domingo, 27 de janeiro de 2013

Etapas da Alteridade

Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais.”

O Livro dos Espíritos – Questão 804

Alteridade, uma palavra que merece atenção nos programas de educação e melhora à luz do Espiritismo humanitário.

Consideremo-la como sendo a singularidade alheia, o distinto, aquilo que é “outro”, a diferença que marca a personalidade de nosso próximo.

Nas abordagens filosóficas a alteridade tem conotações de rara beleza e profundidade demonstrando a importância da diversidade humana. Entretanto, interessa-nos mais de perto, seu enfoque ético na convivência.

O trato humano com a diferença, da qual o outro é portador, tem sido motivo para variados graus de conflitos e adversidades. Inclusive entre os seareiros da causa espírita observa-se o desafio que constitui estabelecer uma relação harmoniosa e fraterna, quando se trata de alguém que não pensa igual ou que foge aos convencionais padrões de ação e pensamento, perante as tarefas promovidas nos círculos doutrinários.



Freqüentemente, a dificuldade em manter a fraternidade com as diferenças e os diferentes tem ocasionado um lamentável fenômeno comportamental na sociedade; a indiferença. A indiferença é a negação da diferença; o outro não faz diferença nenhuma, é um bloqueio deliberado ou inconsciente ao distinto, àquilo que não é o “eu”. Não havendo disposição ou mesmo possibilidade de compatibilidade entre aptidões ou no terreno do entendimento, adota-se a exclusão afetiva como suposta solução para os embates do relacionamento. Leves agastamentos e decepções arrefecem as expectativas e a s frágeis amizades levando muito facilmente a criaturas à mágoa e mesmo ao revanchismo.

Conviver é, de fato, um desafio. A humanidade terrena, nesse início do terceiro milênio, começa a se preocupar em delinear nos seus projetos educacionais a habilidade de “aprender a conviver” como um dos quatro magistrais pilares para todos os conteúdos das escolas do mundo. Muito relevante essa medida, tomando por base que esse será o milênio do homem interior, em contraposição aos últimos mil anos que fundamentaram a era do homem exterior, o homem das conquistas para fora, sendo agora o momento das conquistas e vitórias íntimas: a era do amor falado, sentido e aplicado.

A indiferença provoca uma quase total ausência de solidariedade nas relações entre os homens. O egoísmo é o responsável por essa calamidade da vida humana, levando ao “esfriamento da sensibilidade” ante tanto desrespeito e violência. 3

Compreender as etapas da alteridade nos mecanismo afetivos, sob o prisma do progresso espiritual, é fundamental para procedermos a uma auto-avaliação de nossa posição íntima.

Delineemos essas etapas do crescimento moral e espiritual em três: primeiro o desejo de melhora, posteriormente a interiorização e finalmente a transformação. Em cada uma dessas vivências dilata-se a consciência para uma concepção mais apurada daqueles que jornadeiam conosco no carreiro das experiências de cada instante. Em cada uma, a singularidade “daquele que é outro” toma uma conotação de conformidade com a maturidade afetiva e moral de cada um.

Antes de assinalarmos as características pertinentes a cada passo, deixemos claro que todo processo de mudança interior obedece a esse espírito de seqüência natural. Sem desejo de melhora não existe motivação para quaisquer empreendimentos de renovação. Sem a etapa da interiorização não se deflagra o conhecimento fidedigno do trabalho a ser efetuado na intimidade de si mesmo. E a transformação é o resultado e o objetivo para o qual todos caminhamos na evolução. Esse dinamismo interior é processual e ninguém estagia em uma ou outra etapa separadamente. No entanto, para efeitos didáticos, analisemos o que costuma suceder-se na vida afetiva ao longo dessa caminhada, dentro da relação eu e o outro, para quantos tomam contato com as luzes do Espiritismo:

