Como apoiar a continuidade de pesquisas com
célula-tronco inclusive com as clonadas e, ao mesmo tempo, ser contra a
clonagem de seres humanos?
Antonio Margarido - São Paulo
Dr. Ademar dos Reis - “Trata-se de uma área para exploração científica com
potenciais ainda indefinidos a que envolve o uso de células-tronco, células
primordiais indiferenciadas que retêm a capacidade de se transformar em
qualquer tipo de tecido.
Uma coisa é isolar células-tronco embrionárias humanas
em função da possibilidade de banhar as células-tronco num coquetel de fatores
que poderiam provocar, por exemplo, a produção de tecido pancreático secretor de
insulina a partir das células-tronco de um paciente com diabetes, tornar a
preencher os músculos gastos em pacientes com distrofia muscular, ou ainda,
reconstituir a bainha de mielina do sistema nervoso de pacientes que sofrem de Esclerose
Múltipla, uma doença degenerativa hoje incurável.
A controvérsia, neste caso, não surge em função dos
possíveis usos terapêuticos, mas ditada por preocupações éticas relativas ao
aborto, uma vez que a melhor fonte para essas células são os embriões humanos.
Na pesquisa de clonagem de seres humanos, os maiores
receios são os riscos de que as pesquisas gerem bebês deformados, aberrações
genéticas e abortamentos em massa e eutanásia dos que vierem a ser concebidos
com anormalidades (essas duas últimas questões, em particular, inaceitáveis
para a comunidade cristã).
Para a obtenção de clones de animais, centenas de
embriões e aberrações genéticas são produzidas em laboratório e eliminadas natural
ou artificialmente antes da concepção. Nas pesquisas com seres humanos, se
alguma situação anormal for identificada, restarão três alternativas: o
tratamento fetal (hipotético, pois ainda inexistente), o abortamento ou a
eutanásia, ainda ilegais em muitos países, eticamente questionáveis e
condenável pela maioria das religiões.
Há mais de 25 anos, quando nasceu o primeiro bebê por
inseminação artificial in vitro (proveta), as técnicas davam certo em menos de 5%
dos casos (atualmente já se atinge 50%). Para cada três bebês sadios clonados,
estima-se que deverão ser produzidos 200 fetos monstruosos destinados à morte.
A clonagem humana tem 1,5% de chance de produzir um bebê vivo, não necessariamente
sadio (para os 3 sadios previstos, prevê-se, outros 5 que chegarão a termo, mas
terão que ser submetidos à eutanásia logo depois do parto).
Temos apenas oito anos de experiência.
O domínio da tecnologia ainda é incipiente e deve
apresentar os mesmos problemas enfrentados com a clonagem de animais.
Os clones humanos poderão sofrer com excesso de peso,
envelhecimento precoce e doenças crônico-degenerativas ainda na infância. As limitações
de ordem tecnológica são apontadas por todos os centros de genética e
reprodução do mundo como um impeditivo para o avanço das pesquisas nesse
campo(sem contar as limitações de ordem ética).
Devem-se levar em consideração, entretanto, além dos
usos terapêuticos potenciais, as possibilidades perversas com que tal tecnologia
pode ser manipulada. A esperança que pode trazer para um portador de
deficiência, por um lado, e o patenteamento e busca desenfreada pelo lucro, por
outro, são exemplos que se contrapõem objetivamente à sociedade.
Estamos cada vez mais próximos de dominar a tecnologia
da criação da vida. Dominamos tecnologias de ponta, mas a Humanidade tem se
demonstrado incapaz de enfrentar a fome, as epidemias, os danos ao meio ambiente
e a miséria generalizada.
A clonagem é um problema biotécnico-científico colocado
para a sociedade, mas é também um instigante dilema de ordem ético-espiritual.
Creio que o papel da sociedade civil e dos espíritas,
enquanto movimento social, é o de manter vigilância que garanta a manutenção da
inquietude e da liberdade científicas sem, contudo, provocar a emergência de um
terror que impeça a reflexão e a ponderação cuidadosa frente às novas descobertas.
Segundo Einstein “devemos evitar supererestimar a ciência e os métodos científicos
quando se trata de problemas humanos. Não devemos presumir que os especialistas
sejam os únicos que têm direito de opinar sobre questões que dizem respeito à
organização e futuro da sociedade”.
As pesquisas genéticas devem ser estimuladas,
principalmente se tiverem objetivos que tragam benefícios futuros à sociedade e
ao meio ambiente em que vivemos.
