ceuinferno_054_2a. partecap. IV - Espíritos Sofredores - Ferdinand Bertin
TEXTO PARA ESTUDO
Um médium, habitante do Havre, evocou o Espírito de uma pessoa que lhe era conhecida. Esse Espírito respondeu:
“Quero me comunicar, mas não posso vencer o obstáculo que há entre nós; sou obrigado a deixar esses infelizes que sofrem se aproximarem de vós.”
Recebeu, então, espontaneamente, a comunicação seguinte:
“Estou num terrível abismo! Ajudai-me! Oh! Meu Deus, quem me tirará deste abismo?...
Quem terá mão que socorre para o infeliz que o mar engoliu?...
A noite é tão negra que tenho medo...
Por toda parte o bramida das vagas, e nenhuma palavra amiga para me consolar e me ajudar nesse momento supremo; porque esta noite profunda é a morte com todo o seu horror, e eu não quero morrer!...
Ó meu Deus! Não é a morte por vir, é a morte passada!...
Estou para sempre separado daqueles que amo...
Vejo o meu corpo, e o que provei há instantes não é senão a lembrança da horrível angústia da separação...
Tende piedade de mim, vós que conheceis os meus sofrimentos; orai por mim, porque não quero mais sentir, assim como o fiz desde aquela noite fatal, todos os dilaceramentos da agonia!...
Aí está, todavia, a minha punição; eu a pressinto...
Orai, a isso vos conjuro!...
Oh! O mar... o frio... vou ser engolido!... Socorro!...
Tende, pois, piedade; não me repilais!...
Oh! Eu sufoco!...
As vagas vão me engolir, e os meus não terão mesmo a triste consolação de me reverem... Mas não; vejo que o meu corpo, não está mais sacudido pelas vagas...
As preces de minha mãe serão ouvidas...
Minha pobre mãe! Se pudesse imaginar o seu filho, tão miserável que é na realidade, oraria melhor; ela, porém, crê que a causa de minha morte santificou o passado; ela me chora mártir, e não infeliz e castigado!...
Oh! Vós que sabeis, sereis sem piedade? Não, vós orareis.
FANÇOIS BERTIN
Esse nome, inteiramente desconhecido do médium, não lhe sugeria nenhuma lembrança; ele se disse que, sem dúvida, era um Espírito de algum infeliz náufrago que vinha se manifestar espontaneamente a ele, assim como isso lhe ocorreu várias vezes.
Soube um pouco mais tarde que, com efeito, era o nome de uma das vítimas de um grande desastre marítimo, que ocorrera, nessas paragens, no dia 2 de dezembro de 1863.
A comunicação foi dada no dia 8 do mesmo mês, seis dias depois da catástrofe. O individuo perecera fazendo tentativas inauditas para salvar a tripulação, e no momento em que acreditava a sua salvação assegurada.
Esse indivíduo não se ligava ao médium por nenhum laço de parentesco ou de conhecimento; por que, pois, se manifestou a ele antes que a qualquer membro de sua família?
É que os Espíritos não encontram, em todo o mundo, as condições fluídicas necessárias a esse efeito; na perturbação em que estava, não tinha, aliás, a liberdade de escolha; foi conduzido instintiva e atrativamente para o médium, dotado, ao que parece, de uma aptidão especial para as comunicações espontâneas desse gênero; sem dúvida, pressentia também que ali encontraria uma simpatia particular, como outras encontrara em circunstâncias semelhantes. Sua família, estranha ao Espiritismo, talvez antipática para essa crença, não acolheria a sua revelação como poderia fazê-lo esse médium.
Embora a morte remontasse a alguns dias, o Espírito ainda lhe sentia todas as angústias. É evidente que não se dava conta, de nenhum modo, de sua situação; acreditava-se ainda vivo, lutando contra as ondas e, todavia, fala de seu corpo como se estivesse separado dele; chama por socorro e diz que não quer morrer, e um instante depois fala da causa de sua morte, que reconhece ser um castigo; tudo isso denota a confusão de idéias que, quase sempre, segue-se às mortes violentas.
Dois meses mais tarde, em 2 de fevereiro de 1864, se comunicou de novo, espontaneamente, pelo mesmo médium, e lhe ditou o que segue:
“A piedade que tivestes por meus sofrimentos tão horríveis aliviou-me. Eu compreendo a esperança; entrevejo o perdão, mas depois do castigo da falta cometida.
Sofro sempre, e se Deus permite que, durante alguns momentos, entreveja o fim de minha infelicidade, não é senão às preces de almas caridosas, tocadas pela minha situação, que devo esse abrandamento.
Ó esperança, raio do céu, quão benigna és quando te sinto nascer em minha alma!...
Mas, ai de mim! O abismo se abre; o terror e o sofrimento fazem apagar essa lembrança da misericórdia...
A noite; sempre a noite!...
A água, o ruído das vagas que vão engolir o meu corpo, não são senão uma fraca imagem do horror que cerca o meu pobre Espírito...
Sou mais calmo quando posso estar perto de vós; porque do mesmo modo que um terrível segredo, depositado no seio de um amigo, alivia aquele a quem oprimia, do mesmo modo a vossa piedade, motivada pela confidência de minha miséria, acalma o meu mal e repousa o meu Espírito.
Vossas preces me fazem bem; não mas recuseis.