Desejo de melhora – período em que nos ocupamos pelas ações no bem. Etapa marcada pelo conhecimento espiritual criando conflitos íntimos, impulsionando novos posicionamentos. A necessidade de mudança será proporcional ao nível de maturidade de cada criatura. Nessa fase o outro ainda é uma referência de incômodo, disputa e ameaça, quase um adversário para quem são dirigidas cobranças não suportáveis a si mesmo. Tal estado psicológico instiga o julgamento inflexível através da análise para fora. O principal traço afetivo é a simpatia pelos iguais, aqueles que pensam conforme pensamos, que esposam pontos de vista idênticos. Embora seja um instante de muita “convulsão” nas metas e propósitos de vida, é quando o homem se define por uma nova opção de melhora com base na vida futura, na imortalidade e na ascensão. O convite ético do Espiritismo chega-lhe como consolo e também um abalo nas convicções. Mesmo o próximo não sendo ainda respeitado na sua diferença, trata-se do início da morte da indiferença. Apesar de não aceitar os diferente, já se incomoda com eles, querendo modificá-los: um efetivo sinal de mutação na forma de sentir. Afetivamente não é uma postura ajustada, mas é uma estrada que se abre para superar a tendência de marginalização e impulso para repensarmos a nossa individualidade, até alcançarmos a interiorização.

Interiorização - se na fase anterior a prioridade era a ação, aqui o aprendiz das questões do espírito volta-se para estudar suas reações íntimas. O conhecimento sai da esfera puramente intelectiva para o campo das reflexões sentidas, motivando a busca de estados mentais de harmonia. O “outro” promove-se à condição de espelho das necessidades de nosso aperfeiçoamento, uma extensão de nós próprios que deflagra o processo educativo; afetivamente toma a conotação daquele que nos leva a novos e mais elevados sentimentos. Esse é o estado psicológico da busca de entendimento e do autoconhecimento, uma análise para dentro. Há uma 4

dilatação da sensibilidade para com a diferença alheia, seguida de mais intensa aceitação, disposição para o perdão e a concórdia. Começa-se assim a compreensão da importância que tem a diversidade de aptidões. O desigual passa a ser visto como alguém importante para o nosso crescimento pessoal. A maleabilidade, a assertividade, a empatia e outras habilidades emocionais passam a ser usadas com mais intensidade. Todas essas posturas sedimentam valores novos no rumo da transformação.

Transformação – os valores interiorizados atingem o campo dos sentimentos, é a mudança real. O outro é alteridade, distinção; é o estado psicológico do amor em que a diferença do outro passa a ser incondicionalmente aprovada e, mais que isso, compreendida com indispensável lição de complementaridade. Nessa etapa aprende-se não só a aceitar os diferentes como se consegue aprender com eles, amá-los na sua maneira de ser. É a etapa da felicidade. O outro jamais poderá ser motivo para decepções e mágoas. Ainda que as tenhamos saberemos como lidar bem com essas emoções. A autonomia e a liberdade não permitem amarras e dependência, opressão e sentimentalismo. Aprende-se o auto-amor e por conseqüência ama-se sem sofrimento, sem sacrifícios; ama-se porque o amor é preenchedor e isso, definitivamente, basta.

Jesus na Parábola do Semeador, quando fala dos vários terrenos em que foram distribuídas as sementes, deixa-nos um tratado sobre a alteridade e suas etapas. Os solos da narrativa correspondem aos níveis evolutivos em que cada qual dará frutos, conforme suas possibilidades.

O aprendizado da reforma íntima, inevitavelmente, percorre esses degraus de aprimoramento. A análise sincera dos sentimentos que se movimentam na esfera dos corações nessa marcha de crescimento nos permitirá proceder ao conhecimento de si próprio com mais êxito.

Não esqueçamos, em nosso favor, que em qualquer tempo e lugar, diferenças não são defeitos, os diferentes necessariamente não são oponentes, e a indiferença é o recolhimento egoísta do afeto na escura masmorra do desamor. Nossa harmonia é construída no cultivo das virtudes da indulgência, da fraternidade e do acolhimento.

Ação, reação, transformação: caminhos da alteridade.

Morte da indiferença, autoconhecimento, amor: caminhos da felicidade.

Em quaisquer etapas: sempre alteridade na erradicação do personalismo.

Hosanas às diferenças e aos diferentes! 5



Ética da Alteridade. Pág. 05

Do Livro Unidos pelo Amor - Ética e Cidadania à Luz dos Fundamentos Espíritas – Primeira Parte: Capítulo 15

Conselho Espírita de São Bernardo do Campo

Encontros de Atitudes de Amor”

Grupo Fraternidade Espírita João Ramalho

Reunião do dia 6 de julho de 2008

Tema Central:

Alteridade

A convivência adequada com a diferença, com os diferentes

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