sábado, 5 de outubro de 2013

FAMÍLIA - VISÃO PSICOLÓGICA

EDUCAÇÃO

Elaine Curti Ramazzini

 Muito se tem falado sobre a influência da televisão no desenvolvimento sócio-emocional das crianças. Também cada vez mais cedo as crianças fazem uso do computador, com grande estímulo dos familiares. Também não se pode negar que o desenvolvimento tecnológico tem oferecido esses instrumentos como opções de aprendizado e lazer.
De tempo em tempo aparece alguma notícia alertando quanto ao cuidado que se deve ter ao permitir que crianças tenham acesso a estas facilidades, todas consideram que não há como proibir sem causar desconforto e fazer a criança sentir-se diferente das demais crianças.
Do ponto de vista da Psicologia, a família pode ser definida como um “sistema de laços emocionais”, diretamente responsável pela formação da estrutura psíquica de cada indivíduo.
É através das figuras parentais (mãe e pai) ou de seus substitutos que se verifica a transmissão à criança de padrões diretamente relacionados com o modus vivendi (comunicação, afeto, disciplina). É através dessas relações que vai nascendo na criança a percepção de si mesma e dos outros, assim como a maneira e a capacidade de interagir no mundo social.
Tornamo-nos humanos através das interações, na infância, com as primeiras pessoas que amamos (o “outro significante”, como bem define Peter I. Berger). É na família que cada Ser adquire as bases do comportamento, da identidade sexual, das noções de direitos e deveres e ainda dos modos pelos quais lida com afetos e emoções (amor, ódio, desprendimento, egoísmo...).
Outra função básica da família é a de preencher as necessidades amorosas e de ajuda mútua entre adultos. Daí a importância do casamento, da união, que por mais dificuldades apresente na vida em comum dos cônjuges nunca pessoa alguma conseguiu descobrir melhor substituto para ele.
Não podemos falar de família, numa perspectiva psicológica, se não falarmos de mitos familiares. A idéia que se faz de mito familiar advém do fato de que mito é uma história concebida por um povo, que não possui lógica ou regra, constituindo, por assim dizer, aquilo que as pessoas trazem consigo e que se perpetua de geração em geração.
Tais mitos consistem na formação de idéias que se atribuem à família e que nada mais são do que uma percepção enviesada de como ela é, como se organiza e como funciona. Tais concepções ganham deformações maiores, pois se apresentam conjugadas com uma série de mecanismos de defesa.
Muitos mitos surgiram a respeito de problemas aparentes, numa versão um tanto quanto mágica e sobre quem — algum membro da família — é portador de algum problema.
Exemplificando: considerar que o problema de uma família é um filho rebelde ou doente ou, ainda, um pai ausente, constitui uma versão bem superficial das dificuldades emocionais da família, que enfoca a problemática toda num determinado membro, escondendo conflitos sérios que se localizam no próprio contexto familiar.
Quando, numa família, há o chamado “filho-problema”, torna-se ele o responsável pelos dramas que ocorrem no lar, envolvendo todos os membros da constelação familiar. Assim, o resto da família vive uma sensação ilusória de que, na medida em que o elemento doente melhore, o problema de todos, conseqüentemente, se resolve, e que não exigirá que os demais se esforcem para administrar os conflitos em casa. Com isso, a família precisa manter vivo o “bode expiatório”, imaginando que, ao livrar-se dele, liberta-se também dos conteúdos indesejáveis de si própria que nele projeta. Assim, portanto, embora a ansiedade seja compartilhada por toda a família, de modo geral, com freqüência esse membro passa a incorporar o problema como se fosse somente seu, poupando os demais participantes da família da incômoda tarefa de administrar os próprios conteúdos.
Muitas vezes, também, ocorrem outros mecanismos de defesa, como a negação, por exemplo, observada em pais que, não aceitando a idéia de terem gerado um filho com deficiências físicas ou intelectuais, “enganam-se” tentando ocultar essas características, ao invés de proporcionar-lhe um atendimento adequado.
No que se relaciona à escolha e ao contrato de casamento, são várias as motivações que levam as pessoas a se unirem.
Segundo a Psicologia, a escolha de um parceiro ou de uma parceira diz respeito ao desenvolvimento de certos valores que se lhes foram inculcados ao longo do tempo. Ocorre, no entanto, que nem um nem outro cônjuge possui características idênticas. Tais características, que dizem respeito, muitas vezes, às experiências de cada um, e à escala de valores que cada qual desenvolveu ao longo de sua vida particular, pode não ser a mesma para os dois membros do casal. E isto provoca, via de regra, muitos desajustes entre marido e mulher, gerando sérios conflitos no âmbito familiar.
Também na relação conjugal, os seres desenvolvem e vivem em torno de mitos que dizem respeito ao viés da cultura e dos valores muitas vezes ultrapassados. Arnold A. Lazarus, psicoterapeuta de casal, esclarece que muitos casais se separam porque buscaram atender a certos mitos conjugais, como, por exemplo: “o matrimônio pode realizar todos os nossos sonhos”; ou “os bons maridos consertam tudo em casa e as boas esposas fazem a limpeza”; ou “ter um filho, melhora o mau matrimônio”; ou “os que amam de verdade, adivinham os pensamentos e sentimentos do outro”; ou “a competição entre marido e esposa estimula o casamento” e assim por diante...
Há casos de cônjuges que procuram no outro aspectos que não desenvolveram em si mesmos. Por exemplo, uma mulher que não se sente muito “brilhante” em termos de inteligência, exalta a argúcia ou o brilhantismo do marido, como se somente ele os possuísse. Essa maneira de proceder diz respeito à necessidade que possui de sentir-se engrandecida através da figura do companheiro, emprestando dele a inteligência de que se sente desprovida.
Essa determinação de que os problemas estão localizados apenas no outro viabiliza-se graças ao mecanismo de projeção, onde idéias e sentimentos do indivíduo são atribuídos objetivamente a pessoas e objetos.
Assim, um homem que tenha muita dificuldade em manifestar raiva pode casar-se com uma mulher “raivosa”, que consegue expressar tal sentimento em seu lugar. Ela então expressa pelos dois aquele sentimento.
Tal carga dupla, representada por um aspecto vivido por um dos elementos do casal e aparentemente ausente no outro, acaba pesando na experiência de ambos. Há uma ansiedade que faz com que seja importante conservar esses aspectos, mais no companheiro ou na companheira.
No ato da escolha, de uma forma ou de outra, um captou que poderia auxiliar seu par a continuar o aperfeiçoamento na própria personalidade e que sozinho não conseguiria.
De maneira geral, esse movimento de complementação se dá no sentido do crescimento, mas pode também constituir um pacto destrutivo que contribui para adoecer ambos os cônjuges na relação que fica cada vez mais desgastada.
É claro que os filhos podem também sofrer as projeções de aspectos das personalidades dos pais. Freqüentemente, carregam eles aspectos mal resolvidos de todos como se fossem problemas pessoais seus. Permanecendo, pois, nesta situação, exercem uma função reguladora no seio familiar, na medida em que aliviam de tal carga o resto da família.
Uma criança pode ser utilizada desde o nascimento como extensão dos problemas dos pais, recebendo papéis que se ajustam às fantasias deles, mas não à personalidade e necessidades dessa criança. Isto acabará por certo dificultando em muito o desenvolvimento de sua personalidade, tornando-a desajustada, não só em relação ao contexto familiar, mas no desempenho dos papéis sociais de forma geral.
Estudos relativos ao desenvolvimento psicológico infantil mostram que o bem-estar mental da criança depende em grande parte de sua segurança afetiva, isto é, de quanto ela se percebe amada e do quanto as pessoas ao seu redor podem ajudá-la, quando e se ela necessitar de amparo e proteção. A sensibilidade, a receptividade do adulto diante dessas expectativas infantis estão diretamente relacionadas com as experiências que esse adulto teve durante a sua infância. E de supor-se que quem foi bem cuidado e sentiu-se amado pelos pais tenha maior facilidade de dedicar-se de maneira eficiente aos filhos.