Com que base podemos nos insurgir, utilizando argumentos
absolutamente inconsistentes, tais como rejeição perispiritual,
fluídica/energética ou mesmo espiritual, contra o acesso a tecnologias que
possam, por exemplo, duplicar um fígado de um candidato a transplante hepático
a partir de uma célula sadia isolada num órgão doente, sem riscos de rejeição?
Ao mesmo tempo, como se calar diante da clonagem de um
milionário ou personalidade excêntrica que por razões absolutamente egoísticas,
sem nenhuma fundamentação humanitária, optem por esse procedimento?
Uma descoberta científica não é ética ou antiética.
Torna-se antiética quando é utilizada de forma atentatória aos valores que
cultivamos, como respeito à vida, à individualidade, à diferença, compreensão e
solidariedade.
Creio que do ponto de vista espírita, não se pode
admitir que a manipulação de padrões genéticos seja efetuada para mera
satisfação da vaidade ou da mercantilização da investigação científica. Não há
justificativa ética que sustente tais finalidades. Mas não se pode obstaculizar
o avanço de tecnologias que sejam colocadas a serviço da Humanidade, como por
exemplo, a utilização da replicagem genética para a produção de órgãos
destinados a transplantes ou produção de terapias que recuperem a saúde de
milhões de seres desenganados.
A alegação de que não se podem impedir provas e
expiações determinados por Deus para as criaturas é absurda e dogmática.
Trata-se de inaceitável perspectiva fundamentalista de que o destino é traçado
e que o homem não possui livre-arbítrio para lutar, com todos os recursos e
energia disponíveis, para superar os limites que a vida lhe impõe (o que não
significa deixar de se resignar e viver com dignidade quando esses limites não
puderem ser ultrapassados ou vencidos).
Sou contra a realização, no momento, da clonagem de
seres humanos, por motivos éticos e de consciência. As críticas dos cientistas
que se opõem à clonagem nesse momento são fundamentadas.
Não se trata de um procedimento científico corriqueiro e
que a sociedade tem o direito de contar com um grau de certeza maior sobre o
destino que está reservado para pesquisas desta natureza e as suas conseqüências
sobre diversos aspectos, inclusive os técnicos e éticos (princípios que se
aplicam e podem ser estendidos, sem dúvida, para toda e qualquer nova
incorporação tecnológica e científica que extrapole os limites do que
convencionamos - ou contratamos - socialmente como ético).
Entretanto, do ponto de vista hipotético, a clonagem de
seres humanos, que tanta celeuma tem trazido, nas perspectivas do Espírito, não
seria um problema (insistimos que estamos tratando do assunto no plano das hipóteses),
que torne a sua realização um “pecado” ou mesmo condenável.
Sob a ótica espírita, à semelhança do que ocorre em
gêmeos idênticos, a individualidade espiritual
que presidirá a criatura concebida a partir da manipulação genética é
absolutamente distinta da que lhe fornece o patrimônio genético. Existia antes,
independentemente, e assim continuará existindo, apesar da absoluta semelhança do
ponto de vista corpóreo.
Seria sem dúvida, mais uma demonstração de que o
genótipo é extremamente importante para explicar o que somos (e como somos), mas
incapaz de produzir um clone que pense, sinta, aja e viva reproduzindo os
padrões complexos de existência de seu pai ou mãe biológicos, consolidando a
percepção de que aquilo que nos efetivamente individualiza é o princípio
inteligente, o Espírito imortal.
Creio também que não haveria nenhuma diferença no
processo de formação do perispírito e do campo energético que cada uma das
criaturas forma na fecundação pelos métodos tradicionais ou pela in vitro.
A grande contribuição do Espiritismo nesse debate é a
afirmação da existência do Espírito, da imortalidade da alma e da evolução
infinita, ao agregar a dimensão extracorpórea das criaturas: o princípio espiritual.
Demonstra, a partir dos fatos pela via da experimentação, a preexistência, a
existência e a sobrevivência da alma, que conserva todas as dificuldades
intelectuais, morais e espirituais depois do desencarne.
O Espiritismo somente manterá sua atualidade e
importância se conseguir apresentar essa contribuição para o pensamento humano.
E esse é um trabalho que depende, para começar, de cada um de nós.
Esperamos que não seja tarde...”
Ademar Arthur Chioro dos Reis é médico Sanitarista e professor universitário em
Santos, SP
Fonte: OPINIÃO, nº 125
“INFORMAÇÃO”:
REVISTA ESPÍRITA MENSAL
ANO XXX
Nº 352
Fevereiro
2006
Publicada pelo Grupo Espírita “Casa do Caminho” -
Redação:
Rua Souza Caldas, 343 - Fone: (11) 2764-5700
Correspondência:
Cx. Postal: 45.307 - Ag. Vl. Mariana/São Paulo (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário