quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Capítulo XIV - O ALIMENTO NAS CAPELAS

Deus criou os espíritos para se aperfeiçoarem incessantemente, usufruindo cada vez mais da felicidade. Deus não é o criador da infelicidade. O homem, ao longo da sua existência, constrói situações que terá de enfrentar corajosamente. É dever do ser humano lutar por sua evolução. O espírito é dono absoluto da matéria, cabendo a ela obedecê-lo. Quando ele tem força para construir no bem, procurando evitar o mal, pode transformar o próprio destino para melhor. "A caridade cobrirá a multidão de pecados" (/ Epístola de Pedro, Cap. IV, v. 8). Ninguém tem na testa uma tarja preta dizendo: tenho de sofrer. Ao contrário, cada um possui um órgão, o coração, que precisa cada vez mais ser transformado num relicário de amor e bondade.
Mais uma vez fomos prestar ajuda a uma irmã que estava voltando para casa: o mundo espiritual. Enrico recebeu o pedido de socorro para Leontina. Essa irmã estava hospitalizada em estado terminal de um câncer que a consumia dia após dia e a família, mesmo convivendo com seu sofrimento, acalentava a esperança de vê-la restabelecida. Partimos para o hospital. Leontina era uma mulher de seus cinqüenta anos, mas antes da doença mais parecia ter trinta, porque, vaidosa e bem cuidada, possuíra um corpo belo e saudável. Tinha um casal de filhos que agora lhe dava muito carinho e dedicação. No quarto, as flores compunham o ambiente, tudo muito limpo, dando à doente a tranqüilidade necessária, onde vi muitos irmãos desencarnados orando em grande recolhimento.
— São os familiares de Leontina, Enrico?
— Alguns, Luiz, outros são seus amigos, a família espiritual que veio buscá-la.
Nisso, entrou o médico encarnado. Examinou, examinou e disse aos filhos:
— Hoje ela está bem melhor.
Olhei, intrigado, para os meus amigos. Enrico nada disse, apenas sorriu, pois estava ocorrendo o desligamento. Os órgãos estavam enfraquecidos, pois em quase todos eles a doença havia chegado. O corpo da nossa irmã mais parecia uma máquina que, pouco a pouco, ia parando. Na parte material, só estavam presentes a enfermeira da família e uma irmã de Leontina.
Quando a enfermeira se aproximou da doente, percebeu que sua respiração era diminuta e logo pediu socorro. Enfermeiras, médicos, todos acorreram para tentar salvá-la, mas ela apenas suspirou e, como uma sombra, seu perispírito pairou sobre o corpo físico. Depois, amparada pelos técnicos, ela se libertou, chorando de emoção. Notamos que seu perispírito, veste do espírito, estava tão doente quanto o físico. Quando ela viu o pai, a mãe e a irmã, não se conteve, abraçou-os dizendo:
— Oh! Deus, agora posso morrer em paz. A senhora sua mãe falou:
— Filha, a morte só existe para os que passam pelo mundo físico praticando iniqüidades; o malvado que assassina, que destrói, que lesa, que despreza os pobres, este sim, morre de remorsos.
— Mamãe, para onde me levam?
—Você está sendo socorrida pelos enfermeiros de Jesus. Será levada para um hospital onde ficará até se sentir fortalecida.
— Mamãe, pelo amor de Deus, não agüento mais hospital, quero ficar com você.
— Ficaremos juntas, prometo.
Coitados dos que julgam que tudo acaba com a morte, pensei.
Olhando a nossa irmã ao lado dos seus familiares, recordei da Parte 2a, Capítulo III, de O Livro dos Espíritos, Questão 155:
Como se opera a separação da alma e do corpo? "Rompidos os laços que a retinham, ela se desprende."
a) — A separação se dá instantaneamente por brusca transição?
Haverá alguma linha de demarcação nitidamente traçada entre a vida e a morte?
"Não; a alma se desprende gradualmente, não se escapa como um pássaro cativo a que se restitua subitamente a liberdade.
Aqueles dois estados se tocam e confundem, de sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram."
Questão 160:
O Espírito se encontra imediatamente com os que conheceu na Terra e que morreram antes dele?
"Sim, conforme a afeição que lhes votava e a que eles lhe consagravam. Muitas vezes aqueles seus conhecidos o vêm receber à entrada do mundo dos Espíritos e o ajudam a desligar-se das faixas da matéria. Encontra-se também com muitos dos que conheceu e perdeu de vista durante a sua vida terrena. Vê os que estão na erraticidade, como vê os encarnados e os vai visitar."
Quantos ensinamentos nos dá O Livro dos Espíritos] Estávamos tão pensativos que Enrico nos chamou à realidade. Se a calma reinava na parte espiritual, no mundo físico os filhos gritavam e choravam, e muitos amigos que chegavam faziam o mesmo. Voltei a olhar o mundo espiritual e com surpresa pude perceber que o desligamento total não se havia ainda completado. Leontina estava ligada ainda ao físico, mesmo estando sendo socorrida. E lembrei-me da resposta à questão 155: "Aqueles dois estados se tocam e confundem, de sorte que o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam. Estes laços se desatam, não se quebram. "
Sorri. Enrico perguntou-me:
— O que foi?
— Sabe, Enrico, quando falo nos meus livros que o corpo físico está ligado ao perispírito por vários laços correspondentes a cada órgão e plexos, alguns espíritas não acreditam. Se eles lerem a questão 155 de O Livro dos Espíritos, nela está escrito: (...)"o Espírito se solta pouco a pouco dos laços que o prendiam". Portanto, não é um laço só e sim vários.
— Irmão Luiz Sérgio, agora vamos daqui sair para esperar Leontina na Estação do Adeus.
— E essa choradeira, não irá desesperá-la?
— Não. Como podemos dizer a uma família que se despede de um ente querido que não chore? A revolta prejudica, mas as lágrimas são o grito de saudade e tristeza. Pedir para alguém não chorar é muita falta de piedade; o que não se deve é demonstrar desespero, gritar revoltado, cair sobre o caixão, fazer coisas contrárias ao equilíbrio. Mas chorar, mesmo alto, não prejudica ninguém.
