“Necessária
é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer
para a execução dos desígnios da Providência no limite do
desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais.”
O
Livro dos Espíritos – Questão 804
Alteridade,
uma palavra que merece atenção nos programas de educação e
melhora à luz do Espiritismo humanitário.
Consideremo-la
como sendo a singularidade alheia, o distinto, aquilo que é “outro”,
a diferença que marca a personalidade de nosso próximo.
Nas
abordagens filosóficas a alteridade tem conotações de rara beleza
e profundidade demonstrando a importância da diversidade humana.
Entretanto, interessa-nos mais de perto, seu enfoque ético na
convivência.
O
trato humano com a diferença, da qual o outro é portador, tem sido
motivo para variados graus de conflitos e adversidades. Inclusive
entre os seareiros da causa espírita observa-se o desafio que
constitui estabelecer uma relação harmoniosa e fraterna, quando se
trata de alguém que não pensa igual ou que foge aos convencionais
padrões de ação e pensamento, perante as tarefas promovidas nos
círculos doutrinários.
Freqüentemente,
a dificuldade em manter a fraternidade com as diferenças e os
diferentes tem ocasionado um lamentável fenômeno comportamental na
sociedade; a indiferença. A indiferença é a negação da
diferença; o outro não faz diferença nenhuma, é um bloqueio
deliberado ou inconsciente ao distinto, àquilo que não é o “eu”.
Não havendo disposição ou mesmo possibilidade de compatibilidade
entre aptidões ou no terreno do entendimento, adota-se a exclusão
afetiva como suposta solução para os embates do relacionamento.
Leves agastamentos e decepções arrefecem as expectativas e a s
frágeis amizades levando muito facilmente a criaturas à mágoa e
mesmo ao revanchismo.
Conviver
é, de fato, um desafio. A humanidade terrena, nesse início do
terceiro milênio, começa a se preocupar em delinear nos seus
projetos educacionais a habilidade de “aprender a conviver” como
um dos quatro magistrais pilares para todos os conteúdos das escolas
do mundo. Muito relevante essa medida, tomando por base que esse será
o milênio do homem interior, em contraposição aos últimos mil
anos que fundamentaram a era do homem exterior, o homem das
conquistas para fora, sendo agora o momento das conquistas e vitórias
íntimas: a era do amor falado, sentido e aplicado.
A
indiferença provoca uma quase total ausência de solidariedade nas
relações entre os homens. O egoísmo é o responsável por essa
calamidade da vida humana, levando ao “esfriamento da
sensibilidade” ante tanto desrespeito e violência. 3
Compreender
as etapas da alteridade nos mecanismo afetivos, sob o prisma do
progresso espiritual, é fundamental para procedermos a uma
auto-avaliação de nossa posição íntima.
Delineemos
essas etapas do crescimento moral e espiritual em três: primeiro o
desejo
de melhora, posteriormente
a interiorização
e
finalmente a transformação.
Em
cada uma dessas vivências dilata-se a consciência para uma
concepção mais apurada daqueles que jornadeiam conosco no carreiro
das experiências de cada instante. Em cada uma, a singularidade
“daquele que é outro” toma uma conotação de conformidade com a
maturidade afetiva e moral de cada um.
Antes
de assinalarmos as características pertinentes a cada passo,
deixemos claro que todo processo de mudança interior obedece a esse
espírito de seqüência natural. Sem desejo
de melhora não
existe motivação para quaisquer empreendimentos de renovação. Sem
a etapa da interiorização
não
se deflagra o conhecimento fidedigno do trabalho a ser efetuado na
intimidade de si mesmo. E a transformação
é
o resultado e o objetivo para o qual todos caminhamos na evolução.
