Céu inferno_044_2ª parte cap. III - Espíritos em Condições Medianas - Sr. Cardon, médico

 TEXTO PARA ESTUDO

 O senhor Cardon passara uma parte de sua vida na marinha mercante, na qualidade de médico de baleeiro, onde hauriu hábitos e idéias um pouco materiais; retirado na aldeia de J..., ali exercia a modesta profissão de médico do campo. Havia algum tempo, adquirira a certeza de que estava afetado de uma hipertrofia do coração, e, sabendo que essa moléstia é incurável, o pensamento de morte mergulhou-o numa sombria melancolia, da qual nada podia distraí-lo. Em torno de dois meses antes, predisse o seu fim, marcando o dia; quando se viu prestes a morrer, reuniu sua família ao seu redor para dar-lhe um último adeus. Sua mulher, sua mãe, seus três filhos e outros parentes estavam reunidos ao redor de seu leito; no momento em que sua mulher tentava erguê-lo, ele se abaixou, tornou-se de um azul lívido, seus olhos se fecharam, e foi julgado morto; sua mulher colocou-se diante dele para esconder esse espetáculo de seus filhos. Depois de alguns minutos, ele reabriu os olhos; seu rosto, iluminado, tomou uma expressão de radiosa beatitude e exclamou: "Oh! Meus filhos, quanto é belo! Quanto é sublime! Oh! A morte! Que benefício! Que coisa doce! Estava morto e senti a minha alma elevar-se bem alto; mas Deus permitiu-me retornar para dizer-lhes: Não deveis temer a morte, é a libertação... Que não posso lhes descrever a magnificência do que vi e as impressões das quais me senti penetrado! Mas não poderiam compreendê-lo. Meus filhos, caminhem sempre de maneira a merecerem essa felicidade, reservada aos homens de bem; vivam segundo a caridade; se têm alguma coisa, dêem uma parte dela àquele a quem falta o necessário... Minha querida esposa, deixo-te numa posição que não é feliz; devem-nos dinheiro mas, a isso te conjuro, não atormente aqueles que nos devem; se estiverem em dificuldade, espere para que possam liquidar, e aqueles que não o puderem, faça-lhes o sacrifício: Deus, por isso, lhe recompensará. Você, meu filho, trabalhe para sustentar sua mãe; seja sempre homem honesto e cuide para não fazer nada que possa desonrar a nossa família. Toma esta cruz que vem de minha mãe; não a deixe nunca, e que ela te lembre sempre os meus últimos conselhos... Meus filhos, ajudem-se e se sustentem mutuamente; que a boa harmonia reine entre vós; não sejam nem vãos, nem orgulhosos; perdoem seus inimigos, se querem que Deus os perdoe..." Depois, tendo feito seus filhos se aproximarem, estendeu suas mãos para eles e acrescentou: "Meus filhos, eu os abençôo." E seus olhos se fecharam, de vez, para sempre; mas seu rosto conservou uma expressão tão imponente que, até o momento de seu sepultamento, uma numerosa multidão veio contemplá-lo com admiração.

Tendo-nos transmitidos esses interessantes detalhes, por um amigo da família, pensamos que esta evocação poderia ser instrutiva para todos, ao mesmo tempo que seria útil ao Espírito.

1. Evocação.

R. Estou junto de vós.

2. Relataram-nos os seus últimos instantes que nos arrebataram de admiração. Poderia ser bastante bom para nos descrever melhor o que viu no intervalo que poderíamos chamar de suas duas mortes?

R. O que vi, poderiam compreender? Não sei, porque não poderia encontrar expressões capazes de tornar compreensível o que pude ver durante alguns instantes em que me foi possível deixar meus despojos mortais.

3. Soube onde esteve? Foi longe da Terra, num outro planeta ou no espaço?

R. O Espírito não conhece o valor da distância tal como as consideram. Transportado por não sei que agente maravilhoso, vi o esplendor de um céu como só nos sonhos poderia realizá-lo. Esse curso, através do infinito, é feito tão rapidamente que não posso precisar os instantes empregados pelo meu Espírito.