No entanto, nem toda criança infeliz e mal-amada está destinada a ser mau pai ou péssima mãe. Se o indivíduo refletir sobre seus sofrimentos, entendê-los e reelaborá-los de maneira positiva, estará mais apto a não passar adiante suas experiências menos felizes.
A distância entre as gerações e a interferência da televisão, que funciona como babá para a criança e como calmante para o adulto, agrava ainda mais os problemas em casa. Observa-se que, no mundo moderno, encontrar um tempo para sentar e conversar com o filho, ou com os pais, não é fácil. Deste modo, compartilhar experiências, falar sobre sentimentos e trocar idéias são privilégios de poucas famílias. Neste contexto, a comunicação se mantém precária e limitada aos aspectos superficiais do quotidiano.
Vale frisar que não se trata de medir a harmonia de uma família pelo tempo em que seus membros estão juntos, mas de verificar a qualidade dessa vivência em comum.
Acompanhando a evolução da família através dos tempos, observa-se que houve uma subversão da história anterior. Fundada no pátrio poder, em que o homem era o centro econômico e dele provinha o sustento da casa, dos filhos, cabia tão-somente à companheira a transmissão dos valores que seriam reproduzidos sem alterar o quadro.
Ingressando, porém, a mulher no mercado de trabalho, passa ela a repartir o poder, a intervir nas decisões sob uma visão nova, feminina.
Isto, literalmente, transforma todas as relações afetivas, desorganiza uma ordem estabelecida há muito tempo. Inicia-se um “processo de reacomodação”, como dizem alguns psicólogos, processo de reacomodação este que atinge cada um dos integrantes do núcleo familiar.
Antes alijada, a mulher, agora, sabe das dificuldades fora de casa e vivencia a disputa no mercado de trabalho. Da mesma forma, o homem se sente compelido a intervir na educação dos filhos, tornando-se também um transmissor de ideologia.
A família, com todas estas transformações, tem buscado tornar-se mais nutridora, oferecendo ao bebê condições de transformar-se num homem maduro. Para tanto, pais e mães têm procurado cada vez mais terapeutas e conselheiros para que estes profissionais os auxiliem na resolução dos conflitos e desajustes verificados na esfera doméstica.
A Psicologia tem, pois, contribuído de maneira profícua no sentido de ajudar os membros da constelação familiar a reconfigurarem melhor a sua condição existencial. Sinalizando-lhes a importância de aprender a lidar com os “nãos” da vida e com verdades possíveis, abre-se-lhes um leque de opções para que cada um trabalhe seus próprios limites, dentro de um contexto mais amplo — o familiar — respeitando a própria individualidade, apanágio do Ser em constante transformação. Procura ainda auxiliar a cada um em particular e a todos de forma geral, fazendo-os reconhecer que os comportamentos são influenciados e influenciam outros e que as alegrias e tristezas que compõem o repertório pessoal das experiências será acionado no momento em que as criaturas se relacionarem com outras pessoas e decidirem constituir uma nova família.
Com a visão esclarecedora acerca dos mecanismos comportamentais, a Psicologia dilata para o homem a sua percepção de “ser no mundo com os outros”, como bem assinalou o filósofo existencialista Martin Heidegger. Ao descortinar à criatura possibilidades no sentido de que ela encete e promova o seu autoconhecimento, favorece-lhe o crescimento interior e sensibiliza-a para o cultivo de uma vida mais sadia e harmoniosa no seio familiar. O Espiritismo, por seu turno, esclarece que os Espíritos são herdeiros de si próprios e que a tarefa dos pais é a de orientar os filhos, dando-lhes apoio e sustentação para que, quando adultos, consigam se auto-apoiar e caminhar confiantes em busca da perfeição. Exigir de seus tutelados mais do que podem dar é não compreender-lhes o estágio evolutivo em que se encontram na presente reencarnação e esquecer-se de que as experiências pelas quais devem passar serão aquelas mesmas necessárias ao seu aprendizado na condição de Espírito eterno, com vistas à ascensão espiritual a que todos estamos fadados.
Atualizando a lição de Jesus, descortina na família esclarecida espiritualmente a Humanidade feliz de um futuro repleto de alegrias e benesses imorredouras.