— Irmão, e aquelas pessoas que desmaiam, gritam, arrancam os cabelos, é certo?
— Certo não é, tudo o que é exagero choca e nos leva ao ridículo, mas como podemos dizer a uma mãe, que está sofrendo pelo desencarne de um filho, que não chore, que não sinta saudade? Dor é dor e só quem a está sentindo sabe a sua intensidade.
— Irmão, então é errado dizermos a alguém para conformar-se, para não chorar?
— Acho que é jogar palavras fora, Luiz. O consolo de um abraço é mais significativo do que uma crítica em uma hora tão amarga.
— Enrico, você é demais!
Ele sorriu, meio sem jeito, e eu enlacei seu ombro. Os outros amigos também sorriram. Fomos para a capela, onde os filhos choravam muito, mas conformados. Os amigos, porém, dava pena ver o que faziam: conversavam sobre política, jogos, mulheres e bebidas. Fumavam e falavam, falavam, mais parecia uma festa. Na capela tinha de tudo, até comes e bebes.
Os que velavam o corpo estavam sendo bem alimentados. Não pude deixar de sorrir: no quarto ao lado, feito para a família repousar, a comida andava solta. Com isso, os espíritos que não gostam de sair do cemitério se apraziam de lá ficar para saborear os alimentos. Um deles sentou-se perto de uma mulher que comia, comia sem parar.
— Sempre que fico nervosa só a comida me acalma, dizia.
Se ela soubesse que cada vez que buscava o alimento estava alimentando três espíritos que ainda julgam que a comida da Crosta é a melhor que existe!... As bebidas faziam com que o olhar deles brilhasse.
— Irmãos, vocês ficam sempre aqui? perguntei, aproximando-me.
Olharam-me com desprezo:
— Você é mensageiro de Jesus e vai querer nos dizer que lá nas colônias é melhor?
—Sou um discípulo do Cristo, e venho como irmão espiritual de Leontina. Agora gostaria de saber se aqui nas capelas a comida é sempre farta assim.
— Que nada, nos enterros dos pobres só sai é um cafezinho ou chá de cidreira.
O outro disse:
—Detesto chá. Agora, bacana morto a gente se farta, é bebida das finas e comida gostosa.
O terceiro falou:
— E tem a turma dos sanduíches, também gostamos muito.
— Às vezes a cervejinha corre solta, com salgadinhos e tudo. É a glória! É a glória!
— E vocês acham certo ficar aqui em busca de migalhas?
— Não é isso, não, a gente também chora junto, faz parte do nosso trabalho.
Despedi-me deles, não sem antes terem me oferecido um pedaço de pizza calabresa.
— Mas vocês comem mesmo? indaguei.
— Claro, meu chapa! Mas ela come mais que nós — e apontou para a nossa irmã que mal mastigava, engolindo tudo o que lhe era oferecido!
Voltei para junto dos outros e falei a Enrico:
— Gostei daqueles irmãos, o que podemos fazer por eles?
— Nesse trabalho que estamos realizando, viremos muitas vezes aqui, e você, todas as vezes, poderá conversar com eles.
Hoje foi o primeiro passo.
—Desejo, e muito, ajudá-los. Deve ser triste, já desencarnado viver ao lado dos companheiros encarnados. Sabe, Enrico, eles comem de tudo. Agora vão para outra capela.
— Não só eles, vários ficam aqui desfrutando a companhia dos encarnados.
— Será, Enrico, que vai chegar a época em que os que comparecerem a um enterro vão conscientizar-se de que o corpo necessita de respeito?
— No dia em que a Humanidade tiver Jesus no coração.
Enquanto ela não acreditar no Espiritismo, apenas cumprirá com as obrigações sociais.
— É o que muitos fazem, vão até o cemitério cumprimentar os amigos, por isso não têm um comportamento cristão, tratam os ditos mortos como se eles já não existissem.
Bem ao nosso lado uma jovem atendeu ao telefone celular, rindo e conversando como se estivesse em sua casa. Leontina às vezes se via diante do corpo, era a expansão da sua casa mental que ia em busca dos familiares. Mas quando deparava-se com as risadas e conversas, tentava apagar as lembranças.
— Enrico, sabemos que devemos esperar vinte e quatro horas para um corpo ser enterrado, mas não acha que faz muito mal ao espírito esse disse-que-disse que ocorre em quase todas as capelas?
— É a cultura deste país que faz com que os homens não se conscientizem de que a hora do adeus é muito importante para os que ficam e para os que partem.
O amigo Plácido perguntou:
— Mas sendo a "morte" a libertação, não é certo a alegria nas capelas?
— Você já pensou, você vendo o seu corpo ali estirado, coberto de flores, sabendo que "morreu" — a morte era o seu terror — e os que ficam, que você vai morrer de saudades deles, dançando e festejando ao lado do corpo que lhe pertenceu? respondi.
Ele não pôde deixar de sorrir, dizendo:
— Luiz, desde que ocorre a separação, o espírito não está nem aí para o corpo inerte.
— Você é que pensa, Plácido. O espírito leva para o mundo espiritual as últimas sensações do corpo físico e demora muitos dias para delas se libertar. Voltemos a O Livro dos Espíritos, no comentário à resposta da letra "a" da questão 155 e vejamos o que nos diz:
A observação demonstra que, no instante da morte, o desprendimento do perispírito não se completa subitamente; que, ao contrário, se opera gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme os indivíduos. Em uns é bastante rápido, podendo dizer-se que o momento da morte é mais ou menos o da libertação. Em outros, naqueles sobretudo cuja vida foi toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido, durando algumas vezes dias, semanas e até meses (...).
Como vemos, as capelas não são lugares de bate-papo nem de festa. Ninguém sabe como está o espírito que deixa o corpo. Será que os espíritas sabem dar o adeus como se deve dar?



 Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado

2a Edição • 1997

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Capítulo XIII - CONSOLO AOS AFLITOS

Entramos na casa de Alaidinha e a encontramos deitada em um sofá. Chorava baixinho. A doméstica da casa a cada instante lhe oferecia alguma coisa, mas, chorosa e infeliz, nada aceitava. Foi quando um grupo de senhoras adentrou a sala; foram-lhe aplicar passes. Alaidinha recebeu-as com delicadeza, julgando que pudessem aliviar-lhe a dor. Contudo, logo começaram os "conselhos":
— Alaidinha, não fique assim. Seu filho deve estar sofrendo por sua causa.
Alaidinha, chorando, respondeu:
—Por favor, não fale isso, jamais quero prejudicar meu filho, mas não consigo me alegrar.
Outra mulher retrucou:
— Você tem de tentar ir ao cinema, sair de casa, porque assim...
— Pelo amor de Deus, fale: porque assim o quê?
— Seu filho está..,
E os conselhos iam chegando. A mulher, que antes estava triste, agora, além da tristeza, estava desesperada. Parecia que ela é que fora a culpada da morte prematura do filho de dezoito anos. Não aguentei, aproximei-me de Doralice e a intuí a dizer:
— Que nada, Alaidinha, chore, ponha para fora do seu coração as tristezas. Não as guarde no peito, chore, que as lágrimas serão gotas orvalhadas de saudade. Jesus não Se zangou com as verônicas porque elas estavam chorando. Quem tem o direito de mandar uma mulher-mãe buscar o sorriso quando a sua alma chora?
As outras não acreditavam no que estavam ouvindo: Doralice indo contra nossa orientação?
— O que faz mal ao espírito são as revoltas, as blasfêmias. As lágrimas e a saudade não irão mudar a caminhada do recém desencarnado.
Uma das mulheres, discordando de Doralice, interrogou:
— Você acha certo ela ficar deitada o dia todo, chorando?
— Ela ainda não se levantou porque o seu corpo está fraco, trêmulo de dor e de saudade. Mas se todos os dias viermos aqui aplicar-lhe um passe e orar, logo ela estará em condições de voltar a viver normalmente. No momento, ninguém tem o direito de lhe perturbar o silêncio e a dor.
Alaidinha gostou das palavras de Doralice e acentuou:
— Só quem está passando por um momento difícil pode aconselhar o outro! É fácil mandar alguém parar de chorar, o difícil é ter condição de diminuir a dor do outro. Choro porque estou sentindo muita dor e tristeza. A aflição dilacera meu coração.
— E Jesus disse: "Bem-aventurados os aflitos", completou Doralice.
Alaidinha prosseguiu:
— As preocupações do dia-a-dia, as tristezas e as dores nada são diante da aflição que estou vivendo. Sinto-me no fundo de um abismo desejando sair, mas por ter os olhos repletos de lágrimas não diviso a saída. Mas espero que Deus me dê o consolo. Minha fé em Jesus será a corda por onde buscarei a salvação.
As outras ainda tentaram dizer:
— Não chore, vai fazer mal ao espírito do seu filho. Coitadinho dele, com a sua tristeza ele está sofrendo...
Meu Deus! Quem não tem condição de ajudar deve calar-se; mais fazem mal as palavras erradas do que o silêncio. Visitar quem está sofrendo é uma bênção, mas deve ter-se o cuidado para não aumentar a dor. Quando Alaidinha se afastou por um momento, as outras duas comentaram:
— Coitada da Alaidinha, está obsediada, o filho está-lhe perturbando.
Doralice discordou da amiga, dizendo:
— Pelo amor de Deus, Alaidinha é apenas uma mãe que está sofrendo. Seu filho jamais irá obsediar a quem tanto ama.
—Coitado, ele não sabe que está perturbando a mãe, retrucou a outra.
— Por favor, vamos mudar de assunto, sugeriu Doralice.
Eu falei ao nosso grupo:
— E pena que existam pessoas que estão na Doutrina, mas ainda não a aceitam como o Consolador prometido por Jesus. A Doutrina é um lenço branco que deve secar as lágrimas e jamais levar o desespero. Quando não se tem conhecimento é preferível calar. Falar bobagens, querendo ajudar, é o mesmo que desejar nadar sem saber. Quem está sofrendo precisa do remédio da esperança. Dizer a uma mãe que ela está sendo obsediada pelo filho é levá-la ao desespero.
— É muito complicado o que pensa o homem em relação dor, disse Enrico. Ao falar "Bem-aventurados os aflitos", Jesus não quis dizer que a dor é uma felicidade. Ele quis ensinar que, bendito é aquele que mesmo em aflição tem força para buscar o Criador e jamais blasfema contra Ele. Os aflitos são aqueles que passam por uma dor, como a que está sofrendo Alaidinha, ou que está atravessando um período de doença grave. As pequenas preocupações, as tristezas do dia-a-dia são incômodos para a alma, mas o ser humano delas se livra. Agora, nas aflições, só Deus e Jesus têm condição de ajudar. O homem pode dar o remédio da palavra amiga, mas só Eles curam as feridas das aflições. Se não fosse Doralice, Alaidinha teria ficado mais perturbada.
Quando terminaram de falar, fizeram uma prece e se retiraram.
Alaidinha abriu O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, Bem-aventurados os aflitos, e sentiu que o livro amigo era a mão, de Jesus amparando-a nas suas aflições. Todos nós, em silêncio, escutamos, gratificados por ter Alaidinha, uma saudosa mãe, encontrado o consolo no Evangelho querido. Quando saímos, Enrico falou:
— A Doutrina Espírita é uma doutrina de amor e esperança, pena muitos a julgarem um conto de terror. O que aconteceu com Alaidinha é um alerta para todos os que estudam a Doutrina dos Espíritos. Ficamos muito tristes quando ouvimos expositores e médiuns pregando uma doutrina de medo, que diz que todos vão para o umbral sem uma explicação sequer, só afirmando que todos têm de passar pelo umbral.
— E não é verdade? indaguei.
— Passam, nós mesmos estamos trabalhando nele. Mas poucos ficam durante anos nos vales de sofrimento. Quase todas as colônias de socorro estão nos umbrais, onde os espíritos são hospitalizados, tratados e têm condição de trabalhar. Para outras religiões existem o inferno e as penas eternas. Para a Terceira Revelação, que é a Doutrina Espírita, "há muitas moradas na casa do Pai" e os umbrais são zonas de sofrimento, por onde os espíritos imperfeitos irão passando de acordo com a sua vibração espiritual. Existem os vales de sofrimento, os vales dos ovóides, enfim, vários lugares, mas não conhecemos o "inferno" nem o umbral por onde dizem que obrigatoriamente todos têm de passar.
— Enrico, já trabalhamos em lugares horríveis, o "inferno" mesmo...
— Tais lugares existem, mas junto a eles Jesus sempre está dando a Sua assistência, e quem se propõe a dali sair logo é ajudado. Falamos isso porque estamos vendo que na Doutrina Espírita — o Consolador prometido por Jesus, uma Doutrina sem dogmas, sem talismãs, sem crendices, sem amuletos, sem estátuas — muitos espíritas invigilantes estão colocando a bandeira do medo, do terror, dizendo, ao encontrar um sofrido homem, que ele está cumprindo pena expiatória; que a mulher que leva uma surra do marido está cumprindo com os desígnios de Deus; que o filho que agride os pais é porque é um inimigo do passado.
— E não é, Enrico?
— Não, não é. Existe a lei de ação e reação. O Consolador veio para explicar o que Cristo ainda não podia esclarecer, por estarem as criaturas na infância da Humanidade. A Doutrina ensina ao homem o quanto Deus é justo, o quanto o homem é amado por Ele, por ser Seu filho.
— Para você, Enrico, não existe "carma"?
— Nem conhecemos essa palavra. Para nós o que existe é a bondade de Deus manifestada sobre todas as Suas criaturas.
Cada ser tem um livro de sua vida, no qual escreve com os sentimentos que carrega no coração. A reencarnação é o reencontro de tudo o que deixamos ontem, mas não é por isso que temos de pagar nossas dívidas de maneira dura e cruel para aliviarmos as partes envolvidas. O homem recebe de Deus uma consciência adormecida e seu espírito aprendeu nas aulas da espiritualidade que precisa ser bom. E vai buscar o inimigo de ontem. Ambos terão oportunidade de pagar suas contas pretéritas com trabalho, com lealdade, com amor. Caso contrário, se ao se reencontrarem iniciarem as mesmas brigas, os mesmos erros, ou se buscarem as noitadas, as orgias da vida, caminharão para a estrada da dor. Mas a todos Deus oferta uma nova oportunidade para que os faltosos se redimam e não que matem quem os matou ontem.
— Entendi, entendi, entendi.
— Por isso sempre aconselhamos: quem não tem ainda condição de oferecer a verdade do Cristo, através da Doutrina, deve ficar com as palavras de consolação. Quem está sofrendo não vai gostar de ouvir sobre débitos passados, não vai entender o que é obsessão. O sofredor está em busca de amor e de paz. Há hora certa para se falar de sofrimento, de provas, de expiações e não quando somos chamados a consolar quem está sofrendo. O que deve fazer um grupo ao levar o consolo a quem está passando pela dor da saudade? Orar, cantar músicas espíritas de fundo evangélico, ler alguns livros consoladores, jamais emitir opiniões próprias. Falar o menos possível. Quem está sofrendo precisa de amparo; melhor é um forte abraço do que palavras vãs.
— Enrico, a Doutrina Espírita ainda não é conhecida por alguns que dizem pertencer a ela.
— Tem razão, Luiz Sérgio, o homem, quando se torna espírita e permanece espírita verdadeiro, já abdicou de tudo o que é antídoutrinário, o que muitos não conseguem. Algumas religiões apresentam coisas palpáveis; oração para amansar marido, velas, amuletos, talismãs etc. A Doutrina só oferece uma seta que indica o caminho que vai ao Pai: o caminho de Jesus. E o homem gosta de sentir algo de concreto, que lhe faça companhia. A Doutrina dá mais que isso, só que aquele que a descobre tem de buscar Deus. É Ele, o Pai nosso de cada dia, que nos mostra os nossos erros. A luta do homem espírita não é com o próximo, é consigo mesmo, sempre buscando a consciência, único amparo verdadeiro, onde está contido o Decálogo, os mandamentos da Lei de Deus. O homem que o respeita e procura viver de acordo com ele tem mais do que amuletos, tem a Verdade que o liberta do corpo físico, fazendo dele um homem de bem. Por isso somos tão poucos...

— A Doutrina não permite muita coisa, não é, Enrico?
— Luiz, na Doutrina se respeita o livre-arbítrio, agora, nem tudo o que queremos fazer é certo e, como espíritas, conhecemos os erros e os acertos. Se erramos, erramos conscientemente.
Calei-me, para melhor fixar os ensinamentos.

  

Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado

2a Edição • 1997

domingo, 14 de dezembro de 2014

apreender e de servir - seize and serving.


"Coragem é a força que nasce da nossa própria disposição de apreender e de servir." (Chico Xavier)



"Courage is the strength born of our own willingness to learn and to serve." (Chico Xavier)

fruto na árvore - fruit on the tree


Antes da floração,
Não há fruto na árvore.
Irmão José/Carlos A. Baccelli
Do livro “PÃO DA ALMA” – Ed. Didier 


Before flowering,
There is no fruit on the tree.
Brother Joseph / Carlos A. Baccelli
From the book "SOUL BREAD" - Ed Didier.

amor é o companheiro - Love is the companion

"A severidade pertencerá ao que instrui, mas o amor é o companheiro daquele que serve." (Flácus – Livro Libertação)



"The severity belong to instructing, but love is the companion of the one who serves." (Flácus - Book Release)

amar de verdade - love of truth


"Se você já compreendeu o que significa amar de verdade, saberá dar amor sem nada exigir em troca." (BARBOSA, Valdemir. Pensando Positivo)



"If you already understand what it means to truly love, know to give love without expecting anything in return." (BARBOSA, Valdemir. Positive Thinking)

algemas do mal - evil handcuffs

"Examina os teus desejos e vigia os próprios pensamentos, porque onde situares o coração aí a vida te aguardará com as asas do bem ou com as algemas do mal." (Emmanuel)

"Examine your desires and watch one's thoughts, because where situares heart there life await you on the wings of the good or the evil handcuffs." (Emmanuel)

sábado, 13 de dezembro de 2014

alegria plena - full joy


"Ninguém se encontra na terra exclusivamente para sofrer, mas para criar as condições da saúde real e da alegria plena." (Joanna de Ângelis)



"No one is in the earth only to suffer, but to create the conditions of real health and fullness of joy." (Joanna de Angelis)

Reflexos agradáveis ou desagradáveis - Pleasant or unpleasant reflections

Grupo Espíritas
"A família consangüínea, entre os homens, pode ser apreciada como o Centro essencial de nossos reflexos. Reflexos agradáveis ou desagradáveis que o pretérito nos devolve." (Emmanuel)


"The consanguineous family among men, can be appreciated as the essential center of our reflections. Reflections pleasant or unpleasant that the past returns to us." (Emmanuel)

vontade divina - divine will

"O servo fiel não é aquele que se inquieta pelos resultados, nem o que permanece enlevado na contemplação deles, mas justamente o que cumpre a vontade divina do senhor e passa adiante."

(Aniceto, no livro Os Mensageiros, de André Luiz)



"The faithful servant is not one that is restless for results, or what remains of them in ecstatic contemplation, but just what meets the divine will of the Lord and pass over."

(Aniceto, in the book The Messengers, André Luiz)

o que queremos viver - what we want to live.


"A vida nem sempre é como sonhamos, mas nem sempre sonhamos o que queremos viver. Allan Kardec



"Life is not always as we dream, but not always the dream we want to live. Allan Kardec

nossa escolha - our choice



"A vida é sempre o resultado de nossa escolha." (André Luiz)




"Life is always the result of our choice." (André Luiz)

sábado, 6 de dezembro de 2014

à resignação e à coragem - resignation and courage

O fardo é proporcional às forças, como a recompensa será proporcional à resignação e à coragem. Allan Kardec 




The burden is proportional to the forces, as the reward is proportional to the resignation and courage. Allan Kardec

procura de si próprias - Looking for themselves

"Conheça a você mesmo. Existem pessoas que percorrem o mundo inteiro à procura de si próprias." (André Luiz)




"Know yourself. There are people who travel the world in search of themselves." (André Luiz)

A prece - prayer


"A prece é medicamento eficaz para todas as doenças da alma." (Joanna de Ângelis)



"Prayer is effective medicine for all diseases of the soul." (Joanna de Angelis)

Capítulo XII - O PESO DO ORGULHO E DO DESPOTISMO

Como sempre, o bate-boca era normal. Até risos eram ouvidos ao lado do corpo. Em uma sala estavam os comes e bebes, nem parecia enterro e sim uma festa. Os filhos de Laurindo choravam muito, assim como sua esposa; entretanto, os ditos amigos contavam casos, riam e de quando em vez iam abastecer-se de comidas e refrigerantes.
No plano espiritual, pelo menos uns dois metros e oitenta centímetros separavam o perispírito de Laurindo do seu corpo físico. Era como se ele estivesse em um mezanino, só que deitado em uma cama sendo tratado, enquanto o corpo, coberto de flores, era velado pela família e pelos amigos. Mesmo já separado do físico, Laurindo ainda dependia dele, pois estava ocorrendo o desligamento. Fixando bem o olhar, fui vendo que os fios que ligam o corpo perispiritual ao físico são uma expansão do perispírito. Quando ocorre o desligamento, estes fios voltam um a um para o seu real dono: o corpo perispiritual.
Estando o espírito em desequilíbrio, há uma dificuldade imensa em ocorrer esse retorno e o espírito sofre até que se complete o desligamento, isto é, até que ocorra a volta de todos os elementos que pertencem ao perispírito Laurindo, que aparentava tranqüilidade, sofria como se estivesse sem ar, pois os fios me pareceram embaraçados. Nisso, entram os meus amigos e começamos a orar, tentando ajudá-lo.
— Esse come-come não está perturbando a família, Enrico?
— A família não, pois ela está também participando da festa a Laurindo sim, porque ele está-se sentindo asfixiado, custando-lhe alçar vôo. Hoje em dia até jantares são encomendados pela família como gentileza aos amigos, para que ninguém sinta fome durante o velório.
— Você acha certo, Enrico?
—Quem sou eu para dizer não; o nosso trabalho não é criticar e sim esclarecer. Quem come ou serve algo na capela é dono de sua consciência. O que está me preocupando é que agora a capela está lotada, mas vamos ver daqui a pouco.
E como Enrico tinha razão! Logo que a noite chegou, a família foi ficando sozinha. Interessante isso, poucos têm condição de passar a noite acordados. E apenas a família sofrida vela o corpo, pois os ditos amigos sentem sono.
— Mas é duro passar a noite toda velando um corpo inerte...
— Não, Luiz, não é o corpo que precisa de companhia e sim aqueles que estão sofrendo muito. Infelizmente, poucos têm a coragem e o desprendimento para praticar um ato tão nobre de fraternidade. Até às dez da noite ainda ficam, depois disso, não conseguem. O sono para muitas pessoas é como o ar, se lhes falta, sentem-se mal. E para outros, só o fato de estarem ajudando já lhes é gratificante.
Reparei a viúva, os filhos e mais um senhor. Só eles ali ficaram, na fria e triste capela. Para Laurindo foi ótimo, depois que o silêncio se fez, ele conseguiu livrar-se do corpo físico e quando isso ocorreu, cerrou os olhos e adormeceu. Junto aos encarregados espirituais do cemitério, oramos a noite toda. As velas iam-se gastando, mas as nossas orações eram jatos de luz sobre o corpo e o perispírito de Laurindo. Bom será o dia em que todas as criaturas puderem compreender a grandeza da prece e mantiverem conduta digna em uma capela. Olhei o perispírito de Laurindo e percebi ser ele grosseiro, porém muito menos grosseiro do que o de Roberto, por isso, mesmo desencarnado, estava imantado dos elementos do mundo físico, sendo essa a causa de não conseguir alçar vôo. Perguntei aos meus amigos:
— O que Laurindo fez? Como ele era no corpo físico?
— Avaro, trapaceiro, violento, vivia agredindo os outros com palavras, pois se julgava daqueles que não levam desaforo para casa. Era duro com a família, chegava a ser mesquinho, cobrando tudo dos filhos; a mulher, coitada, não tinha direito a nada.
— Então ele não foi um homem mau, somente cri-cri, não é, Enrico? indaguei.
— Sim. Ele não matou ninguém, nunca roubou, mas levou a tristeza e a preocupação a muitos corações. No trabalho, perseguia os colegas e era delator das faltas alheias. É por causa desse apego às coisas terrenas que ele, agarrado à matéria, está encontrando dificuldade em se ver livre do corpo físico. Apesar de já estar separado do corpo de carne, ainda tem os fios ligados ao físico.
Fiquei olhando os dois corpos e pensei: como é triste o avarento! Ele não dá sequer amor à sua família, julgando que isso o enfraquece junto aos filhos. Aquele senhor, que ora tinha os olhos cheios de lágrimas, agora questionava: por que não me dediquei à família que tanto amo? Por que não tive coragem de lhes dizer o quanto eu os amo? Por que eu julgava tanto que eles só gastavam? De tudo eu reclamava. Sentia-se a pior das criaturas, quando sua esposa começou a recordar as horas em que ele era bondoso, preocupado com os filhos. E aquele corpo físico, velado com amor, como que expulsou as ligações que não mais tinham valor para ele. O respeito daquela viúva era grande para com o marido, mesmo tendo ele sido tão bruto para ela. O corpo inerte de Laurindo fez calar aquela voz tão dura, mas os lábios de uma mulher digna companheira lhe cobriram com o manto do amor e do respeito. Falei para o grupo:
— Tenho horror de homem que se julga o dono da esposa só sabe gritar com ela, procurando desmoralizá-la a cada momento. Acho que aquele que se julga com o direito de viver humilhando alguém é um infeliz, pois não sabe respeitar o seu próximo, as vezes presencio homens tratando a esposa como se ela fosse débil mental. Fico com muita pena, ele se julga amado e respeitado, mas no fundo a mulher só lhe dedica companheirismo e amizade, há muito as suas grosserias mataram o seu amor. As mulheres, na sua totalidade, anseiam por delicadeza e educação.
— Bravo! Está romântico!... — brincou Plácido.
Eu apenas sorri. Quando presencio esses fatos, sinto vontade de me materializar para falar com esses tiranos domésticos que fazem que suas famílias e seus subordinados lhes sofram o peso do orgulho e do despotismo, como a quererem desforrar-se do constrangimento que, fora de casa, se impõem a si mesmos. Não se atrevendo a usar de autoridade para com os estranhos, que o chamariam à ordem, acham que pelo menos devem fazer-se temidos daqueles que lhes não podem resistir. Envaidecem-se de poderem dizer: "Aqui mando e sou obedecido ", sem lhes ocorrer que poderiam acrescentar: "E sou detestado "(O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo IX, item 6).
— Defensor das mulheres, Luiz?
— Não, Plácido, defensor da paz. Esses homens, doentes da alma, que gostam de gritar com os outros, só levam o desespero ao coração do seu próximo. Esbofeteiam filhos e vivem a agredi-los.
Terminada a tarefa, Enrico convidou-nos a visitar outro lugar e dali saímos.

Luiz Sérgio
NA HORA DO ADEUS
Psicografía: Irene Pacheco Machado

2a Edição • 1997

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

3º Momento: O Amor a si mesmo

“Encontros de Atitudes de Amor” 

3º Momento: O Amor a si mesmo
Tema: Educação para o Auto-Amor
Do livro Escutando Sentimentos – A Atitude de Amar-nos como merecemos Ermance Dufuax (Espírito) – Médium: Wanderley S. de Oliveira (alguns trechos desse maravilhoso capítulo - O destaque em negrito é nosso)
“O amor é de essência divina e todos nós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado.” – Fénelon. (Bordéus, 1861)
O Evangelho segundo o espiritismo – Capitulo XI – Item 9
O mais genuíno ato de amor a si consiste na laboriosa tarefa de fazer brilhar a luz que há em nós. Permitir o fulgor da criatura cósmica que se encontra nos bastidores das máscaras e ilusões. Somente assim, escutando a voz de nosso guia interior, nos esquivaremos das falácias do ego que nos inclina para as atitudes insanas da arrogância.
Quando não nos amamos, queremos agradar mais aos outros do que a nós, mendigamos o amor alheio, já que nos julgamos insuficientes ou incapazes de nos querer bem.
Nesse momento de perspectivas alvissareiras com a chegada do século XXI, a esperança acena com horizontes iluminados para a caminhada de ascensão espiritual da humanidade.
O resgate de si mesmo há de se tornar meta prioritária das sociedades sintonizadas com o progresso. O bem-estar do homem, no seu mais amplo sentido, se tornará o centro das cogitações da ciência, da religião e de todas as organizações humanas.
Perante esse desafio social, sejamos honestos acerca do quanto ainda temos por laborar para erguer a comunidade espírita ao patamar de “escola capacitadora de virtudes” em favor das conquistas interiores.
Quantos se encontrem investidos da responsabilidade de dirigir e cooperar com os grupamentos do Espiritismo, priorizem como compromisso essencial de suas vinhas o ato corajoso de trabalhar pela formação de ambientes educativos, motivadores da confiança espontânea e do comprometimento pelo coração.  
Trabalhar pela felicidade do homem deve ser o objetivo maior das agremiações doutrinárias orientadas pela mensagem de amor do Evangelho. Os modelos e conceitos inspirados nos princípios espíritas que não se adequarem à condição de instrumentos facilitadores para a alegria e a liberdade haverão de ser repensado.
Não podemos ignorar fatores de ordem educacional e social que estimulam vivências íntimas da criatura em sua caminhada de aprendizado. As últimas duas gerações que sofreram de modo mais acentuado os processos históricos e coletivos da repressão atingem a meia idade na atualidade. Renasceram ao longo das décadas de cinqüenta e sessenta e se encontram em plena fase de vida produtiva, sofridas pelas seqüelas psicológicas marcantes de autodesamor.
Outro fator, mais grave ainda, são as crenças alicerçadas em sucessivas vidas reencarnatórias que constituem sólida argamassa psicológica e emocional, agindo e reagindo, continuamente, contra os anseios de crescimento íntimo. O complexo de inferioridade é a condição cármica criada pelo homem em seu próprio desfavor.
Nada, porém, é capaz de bloquear ou diminuir o fluxo de sentimentos naturais e divinos que emanam da alma como apelos de bondade, serenidade e elevação. Nem a formação educacional rígida ou os velhos condicionamentos são suficientes para tolher a escolha do homem por novos aprendizados. O self emite, incessantemente, energias sublimadas, a despeito dos fatores sociais e reencarnatórios que agrilhoam a mente aos cadinhos regenerativos do conflito e da dor.
Paulo, o apóstolo de Tarso, asseverou: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. (1).
Contra os objetivos da vida profunda, temos forças vivas em nós mesmos como efeitos de nossos desatinos nas experiências pretéritas.
Considerando essa manifestação celeste do “ser profundo”, compete-nos talhar condições favoráveis para o aprendizado das mensagens da alma. Aprender a ouvir nossos sentimentos verdadeiros, os reclames do Espírito que somos nós mesmos.
A palavra educação vem do latim educare ou educere. Provérbio: e. Verbo: ducare, ducere. Seu significado é trazer à luz uma idéia, levar para fora, fazer sair, extrair. Essa a tarefa dos centros espíritas: oferecer condições para que o homem extraia de si mesmo seu valor divino na Obra da Criação.
Em nossos projetos de religiosidade no centro espírita, o auto-amor deve constituir lição primordial. Espiritualidade significa grandeza de sentidos para viver. Essa á a visão do centro espírita em sintonia com a alma do Espiritismo, uma verdadeira noção de imortalidade sentida e aplicada.
O auto-amor é um aprendizado de longa duração. Conectar seu conceito a fórmulas comportamentais para a aquisição de felicidade instantânea é uma atitude própria de quantos se exasperam com a procura do imediatismo. Amar é uma lição para a eternidade.
Que habilidades emocionais temos que desenvolver para o auto-amor? Que cuidados adotar para aprendermos uma relação de amorosidade conosco? Como alcançar a condição de núcleos avançados para o desenvolvimento dos valores da alma? Que iniciativas tomar para que as casas espíritas sejam redutos de aprimoramento de nossos sentimentos e escola eficientes de criatividade para a superação de nossas dores? Que técnicas e métodos nos serão úteis para incentivar a alegria e a espontaneidade afetiva? Como implementar escolas do sentimentos em nossos grupos doutrinários de estudo sistematizado? Que temas enfocar na melhor compreensão das manifestações profundas da alma?
Fala-se, em nossos ambientes de educação espiritual, que não somos bons ouvintes. De fato, uma das habilidades que carecemos aperfeiçoar nas relações interpessoais é a arte de ouvir. Mas, da mesma forma que guardamos limitações para ouvir o outro, também não sabemos ouvir a nós mesmos. Que técnicas adotar para estimular nossa habilidade de ser um bom ouvinte.
Ouvir a alma é aprender a discernir entre sentimentos e o conjunto variado de manifestações íntimas do ser, sedimentadas na longa trajetória evolutiva, tais com instinto, tendências, complexos, traumas, crenças, desejo, interesses e emoções.
Escutar a alma é aprender a discernir o que queremos da vida, nossa intenção-básica. A intenção do Espírito é a força que impulsiona o progresso através do leque dos sentimentos. A intenção genuína da alma reflete na experiência da afetividade humana, construindo a vastidão das vivências do coração – a metamorfose da sensibilidade. A conquista de si mesmo consiste em saber interpretar com fidelidade o que buscamos no ato de existir, a intenção magnânima que brota das profundezas da alma em profusão de sentimentos.
Os discípulos sinceros do Espiritismo reflitam na importância do auto-amor como condição indispensável ao bom aproveitamento da reencarnação. Estar em paz consigo é recurso elementar na boa aplicação dos Talentos Divinos a nós confiados.
Amar-se não significa laborar por privilégios e vantagens pessoais, mas o modo como convivemos conosco. Resume-se, basicamente, na forma com tratamos a nós próprios. A relação que estabelecemos com o nosso mundo íntimo. Sobretudo, o respeito que exercemos àquilo que sentimos. Auto-estima surge quando temos atitude cristã com nossos sentimentos.
O amor a si não se confunde com o egoísmo, porque quem tem atitude amorosa consigo está centrado no self. Deslocou o foco de seus sentimentos para a fonte de sabedoria e elevação, criando ressonância com o ritmo de Deus. Amar-se é ir ao encontro de Si Mesmo como denominava Jung.
Alinhavemos alguns tópicos sugestivos que poderão constar no programa de debates para a reeducação da vida emocional e psicológica à luz dos fundamentos do Espiritismo. Tomemos por base a análise educacional de Allan Kardec que diz na questão número 917 de O Livro dos Espíritos:
“A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave erro pensar-se que, para exercê-la com proveito, baste o conhecimento da Ciência.”
Responsabilidade – Somos os únicos responsáveis pelos nossos sentimentos.
Consciência – O sentimento é o espelho da vida profunda do ser e expressa os recados da consciência. Nossos sentimentos são a porta que se abre para esse mundo glorioso que se encontra “oculto”, desconhecido.
Ética para conosco – Somos tratados como nos tratamos. Como sermos merecedores de amor do outro, se não recebemos nem o nosso próprio?
Juízo de valor – Não existem sentimentos certos ou errados.
Automatismos e complexos – O sentimento pode ser sustentado por mecanismos alheios à vontade e à intenção.