4. Atualmente, gaza da felicidade que disse?

R. Não; eu bem que gostaria de poder gozá-la, mas Deus não pode me recompensar assim. Muito freqüentemente estive revoltado com os pensamentos bons que meu coração ditava, e a morte me parecia uma injustiça. Médico incrédulo, haurira uma aversão contra a segunda natureza que é o nosso movimento inteligente, divino; a imortalidade da alma era uma ficção para seduzir as naturezas pouco elevadas; mas, o vazio me apavorava, porque maldisse muitas vezes esse agente misterioso que fere sempre. A filosofia me perdera, sem me fazer compreender toda a grandeza do eterno, que sabe repartir a dor e a alegria para o ensinamento da Humanidade.

5. Quando da sua morte verdadeira, se reconheceu logo?

R. Não; me reconheci durante a transição a que meu Espírito se sujeitou para percorrer os lugares etéreos; mas depois da morte real, não; foram necessário alguns dias para o meu despertar.

Deus me concedera uma graça; vou dizer a razão.

Minha incredulidade primeira não existia mais; antes de minha morte, eu crera, porque depois que sondara a matéria pesada que me fazia enfraquecer, ao termo de razões terrestres, não encontrara senão a razão divina; ela me inspirara, consolara e minha coragem era mais forte que a dor. Eu bendizia o que amaldiçoara; o fim me parecia a libertação. O pensamento de Deus é grande como o mundo. Que suprema consolação na prece que dá enternecimentos inefáveis; ela é o elemento mais seguro de nossa natureza imaterial; por ela compreendi, acreditei firmemente, e foi por isso que Deus, escutando as minhas ações benignas, consentiu em me recompensar antes de acabar a minha encarnação.

6. Pode-se dizer que a primeira vez estava morteo?

R. Sim e não; tendo o Espírito deixado o corpo, naturalmente a carne expirara; mas, retornando a posse de minha morada terrestre, a vida retornou ao corpo que sofrera uma transição, um sono.

7. Nesse momento, sentiu os laços que o ligavam ao corpo?

R. Sem dúvida; o Espírito tem um laço difícil de quebrar, lhe é necessário o último estremecimento da carne para reentrar em sua vida natural.

8. Como ocorre que, quando de sua morte aparente e durante alguns minutos, seu Espírito pôde se delisgar instantaneamente e sem perturbação, ao passo que a morte real foi seguida de uma perturbação de vários dias? Parece que, no primeiro caso, os laços entre a alma e o corpo subsistindo mais que no segundo, o desligamento deveria ser mais lento, e foi o contrário o que ocorreu.

R. Freqüentemente, fizeram evocação de um Espírito encarnado e dele receberam respostas reais; eu estava na posição desse Espírito. Deus me chamou e seus servidores disseram: "Vinde..." Eu obedeci, e agradeci a Deus pela graça especial que consentiu fazer-me; pude ver o infinito e sua grandeza especial e dele me dei conta. Obrigado a vocês que, antes da morte real, me permitiram ensinar aos meus para que eles tenham boas e justas encarnações.

9. De onde provinham as belas e boas palavras que, quando no seu retorno à vida, endereçou à sua família?

R. Elas eram o reflexo do que vi e ouvi; os bons Espíritos inspiravam a minha voz e animavam o meu rosto.

10. Que impressão sua revelação fez sobre os assistentes e sobre seus filhos em particular?

R. Impressionante, profunda; a morte não é mentirosa; os filhos, por ingratos que possam ser, se inclinam diante da encarnação que termina. Se se pudesse esquadrinhar o coração dos filhos, junto de uma tumba entreaberta, não se sentiria bater senão sentimentos verdadeiros, tocados profundamente pela mão secreta dos Espíritos que dizem a todos os pensamentos: Trema se está em dúvida; e morte é a reparação, a justiça de Deus, e, apesar dos incrédulos, meus amigos e minha família creram nas palavras que a minha voz pronunciou antes de morrer. Eu era intérprete de um outro mundo.