Esse dinamismo interior é processual e ninguém estagia em uma ou
outra etapa separadamente. No entanto, para efeitos didáticos,
analisemos o que costuma suceder-se na vida afetiva ao longo dessa
caminhada, dentro da relação eu e o outro, para quantos tomam
contato com as luzes do Espiritismo:
Desejo
de melhora –
período em que nos ocupamos pelas ações no bem. Etapa marcada pelo
conhecimento espiritual criando conflitos íntimos, impulsionando
novos posicionamentos. A necessidade de mudança será proporcional
ao nível de maturidade de cada criatura. Nessa fase o outro ainda é
uma referência de incômodo, disputa e ameaça, quase um adversário
para quem são dirigidas cobranças não suportáveis a si mesmo. Tal
estado psicológico instiga o julgamento inflexível através da
análise para fora. O principal traço afetivo é a simpatia pelos
iguais, aqueles que pensam conforme pensamos, que esposam pontos de
vista idênticos. Embora seja um instante de muita “convulsão”
nas metas e propósitos de vida, é quando o homem se define por uma
nova opção de melhora com base na vida futura, na imortalidade e na
ascensão. O convite ético do Espiritismo chega-lhe como consolo e
também um abalo nas convicções. Mesmo o próximo não sendo ainda
respeitado na sua diferença, trata-se do início da morte da
indiferença. Apesar de não aceitar os diferente, já se incomoda
com eles, querendo modificá-los: um efetivo sinal de mutação na
forma de sentir. Afetivamente não é uma postura ajustada, mas é
uma estrada que se abre para superar a tendência de marginalização
e impulso para repensarmos a nossa individualidade, até alcançarmos
a interiorização.
Interiorização
-
se na fase anterior a prioridade era a ação, aqui o aprendiz das
questões do espírito volta-se para estudar suas reações íntimas.
O conhecimento sai da esfera puramente intelectiva para o campo das
reflexões sentidas, motivando a busca de estados mentais de
harmonia. O “outro” promove-se à condição de espelho das
necessidades de nosso aperfeiçoamento, uma extensão de nós
próprios que deflagra o processo educativo; afetivamente toma a
conotação daquele que nos leva a novos e mais elevados sentimentos.
Esse é o estado psicológico da busca de entendimento e do
autoconhecimento, uma análise para dentro. Há uma 4
dilatação
da sensibilidade para com a diferença alheia, seguida de mais
intensa aceitação, disposição para o perdão e a concórdia.
Começa-se assim a compreensão da importância que tem a diversidade
de aptidões. O desigual passa a ser visto como alguém importante
para o nosso crescimento pessoal. A maleabilidade, a assertividade, a
empatia e outras habilidades emocionais passam a ser usadas com mais
intensidade. Todas essas posturas sedimentam valores novos no rumo da
transformação.
Transformação
–
os valores interiorizados atingem o campo dos sentimentos, é a
mudança real. O outro é alteridade, distinção; é o estado
psicológico do amor em que a diferença do outro passa a ser
incondicionalmente aprovada e, mais que isso, compreendida com
indispensável lição de complementaridade. Nessa etapa aprende-se
não só a aceitar os diferentes como se consegue aprender com eles,
amá-los na sua maneira de ser. É a etapa da felicidade. O outro
jamais poderá ser motivo para decepções e mágoas. Ainda que as
tenhamos saberemos como lidar bem com essas emoções. A autonomia e
a liberdade não permitem amarras e dependência, opressão e
sentimentalismo. Aprende-se o auto-amor e por conseqüência ama-se
sem sofrimento, sem sacrifícios; ama-se porque o amor é preenchedor
e isso, definitivamente, basta.
Jesus
na Parábola do Semeador, quando fala dos vários terrenos em que
foram distribuídas as sementes, deixa-nos um tratado sobre a
alteridade e suas etapas. Os solos da narrativa correspondem aos
níveis evolutivos em que cada qual dará frutos, conforme suas
possibilidades.
O
aprendizado da reforma íntima, inevitavelmente, percorre esses
degraus de aprimoramento. A análise sincera dos sentimentos que se
movimentam na esfera dos corações nessa marcha de crescimento nos
permitirá proceder ao conhecimento de si próprio com mais êxito.
Não
esqueçamos, em nosso favor, que em qualquer tempo e lugar,
diferenças não são defeitos, os diferentes necessariamente não
são oponentes, e a indiferença é o recolhimento egoísta do afeto
na escura masmorra do desamor. Nossa harmonia é construída no
cultivo das virtudes da indulgência, da fraternidade e do
acolhimento.
Ação,
reação, transformação: caminhos da alteridade.
Em
quaisquer etapas: sempre alteridade na erradicação do personalismo.
Hosanas
às diferenças e aos diferentes! 5
Ética
da Alteridade. Pág. 05
Do
Livro Unidos pelo Amor - Ética e Cidadania à Luz dos Fundamentos
Espíritas – Primeira Parte: Capítulo 15
Conselho
Espírita de São Bernardo do Campo
“Encontros
de Atitudes de Amor”
Grupo
Fraternidade Espírita João Ramalho
Reunião
do dia 6 de julho de 2008
Tema
Central:
Alteridade
A
convivência adequada com a diferença, com os diferentes
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