Auto-amor é um aprendizado – Construir um novo olhar sobre si, desenvolver sentimentos elevados em relação a nós, constitui um longo caminho de experiências nas fieiras da educação.
Domínio de si – Educar sentimentos é tomar posse de nós próprios.
Aceitação – Só existe amor a si mesmo através de uma relação pacifica com a sombra.
Renovação do sistema de crenças – Superar os preconceitos. Julgamentos formulados a partir do sistema de crenças desenvolvidas com base na opinião alheia desde a infância.
Ação no bem – Integração em projetos solidários. A aquisição de valor pessoal e convivência com a dor alheia trazem gratidão, estima pelas vivências pessoais. Cuidando bem de nós próprios, somos, simultaneamente, levados a estender ao próximo o tratamento que aplicamos a nós. Quando aprendemos a gostar de nós, independente de sermos amados, passamos a experimentar mais alegria de amar. A ética de amor a si deve estar afinada com o amor ao próximo.
Assertividade – Diálogo interno. Uma negociação íntima para zelar pelos limites do interesse pessoal.
Florescer a singularidade – O maior sinal de maturidade. Estamos muito afastados do que verdadeiramente somos.
Ter as rédeas de si mesmo – Para muitos o personalismo surge nesse ato de gerar a vida pessoal com independência. Pelo simples fato de não saberem como manifestar seus desejos e suas intenções, abdicam do controle íntimo e submetem-se ao controle externo de pessoas e normas.
Construção da autonomia – Autonomia é capacidade de sustentar sentimentos nobres acerca de nós próprios.
Identificação das intenções – Aprender a reconhecer o que queremos, qual nossa busca na vida. Quase sempre somos treinados a saber o que não queremos.
Sentir-se bem consigo mesmo é sinônimo de felicidade, acesso à liberdade. É permitir que a centelha sagrada de Deus se acenda em nós. Conhecer a arte de manejar caracteres.
Portanto, a feliz colocação de Fénelon merece a nossa mais ardorosa atenção: “O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado.”
Não esqueçamos a recomendação de Lázaro: “O Espírito precisa ser cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual, que vos granjeará muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa.”
(1) Romanos, 7:19 - O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capitulo XI – item 8

Conselho Espírita de São Bernardo do Campo 
“Encontros de Atitudes de Amor” 
Grupo Fraternidade Espírita João Ramalho
Reunião do dia 2 de março de 2008 
Tema Central: Aprendendo a Amar