11. Disse que não goza da felicidade que vislumbrou; é infeliz?

R. Não, uma vez que acreditava antes de morrer, e isso em minha alma e consciência. A dor constrange nesse mundo, mas reabilita para o futuro espírita. Note que Deus ouve dar-me conta de minhas preces e de minha crença absoluta nele; estou na rota da perfeição, e chegarei ao objetivo que me foi permitido entrever. Orem, meus amigos, por esse mundo invisível que preside aos seus destinos; essa permuta fraternal é a caridade; é uma alavanca poderosa que põe em comunicação os Espíritos de todos os mundos.

12. Gostaria de dirigir algumas palavras à sua mulher e filhos?

R. Preço a todos os meus crerem em Deus poderoso, justo, imutável; na prece que consola e alivia; na caridade que é o ato mais puro da encarnação humana; que se lembrem que se pode dar pouco; o óbolo do pobre é mais peritório diante de Deus, que sabe que um pobre dá muito em dando pouco; é necessário que o rico dê muito, e freqüentemente, para merecer tanto quanto ele.

O futuro é a caridade, a benevolência em todas as ações; é acreditar que todos os Espíritos são irmãos, não se prevalecendo jamais de todas as pueris vaidades.

Família bem-amada, terá duras provas; mas aprenda a suportá-las corajosamente, pensando que Deus os vê.

Digam freqüentemente esta prece:

Deus de amor e bondade, que dá tudo e sempre, concede -nos esta força que não recua diante de nenhuma pena; torna-nos bons, doces e caridosos, pequenos pela fortuna, grandes pelo coração. Que o nosso Espírito seja espírita na Terra, para melhor lhe compreender e amar.

Que o seu nome, Deus, emblema da liberdade, seja o objetivo consolador de todos os oprimidos, de todos aqueles que têm necessidades de amar, perdoar e crer.

                                                            CARDON

QUESTÕES PROPOSTAS PARA ESTUDO

1. O Senhor Cardon, em seu primeiro "desencarne" viu coisas belas, voltou renovado em suas esperanças. Após o seu real desencarne, ele goza dessa felicidade que viu?

2. O Senhor Cardon é feliz?

3. Pode-se dizer que na primeira vez ele havia desencarnado? Ele sentiu os laços que o ligava ao corpo nesse momento?

4. Depois de ter feito revelações para sua esposa, filhos e parentes, que impressão ele deixou nessas pessoas?

5. Alguma dúvida ou comentário? Escreva!

CONCLUSÃO

1. Não. Isso porque, por muito tempo, ele esteve revoltado com os pensamentos benignos de seu coração, e a morte lhe parecia uma injustiça. Por ser um médico incrédulo, adquiriu uma aversão contra a imortalidade da alma, que para ele era uma ficção para seduzir mentes pouco elevadas. Por esse motivo, ele não goza da felicidade que viu.

2. Mesmo ele não gozando da felicidade que tinha visto no seu primeiro desencarne, pode-se dizer que ele é, sim, feliz. Isso porque, antes de morrer, passou a acreditar que existe algo mais após a morte, e não apenas um grande vazio. Soube que a dor purifica o espírito, não sendo uma injustiça divina. Deus deu conta de suas preces e da crença absoluta que tinha nele. Agora, o Sr. Cardon se encontra a caminho da perfeição, e chegará a este objetivo.

3. Sim e não. Como o Espírito ainda não havia deixado totalmente o corpo, a carne ainda expirava. Mas, retomando a posso do seu envoltório físico, a vida retornou ao corpo. Neste momento, seria como se seu corpo estivesse em transição, no sono.

Ele sentiu, sem dúvidas, os laços que o ligavam ao corpo. O Espírito tem um laço difícil de ser quebrado. Para que isso aconteça, é necessário que haja um último estremecimento da carne, afim de que o Espírito retorne para sua vida natural.

4. Acredita que deixou algo impressionante, profundo, aos seus. Lhes mostrou que a morte não é mentirosa, os filhos se emocionam com a encarnação que chega ao fim. Se se pudesse ver o que se passava com seus filhos, veria que estavam possuídos por sentimentos verdadeiros, tocados profundamente pela mão dos Espíritos que dizem a todos os pensamentos. Disse aos seus que a morte é a reparação, a justiça de Deus. Apesar dos incrédulos, sua família e seus amigos acreditaram em suas palavras, ditas antes de morrer. Sr. Cardon era intérprete do outro mundo.