Sustentando-a nos ensinamentos do Cristo e no seu Código de reta conduta, pontua a todos e a cada um em especial a necessidade de preservar o reduto familiar, sob a égide do Amor Maior, onde deverá ser construído o altar da compreensão recíproca e do respeito mútuo a fim de que o reino de Deus se instale por definitivo no coração da criatura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Canevacci, M. Dialética da família. 2a. ed., S.Paulo, Ed.Brasiliense, 1982.
Dias, M.L. O que é psicoterapia familiar. S.Paulo, Ed.Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 1990.
Vivendo em família. 4a. ed., S.Paulo, Ed.Moderna, Coleção Po1 1992.
Franco, D. P. (Pelo espírito Joanna de Ângelis). Estudos espíritas. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1982
Lazarus, A. A. Mitos conjugais. Campinas, Editorial Psy, 1992.
Montoro, G. F. “A família, pensando bem...”. Revista Ícaro, Edição Mulher, N agosto de 1994, p. 98 e 100.
“Psicologia tenta explicar mudanças na família”. Seção Lar, Doce Lar?, Shopping News, São Paulo, 06.03.1994, p. 11.
FONTE
A FAMÍLIA, O ESPÍRITO E O TEMPO, por Autores Diversos, ed. USE


O MUNDO MAIOR E A EDUCAÇÃO
O ministério das mães é, indiscutivelmente, o mais alto, na experiência terrestre, mesmo porque a própria manifestação do Cristo no mundo depende quase que inteiramente da colaboração da mulher personificada, em toda a sua nobreza e esplendor espiritual, no coração da Nossa Mãe Santíssima.
Emmanuel

“Examina da torre de tua compreensão, os quadros aflitivos da senda e reconhecerás que o mundo e os semelhantes constituem a nossa casa e a nossa família, pedindo a bênção do auxílio e o bálsamo da piedade.”
Agar

“A aquisição das mais elevadas qualidades terrenas é o legítimo acesso aos dons celestiais.”
André Luiz


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REVISTA ESPÍRITA MENSAL
ANO XXX Nº351
Janeiro 2006
Publicada pelo Grupo Espírita “Casa do Caminho” -
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