência da anciã e, de longe, viu sobre aquela ruela sem saída, as luzes e a movimentação de Entidades nobres, ouvindo um coral, que houvera escutado anteriormente, quando a irmã desencarnou, que entoava um hino à vida.
Quando D. Lia foi retirada do corpo, ele anotou, como houvera feito por ocasião da desencarnação, o poema de exaltação da Vida, que diz, em parte:
Rasgaram-se os véus da noite, Novo dia resplandece, Viajor, descansa em prece Ao lado da própria cruz.
No horizonte rebrilha nova aurora matutina, Pois a morte descortina
Dia novo com Jesus.
A música continuava, ele ainda pôde ver D. Lia sorrir-lhe, sem possibilidade de agradecer-lhe, ser retirada do corpo, levada para o mundo de origem.
Poucos dias depois de desencarnada, ela retornou, trazendo a netinha, que falecera com cinqüenta e cinco anos de idade, mais ou menos, a qual então transmitiu uma mensagem de rara beleza, por psicofonia, que se encontra no livro VOZES DO GRANDE ALÉM , publicado pela FEB, organizado por Arnaldo Rocha, resultado das sessões mediúnicas do Grupo Meimei, de Pedro Leopoldo, entre 1952-1956.
Este fato veio-me à mente para apresentá-lo aqui coloquialmente, afim de os convirdamos a uma releitura do Evangelho de Jesus, sem disfarces.
Fonte: REFORMADOR, nº 5/2005

“INFORMAÇÃO”:
REVISTA ESPÍRITA MENSAL
ANO XXX Nº 352
Fevereiro 2006
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quinta-feira, 23 de maio de 2013

VIII- PROBLEMAS SOCIAIS, POLÍTICA, ETC. (FINAL)


ENCONTRO COM DIVALDO FRANCO

Há no mundo igrejas ricas em bens materiais conclamando as nações prósperas da Terra a amenizarem o problema da fome que se abate sobre grande parte da Humanidade. 
Quem, em que hora, tempo e lugar deve praticar a caridade?

Divaldo: - Vamos relatar um episódio que vivenciamos alguns anos atrás.
Certo dia deparamo-nos com uma alma muito sofrida, presa de extrema miséria. Dispunhamo-nos a refletir acerca do que faríamos com a desventurada criatura, caída em plena via pública, febril e tiritando de frio.
Racionalizamos: amanhã voltaremos aqui para levá-lo a um hospital, ou pediremos a ajuda de um médico. Ao mesmo tempo passamos a conjeturar: poderíamos, agora, arranjar-lhe um caldo quente; quem sabe poderíamos levá-lo para casa. Levá-lo para casa?
Onde iremos acomodá-lo? Que fazer?
Com a mente fervilhante de interrogações perturbadoras, eis que nos surge à frente nossa querida Joanna de Ângelis, falando mais ou menos nestes termos: “Ao tempo dos Czares, certa noite estava sendo representada uma célebre peça no teatro de Moscou, que se refertava com as dependências totalmente tomadas pelos membros da realeza. O enredo girava em torno dos sofrimentos de um soberano místico que, em meio a cruéis sofrimentos, sacrificou-se pela fé cristã. A música enleava os corações da nobreza assistente, todos se identificando com as agonias cristãs da personagem, que de alguma forma traduzia um pouco do íntimo de cada um. Findo o colorido espetáculo, à saída do teatro, deitado sob a marquise, delirava um mendigo tiritante de frio em meio à nevasca da noite. Uma das damas da corte, ao descer as escadarias que a levariam à sua carruagem, movida por um impulso natural de bondade, tomou do casaco de peles que a agasalhava, propondo-se a cobrir o homem que parecia moribundo. A dama que lhe fazia companhia, porém, sustou-lhe o gesto nobre dizendo: ‘Não faças isso.
De que adiantaria a esse miserável uma peça de vestuário de tal valor?
Amanhã envias por um dos teus servos agasalhos quentes para ele’.
‘Sim, tens razão’ - respondeu a dama do casaco de alto preço, movida agora por sentido utilitarista da vida.
‘Demandaram, assim, ao luxuoso castelo, alimentaram-se frugalmente, esquecidas já da agonia do desconhecido tombado sob a marquise enregelante. No dia seguinte, despertando já manhã alta, a dama lembrou-se do homem tiritante de frio.
Chamou então um de seus servos e ordenou que levasse agasalho ao pobre homem. Lá chegando, o serviçal deparou-se com o desconhecido já morto, sendo removido pela polícia’.
Finalizou, então, Joanna de Ângelis:
‘Sempre que a caridade recebe a interferência de polêmicas ou racionalizações, discussões ou debate, invariavelmente o socorro chega atrasado. É necessário que cada um de nós faça o bem hoje, aqui e agora’. Tratamos então de auxiliar o homem abandonado à intempérie da noite, sem mais cogitações que não as do socorro imediato.

No que se refere às igrejas fartamente providas de bens materiais concitando os governos de mais largos recursos a minimizar o sério problema da fome e da desnutrição na face da Terra, com todo o respeito queremos lembrar que a riqueza de nada nos valerá se não tivermos no cofre do coração o pão da caridade e a palavra consoladora da misericórdia que nos compete distribuir. Jesus Cristo, que foi a encarnação da pobreza material, disse: ‘As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça’.”

Qual o posicionamento do Espiritismo com relação ao pobre, à vida miserável que leva. Até quando o senhor acha que no mundo continuará havendo, essas desigualdades sociais, esses contrastes gritantes que nós vemos e estamos assistindo em várias regiões do país e várias regiões do mundo?

Divaldo: - A resposta está no Evangelho de Jesus. Quando a mulher arrependida levou-lhe bálsamo e o ungiu, Judas, preocupado com a despesa que ela fazia, já que a substância era de alto preço, lamentou que fosse desperdiçada com Ele.
Chegou mesmo a considerar que aquela substância poderia ser vendida e revertida a benefício dos pobres.
Jesus redargüiu: Ela agiu muito bem, porque “os pobres sempre os tereis, mas a mim nem sempre.” E aqui, vale dizer que sempre haverá pobres, enquanto o homem em gozo e no exercício das suas aptidões, da fortuna, faça delas mau uso. Dentro do conceito da reencarnação, aquele que hoje experimenta limites, dificuldades e problemas, foi o mesmo que abusou, em existência próxima, transata ou remota, dos valores com que a vida o aquinhoou. Dentro da mesma questão, vemos que a Humanidade está num período de trânsito. Enquanto vigir o egoísmo no coração dos homens, haverá, inevitavelmente, a miséria, porque a ambição desmedida de alguns poucos engedra a miséria de muitos. O Espiritismo levanta a questão de forma otimista, convidando os que possuem a repartir, a criarem empregos, a darem oportunidades, a favorecerem os que se encontrem em situações de precariedade, com ensejos mais felizes, e acreditamos que dia virá, não muito longe, em que esta paisagem erma e triste da miséria sócio-econômica cederá lugar a uma situação menos penosa, mesmo porque,consideramos que o grande drama da atualidade não tem sua gênese, exclusivamente na problemática da miséria econômica, senão na grande problemática da miséria moral. Para nós, é a questão moral, de valor transcendente, que engendra aquela miséria de natureza econômica.

A miséria é superior e mais grave que a própria miséria humana, a miséria financeira, a miséria dos famintos?

Divaldo: - Indubitavelmente. Porque nos países onde se apresentam um ótimo nível de salários e produção “per capita”, a miséria moral é tão lamentável que não deu felicidade a esses povos, embora a situação econômica elevada de que desfrutam, com ausência de problemas inéditos, tais como a Suécia, a Holanda, a Suíça, o índice de suicídio,de loucura, de neurose, de agressividade é, igualmente, muito alto, demonstrando que a miséria econômica, embora muito dolorosa, que nos assalta é menor. Mas a miséria moral, a ausência do amor no coração, o predomínio do egoísmo são mais terríveis do que aquela outra condição da chamada miséria do Terceiro Mundo, do chamado mundo em desenvolvimento...

Há quem diga que a Doutrina Espírita, que vem pregando a reencarnação, aliena o homem da realidade social em que ele vive, porque a criatura humana pensa: bom, se eu voltarei à Terra, eu deixarei para amanhã. Ou outra encarnação, o que me compete fazer hoje, poderei pagar amanhã. Então, dizem, afirmam várias pessoas que a Doutrina Espírita estaria alienando o homem da realidade social em que vive. Não apenas em pregando a reencarnação, mas também promovendo a caridade, porque o homem recebendo o pão, não trabalharia, ficaria de braços cruzados, não produziria e não sairia da miséria. Que você diria a respeito disso tudo?

Divaldo: - Que as pessoas não estão bem informadas em torno da tônica da reencarnação. A reencarnação é uma colocação dinâmica que promove o homem. Podemos considerar a Terra como sendo uma Universidade, com todos nós freqüentando os vários cursos aqui administrados. Sabemos que temos a oportunidade de, ao não fazermos uma aprendizagem correta, repetir o ano. Mas não é por isto que o indivíduo inteligente deixará de promover-se, de conquistar o valor intelectivo, para ficar numa situação parasitária, a repetir as experiências até que seja banido da escola. Através da reencarnação, o indivíduo tem a ensanha de reparar, numa etapa, aquilo que noutra, anterior, ele não haja realizado bem. A reencarnação é uma metodologia evolutiva que dignifica o homem, demonstrando a justiça de Deus, que a ninguém condena em caráter de perpetuidade.
Oferecendo o ensejo de o indivíduo auto-perdoar-se, isto é, concedendo-lhe a oportunidade de reparar os seus erros para progredir, a Divindade faculta-lhe o retorno à Terra, tantas vezes quantas se façam mister para o seu processo evolutivo de sublimação. Quanto à colocação de que a caridade mantém o homem estacionário, esta é igualmente uma forma de observar a caridade do ponto de vista material exclusivamente.
O apóstolo Paulo, na sua célebre Epístola aos Coríntios, quando se reporta à caridade, vai muito além da tônica sobre a doação; fala sobre o aspecto fundamental de o indivíduo auto-doar-se, de iluminar consciências, de dar o pão a quem tem fome e depois dignificá-lo, a fim de que ele vá adquirir o seu próprio pão. É a velha estória da “vara de pescar”, da tradição chinesa. Não lhe damos apenas o peixe, ensinamo-lo a pescar, oferecendo-lhe a vara e o anzol. Não podemos, porém, pedir a uma pessoa paralítica, a um enfermo a alguém sem mais amplas possibilidades que vá pescar, se não ajudarmos a que chegue, ao menos, à borda do rio. A função da caridade dando coisas, que os espíritas fazemos, é relevante pelo que enobrece o homem.
Não apenas o fazemos, nós, os espíritas. Fazem-no ou fizeram, Madre Teresa de Calcutá, esse símbolo da fraternidade universal; o extraordinário Albert Schweitzer, em Labarené, na África, no antigo Congo Belga, a santificante tarefa realizada por Vicente de Paulo e que hoje é imitada por homens notáveis como Fouleraux, o apóstolo da Lepra, na atualidade, ou como no passado, George Dominique Pire, prêmio Nobel da Paz, que concebeu e realizou as célebres aldeias européias para as vítimas da guerra. São todos estes trabalhos de promoção humana. A alguém que está com uma forte dor de cabeça, não adianta ministrar-lhe lições de civilidade; dando-lhe, porém, um analgésico e retirando-lhe, temporariamente embora, o mal-estar, poderemos prepará-lo para que ele encontre a causa desse mal que o aflige e a erradique. É o que o Espiritismo faz, bem como outras doutrinas filantrópicas baseadas no amor, oferecendo ao indivíduo a oportunidade de este liberar-se do mal imediato pela cura de urgência, para que possa fazer a terapia de profundidade e as futuras terapêuticas preventivas. A reencarnação é uma metodologia de amor que dignifica o homem.”