Não quero mais cair nesse horrível sonho que se faz realidade quando eu o vejo.. Tomai o lápis mais frequentemente; isto me faz tanto bem, em me comunicar por vós!”
Daí há alguns dias, este mesmo Espírito tendo sido evocado numa reunião espírita, de Paris, foram-lhe dirigidas as perguntas seguintes, às quais respondeu por uma única e mesma comunicação, e por um outro médium.
Que vos levou a se manifestar espontaneamente ao primeiro médium pelo qual vos comunicastes?
– Quanto tempo fazia que estáveis morto, quando vos manifestastes?
– Quando vos comunicastes, parecíeis incerto se estáveis ainda morto ou vivo, e provastes todas as angústias de uma morte terrível; agora, dai-vos melhor conta da vossa situação?
– Dissestes, positivamente, que a vossa morte era uma expiação; quereis nos dizer a sua causa: isso será uma instrução para nós, e um alívio para vós. Por essa confissão sincera, atraireis a misericórdia de Deus, que solicitaremos em nossas preces.
Resposta. – Parece impossível, à primeira vista, que uma criatura possa sofrer tão cruelmente. Deus! como é penoso ver-se constantemente no meio das vagas em fúria, e sentir, sem cessar, essa amargura, esse frio glacial que aumenta, que oprime o estômago!
Mas, para que serve sempre vos entreter com tais espetáculos?
Não devo começar por obedecer às leis do reconhecimento em vos agradecendo a todos vós, que tornais os meus tormentos num tal interesse?
Perguntais se me comuniquei muito tempo depois de minha morte?
Não posso responder facilmente. Pensai, e julgai em que horrível situação estou ainda!
Entretanto, fui conduzido para junto do médium, eu creio, por uma vontade estranha à minha; e, coisa impossível de me dar conta, eu me servi do seu braço com a mesma facilidade com que me sirvo do vosso neste momento, persuadido de que me pertence.
Sinto mesmo, neste momento, que é um gozo bem grande, assim como uma consolação particular que, ai! logo vai cessar. Mas, ó meu Deus! Teria uma confissão a fazer; terei força para isso?
Depois de muitos encorajamentos, o Espírito acrescentou: Sou bem culpado!
O que sobretudo me dá pena é que se crê que sou um mártir; não é nada disso...
Numa precedente existência, fiz meter num saco várias vítimas e lançar ao mar... Orai por mim!
Instruções de São Luís sobre esta comunicação:
Esta confissão será, para esse Espírito, uma causa de grande alívio. Sim, ele foi bem culpado Mas a existência que acaba de deixar foi honrada; era amado e estimado por seus chefes; foi o fruto do seu arrependimento e das boas resoluções que tomou antes de retornar à Terra, onde quis ser humano tanto quanto foi cruel.
O devotamento, do qual deu provas, era uma reparação; mas lhe era necessário resgatar faltas passadas por uma última expiação, a da morte cruel que sofreu; ele mesmo quis se purificar, sofrendo as torturas que fizera outros sofrerem; e notai que uma idéia o perseguia: o lamento de ver que se lhe considerava como um mártir.
Crede que lhe será tido em conta esse sentimento de humildade. Doravante, deixou o caminho de expiação para entrar no de reabilitação; por vossas preces podeis sustentá-lo, e fazê-lo caminhar mais firme e mais seguro.
QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO
1. Mesmo não se ligando ao médium por nenhum laço de parentesco ou de conhecimento, por que esse Espírito se manifestou por meio dele e não de um membro de sua própria família?
2. Por que, mesmo depois da morte do corpo físico, ainda sentia todas as angústias pelas quais passou no momento do desencarne?
3. Por que era necessário que Ferdinan tivesse um desencarne tão violento, sendo ele honrado nesta existência? Explique.
Conclusão:
1. Porque os Espíritos não encontram em qualquer um as condições fluídicas necessárias a esse efeito. Na perturbação em que estava, não tinha a liberdade de escolha; foi conduzido instintiva e atrativamente para o médium, dotado de uma aptidão especial para as comunicações espontâneas desse gênero. Pressentia também que ali encontraria uma simpatia particular, como já havia encontrado em circunstâncias semelhantes.
Sua família, estranha ao Espiritismo, talvez antipática para essa crença, não acolheria a sua revelação como poderia fazê-lo esse médium.
2. Ele ainda não se dava conta de sua situação. Acreditava que ainda estava vivo, lutando contra as ondas e, todavia, fala de seu corpo como se estivesse separado dele; chama por socorro e diz que não quer morrer, e um instante depois fala da causa de sua morte, que reconhece ser um castigo. Tudo isso indica a confusão de idéias que, quase sempre, se segue às mortes violentas.
3. Segundo o próprio Ferdinand: “Numa precedente existência, fiz meter num saco várias vítimas e lançar ao mar...”.
Sua existência que acabara de deixar foi honrada: era amado e estimado por todos. Foi o fruto do seu arrependimento e das boas resoluções que tomou antes de retornar à Terra, onde quis ser humano tanto quanto foi cruel. O devotamento, do qual deu provas, era uma reparação, mas lhe era necessário resgatar faltas passadas por uma última expiação, a da morte cruel que sofreu. Ele mesmo quis se purificar sofrendo as torturas que fizera outros sofrerem. Uma idéia o perseguia: o lamento de ver que o consideravam como um mártir. Esse sentimento de humildade lhe será levado em conta. Agora, deixou o caminho da expiação para entrar no da reabilitação.
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