Como o Espiritismo examina a condição do “trombadinha”? Eles derivam dessa perplexidade do mundo atual, que é cruel, antagônico, cheio de carência por falta de bens materiais ou são pessoas que receberam maus Espíritos ou Espírito ainda em formação?”

Divaldo Eles são as grandes vítimas do nosso contexto social. É lamentável, mas é preciso dizer, que em relação a eles, a Civilização falhou. Os postulados cristãos, que deviam conduzir o homem, através da esperança, infelizmente não deram a certeza, na forma como foram apresentados pelas religiões, para que crêssemos entendendo, porque o homem é racional. A ética e a educação falharam em face ao desequilíbrio das suas convenções. O “trombadinha” é a síntese de uma sociedade que fracassou nos seus postulados de ética, ora sem rumo. Não se trata de Espíritos infelizes. Eles não tiveram oportunidade melhor, porque a sociedade ainda não compreendeu que a nossa é a felicidade dos outros. O que fizermos ao próximo estaremos fazendo a nós mesmos. Como disse Jesus: “O que fizerdes a um destes, a mim mesmo o fazeis”. Entretanto, eu ainda quero considerar esta colocação: o Espiritismo vê o problema como de emergência e nós, os espíritas, estamos tomando as providências, dentro das nossas possibilidades, através do exercício legal da família. Desejo lembrar que o Espiritismo é a Doutrina que chegou à Terra, há apenas 148 anos; os seus postulados somente agora estão começando a ser aprendidos; encontrou reações de todos os lados, dificuldades, como o Cristianismo primitivo, para poder transmitir as suas lições de fraternidade e de amor. O Espiritismo está ao lado de todos aqueles que trabalham pelo ideal de uma Humanidade melhor, que se esforçam para evitar os dramas lamentáveis.
Nós mesmos, na cidade de Salvador, procuramos diminuir o problema pela vivência dele. É que estamos envolvidos numa obra social, na qual 2.018 crianças recebem assistencial moral, educacional, alimentar. O menor carente, de que se fala, é recolhido em unidades-lares onde reconstruímos as famílias que lhes faltam. O menor que tem pais, nós o recebemos desde zero até 3 anos e o colocamos em nossa Creche; de 3 a 6 anos, no Jardim de Infância, das 7:00 horas às 17:00; de 7 anos aos 14 anos, no 1º Grau, até a 6ª série, por enquanto; e, a partir do próximo ano, teremos as 7ª série e 8ª série.
Simultaneamente, através das Escolas, vem a orientação profissionalizante para que evitemos a deserção dos deveres e a vadiagem. O problema do “trombadinha” é um efeito cujas causas estão no próprio homem, sendo necessária uma medida de emergência, através do amor. O amor que desapareceu dos nossos corações, como diz um pensador inglês: “O homem moderno perdeu o endereço de Deus”E porque perdeu o endereço de Deus, a sociedade está ameaçada. Há no entanto, perspectivas generosas. Quando todos denunciam um mal é porque já tem sensibilidade para evitar os chamados valores ilusórios. Essa preocupação com o menor carente, que a todos hoje nos envolve, é um sintoma, síndrome de interesse para que todos nos unamos, religiosos ou não, porque esse problema é da Humanidade, e procuremos fazer alguma coisa em favor deles, que serão o futuro da sociedade em favor deles, que serão o futuro da sociedade. Mas isso, em caráter paliativo, por enquanto, para que depois possamos dar ao grupo social o equilíbrio normal de uma educação preventiva, evitando as calamidades que aí estão dominadoras.”

Fonte: Baccelli, Carlos A.; “DIVALDO FRANCO EM UBERABA”; Leal.
Worn, Fernando; “MOLDANDO O TERCEIRO MILÊNIO”; Leal.
Franco, Divaldo Pereira; “ELUCIDAÇÕES ESPÍRITAS”; Leal.


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ANO XXX Nº351
Janeiro 2006
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